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Sergio Vaz: Caminho suave

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Fazer os saraus nas escolas tem me trazido boas lembranças sobre um tempo
que não volta mais. Mas também tem ressuscitado velhos fantasmas adormecidos
na memória.


 



Lembro de um tempo em que estudava na 2ª série primária, e quando o
professor entrava na sala de aula todos os alunos levantavam em sinal de
respeito. Aliás, éramos obrigados a fazer este tipo de reverência a todos
que entrassem na nossa classe. Nos anos setenta, em plena ditadura brava,
todo mundo era autoridade, menos as crianças.


 



Na segunda e sexta-feira, antes da aula, todos íamos para o pátio hastear a
bandeira e cantar o hino nacional. Não entendíamos muito o porque de cantar
aquela música tão difícil e indecifrável , mas seguíamos entoando a canção
sob a batuta dos nossos mestres: “… fulguras ó Brasil florão da
América…”. Caminhávamos, mas sem seguir a canção.


 


 
A Sala dos professores, era uma espécie de quartel-general inimigo. Quase
ninguém a conhecia por dentro. Só uma coisa era certa, é ali que decidiam se
íamos passar ou não de ano. Repetir o ano não era bem visto pelos nossos
pais. Ai!


 



Aquela sala povoava nossas pequenas mentes com assombrosas imaginações…
Mas nada se comparava ao medo que tínhamos da sala do diretor. Para nós,
pequenos subversivos, a sala impunha o mesmo pavor que a sala do DOPS
aplicava aos que lutavam pela democracia. Dali ninguém saía impune, todos
eram fichados, no mínimo uma advertência.


 


 
Por vezes achei a escola parecida com um campo de concentração, e por conta
do medo, muitas vezes vi alunos sendo atingidos pelas costas por pularem o
muro para matarem a aula. Os Inspetores me pareciam autênticos soldados da
Gestappo.


 


 
Por incrível que pareça aprendi a ler e escrever numa cartilha chamada
“Caminho Suave”.


 



Uma vez fiquei de castigo, atrás da porta, porque estava desenhando um
relógio, à caneta, no meu pulso. Na opinião da professora eu estava fazendo
hora no tempo dela. Que horas eram? Não lembro, mas em represália também não
lembro o nome dela, e não uso relógio até hoje.


 



Um coleguinha descobriu que sua mão tinha 12 cm por conta das reguadas que
levava toda vez que olhava para o lado. Um puxão de cabelo ali, um
chacoalhão acolá, e o que é pior, tudo com a autorização dos nossos pais.


 



Lógico que hoje não é mais assim, e o professor é o grande farol na busca de
um país melhor, mas como eu disse no começo, são apenas fantasmas que
espreitam a memória, como tenho medo de escuro queria dividir com vocês,
esse tempo, em que a escola doía em mim, como um dia sem merenda.


 



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