Sem categoria

Sérgio Vaz : Literatura, pão e poesia

*

A literatura na periferia não tem descanso, a cada dia chega mais livros. A
cada dia chega mais escritores, e, por conseqüência disso, mais leitores. Só
os cegos não querem enxergar este movimento que cresce a olho nu, neste
início de século. Só os surdos não querem ouvir o coração deste povo lindo e
inteligente zabumbando de amor pela poesia. Só os mudos, sempre eles, não
dizem nada. Esses, custam a acreditar.


 



Não quero nem falar dos saraus que estão acontecendo aos montes, pelas
quebradas de São Paulo. Isto me tomaria muito tempo. Haja visto as dezenas
de encontros literários, pipocando nas noites paulistanas. Cada qual do seu
jeito, cada qual com seu tema, cada qual a sua maneira de cortejar as
palavras.


 



Mas eu quero falar mesmo e da poesia que se espalhou feito um vírus no
cérebro dos homens e mulheres da periferia. Pois é, essa mesma poesia que há
tempos era tratada como uma dama pelos intelectuais, hoje vive se esfregando
pelos cantos dos subúrbios à procura de novas emoções.


 


 
O Tal poema, que desfilava pela academia, de terno e gravata, proferindo
palavras de alto calão para platéias desanimadas, hoje, anda sem camisa,
feito moleque pelos terreiros, comendo miudinho na mão da mulherada.
Vocês, por acaso, já ouviram falar do tal poema concreto? Pois é, os
trabalhadores e desempregados estão construindo bibliotecas com eles, nas
favelas. E o lobo mau pode assoprar que não derruba. Apesar da pouca roupa
que lhe deram está se sentindo todo importante com sua nova utilidade.


 



A periferia nunca esteve tão violenta, pelas manhãs é comum ver, nos ônibus,
homens e mulheres segurando armas de até 400 páginas. Jovens traficando
contos, adultos, romances. Os mais desesperados, cheirando crônicas sem
parar. Outro dia um cara enrolou um soneto bem na frente da minha filha.
Dei-lhe um acróstico bem forte na cara. Ficou com a rima quebrada por uma
semana.


 



A criançada está muito louca de história infantil. Umas já estão tão
viciadas, que, apesar de tudo e de todos, querem ir para as universidades.


 



Viu, quem mandou esconder a literatura da gente, Agora nós queremos tudo de
uma vez!


 



Dizem por aí que alguns sábios não estão gostando nada de ver a palavra
bonita beijando gente feia. Mas neste país de pele e osso, quem é o sábio ?
Quem é o feio? E olha que a gente nem queria o café da manhã, só um pedaço
de pão. Que comam brioches!


 


 
Não, não é Alice no país da maravilha, mas também não é o inferno de Dante.
É só o milagre da poesia.


 



Quem odeia ler agora?