Tom Jobim, compositor do mato e dos passarinhos

Amor, Rio de Janeiro e natureza são os temas principais da música de Tom. Porém, é a natureza, o amor às matas e à fauna brasileiras, o que mais a representa

Mário de Andrade dizia: “Se você for um gênio, faça música brasileira”. Com isso, Tom Jobim – que nasceu há 94 anos, em 25 de janeiro de 1927 – concordava. “O Brasil precisa de Villa-Lobos, de Portinari – precisa de pessoas para inventar o Brasil. Sobretudo as pessoas que vieram antes de mim, muito antes, tiveram que inventar o Brasil”.

A obra de Tom – apelido dado por sua irmã Helena, na infância – representa isso. Amor, Rio de Janeiro e natureza são os temas principais de sua música. Porém, é a natureza, o amor às matas e à fauna brasileiras, o que mais a representa. “Toda a minha obra é inspirada na Mata Atlântica”, costumava dizer.

Grande conhecedor dos passarinhos – Tom chegou a ter um “saco de pios”, coleção de piados de aves em forma de apito, garimpados pelo Brasil afora, que, para sua tristeza, perdeu em um hotel norte-americano –, ele se achava “um mateiro incrível”. Foi justamente a natureza que fez com que ele considerasse Villa-Lobos, talvez sua maior referência, um gênio.

“Ali estava tudo! A minha amada floresta, os pássaros, os bichos, os índios, os rios, os ventos, em suma, o Brasil”, observou Tom, na Folha de S.Paulo, em artigo sobre a obra de seu ídolo. “Meu pranto corria sereno, abundante, chorava de alegria, o Brasil brasileiro existia e Villa-Lobos não era louco, era um gênio.”

A partir de 1971, Tom iniciou a fase mais ecológica de sua música, lançando Matita Perê e Urubu. Matita teve como inspiração o conto Duelo, de Guimarães Rosa – uma das grandes referências de Jobim. Cita também versos de Um Estranho Chamado João, composição de outro mineiro, Carlos Drummond de Andrade, seu poeta favorito. Drummond retribuiu a citação com a crônica Tom e o pássaro, publicada em 1972, no Jornal do Brasil: “Puxa, Matinta, mas você, hein? Nem reparou que o nosso tom, olerê olará, voa mais alto e mais longe, e ninguém o segura mesmo”.

Drummond ainda homenagearia Jobim e sua brasilidade no texto Som sobre Tom: “Porque Tom é isso aí: o vibrátil rapaz da cidade, que leva para Ipanema e Leblon uma alma ressoante de rumores da floresta, perto da qual ele nasceu”, escreveu o poeta. “Em Tom, esse sentir brasileiro é também um sentir dos ventos, das ramagens, dos seixos, das vozes de passarinhos, que não são cariocas nem fluminenses, é a ‘geologia moral’ do Brasil, que procuramos esquecer, mas subsiste como explicação maior da gente.”

Tom considerava a preservação das matas como a preservação da cultura: “Você destrói a Mata Atlântica toda, você destrói a floresta amazônica, quando chegar no poema do Villa-Lobos, você não vai entender, porque não tem a Amazônia”. Segundo ele, o mundo é o retrato da incompetência humana: “Se nós destruirmos tudo, a gente destrói a nós mesmos”.

Para Tom, era essencial que se tivesse algo para amar, que “se identifique com a sua alma, com o fato de ser brasileiro (…), de nascer aqui nesse pindorama, terra das palmeiras debruçadas assim acima do Atlântico”. Tom reconhecia que o amor pela natureza e pelo Brasil era determinante em sua obra. “Se eu tivesse nascido, por exemplo, na Europa ou nos Estados Unidos, certamente teria tido”, diz ele, “uma educação musical mais refinada, mais profunda, ou qualquer coisa. Mas eu não iria escrever música brasileira porque eu não seria brasileiro”.

Até para a morte, ele contava com os passarinhos. Deu sua versão do paraíso: “Se um dia tiver de ir, deve haver um bom lugar. Afinal, se Deus permite que se destruam milhões de árvores na Amazônia, assim, sem mais nem menos, é porque as faz renascer noutro lugar, onde também deve haver macacos, flores e passarinhos. É para lá que eu vou”.

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