Entrevista: Aquecimento Global é irreversível
O aquecimento global pode alterar regimes de chuva, ocasionar a migração de aves, tornar mais grave o processo de desertificação do solo na Metade Sul e, inclusive, provocar a salinização da água, afetando a agricultura.Luíza Chomenko, bióloga do Museu
Publicado 30/01/2007 11:50 | Editado 04/03/2020 17:12
Quais seriam os ecossistemas mais atingidos pelo aquecimento global no Estado?
Nós temos alguns ecossistemas que irão sofrer conseqüências diretas e são aqueles abrangidos pelos recursos hídricos, que seriam os ecossistemas aquáticos. Alguns, como a temperatura irá aumentar, poderá haver um incremento de estiagens. Mas, nós vamos ter, no Rio Grande do Sul, uma diferença, na verdade, no regime de chuvas. Eu não saberia te dizer, realmente, se nós vamos ter uma redução ou um incremento de chuvas. De qualquer forma, organismos ligados a ambientais aquáticos vão ser os mais atingidos. Quer seja devido ao aumento da temperatura, quer sejam aqueles ecossistemas que vão sofrer de certa forma as conseqüências da elevação do nível do mar. Isso vai ter um outro efeito que é, eventualmente, a questão da salinização das águas.
O processo de aquecimento global é irreversível?
Ele é irreversível. São duas situações diferentes, mas ele é irreversível mesmo. Pressuponhamos que parássemos hoje com todas as emissões de CO2 [gás carbônico], mesmo assim, para que nós pudéssemos retornar às condições de alguns anos atrás, que eram melhores, o planeta precisaria de cem anos. Então tu vês que ele é um processo irreversível. Agora, então tem gente que já diz que “ah, então não vou fazer nada mesmo porque vou acabar morrendo”. Não, o que tu podes fazer é não acelerar o processo. Então, o que se discute hoje não é como voltar àquelas condições ambientais que nós tínhamos anos atrás. O que nós estamos tentando, na verdade, é salvar o Planetinha para que ele viva, não algumas décadas, mas na verdade, alguns séculos. Porque o modelo de consumo, o modelo de desenvolvimento que atualmente nós temos no Planeta, ele é absolutamente insustentável. E a previsão é de que, em alguns segmentos de desenvolvimento, teremos esgotado alguns recursos em 50 anos. Isso significa que esses locais, e isso se dará principalmente nos países mais desenvolvidos, eles terão que em busca desses recursos em outros locais. Nós, Brasil, temos esses recursos. Isso significa que nós temos que começar a utilizar essa estratégia de abundância de recursos naturais como um fator competitivo em um plano estratégico de médio e longo prazo e não entrar no mesmo modelo de consumo global que temos hoje, porque aí a gente está realmente perdendo aquilo que é a nossa potencialidade futura.
Que recursos são esses?
É água e recursos naturais mesmo. A briga daqui a alguns anos, não vai ser por petróleo, é água e biodiversidade. E isso o Brasil tem como nenhum outro país. E o que nós estamos fazendo com a nossa água? Nós estamos exportando produto que hoje são comoditties internacionais e estamos jogando a nossa água fora. Vamos pegar um exemplo, a soja. Em cada tonelada de soja que eles [mercado internacional] compram, 6% é água. Água que deixam de usar na terra deles e pegam na nossa. Essa é a questão que se coloca. Eu preciso estar mandando pra eles, junto, a nossa água? Esses países que hoje estão comprando a celulose não estão levando só isso, estão levando junto a nossa água, a nossa biodiversidade. Porque a parte suja da produção fica no nosso país. Eles levam pra lá a celulose e fazem o papel, que é a parte nobre do processo. Eu preciso mandar pra lá? Não, eu posso fazer aqui. O Brasil tem celulose que chega para ele próprio.
O que os governos podem fazer para desacelerar o aumento das temperaturas?
Nós deveríamos também trabalhar um pouco na própria gestão do espaço, como nas unidades de conservação e nos corredores ecológicos, naquilo que pode vir a se tornar refúgio para as espécies que hoje estão ocupando determinado espaço. Teoricamente, o planejamento estratégico deveria partir de estruturas governamentais. Agora, não obrigatoriamente ele precisa ser desenvolvido pelo governo. Eu posso ter, por exemplo, dentro de determinada região, um conjunto de produtores que queira deixar um pedaço lá da sua região para construir uma unidade de conservação. Eles podem criar um parque e fazer um aproveitamento sustentável. O que ele está fazendo? Ele não está acabando com aquela área, ele não está utilizando aquele espaço todo para a agricultura intensiva ou para construir uma obra. Ele vai deixar aquele espaço, de alguma forma que mantenha pelo menos uma parte que mantenha os ecossistemas naturais. Ele pode fazer um parque e disponibilizar para o turismo rural, enfim, o multiuso desse espaço pode vir a se tornar um grande refúgio, com uma utilização estratégica de benefício nacional ou estadual.
Que outros segmentos da sociedade são importantes no combate ao aquecimento?
Acho que antes mesmo da população ter consciência de que precisa mudar o seu modelo de consumo, temos que ter dois segmentos atuando: a mídia e a educação. Nós temos uma falha muito grande disso no Brasil. A mídia não aborda isso de uma maneira adequada. Nós temos que começar a trabalhar a questão da divulgação do conhecimento e dos acontecimentos de uma maneira mais ampla. Aí, a mídia tem uma grande responsabilidade de ver como vai levar isso pra rua. Mas existem dois segmentos que são aqueles que irão dar a informação, que são os órgãos governamentais e também os segmentos privados, como as universidades e as empresas que, muitas vezes, desenvolvem as pesquisas e isso não está sendo colocado pra rua. Por vários motivos: muitas vezes, o pesquisador que está fazendo o trabalho não tem a capacidade de jogar na rua a sua informação ou a coloca de uma forma tão complexa que não consegue com que as pessoas o entendam. Eu tenho que adaptar a linguagem e acho que essa é uma questão muito grande. A segunda é o próprio processo educacional. Nós não temos um bom sistema educacional no Brasil. Isso todo mundo diz que o Brasil precisa investir na educação, que educação é saber, é ciência; todos os governos, acho que desde o descobrimento do Brasil, dizem que investem na educação do país mas, na prática, muitas vezes o cidadão é um analfabeto funcional, é aquele que escreve mas não sabe nada do que está escrevendo. Isso não é educação. Educação é treinar o cara a pensar. O problema é que muitos governos pensam assim: se eu dou educação o cara se torna crítico; se o cara se torna crítico, ele aprende a pensar; se ele pensa, ele começa a cobrar. O cara não me serve. Então eu dou o feijãozinho-com-arroz, ensino o cara a assinar o nome dele e pronto. Não é essa educação da qual precisamos.
E o que pode fazer o cidadão, no seu dia a dia?
Passada essa questão, nós chegamos no nível individual, na pessoa dia-a-dia. O que eu posso fazer? Eu tenho que ir todos os dias com o meu carro na padaria, que fica a duas quadras da minha casa, ou posso ir a pé? Quando estou dentro de casa, tenho que consumir toda a energia que uso ou posso otimizá-la? Ninguém fala em mudar o sistema de transporte. Nós no Brasil, estamos falando na mudança positiva da matriz do combustível, nós não estamos falando em otimizar nosso sistema de transporte. Estamos construindo novas estradas, não estamos construindo ou ampliando hidrovias e ferrovias, que seriam formas de transporte mais saudáveis. Nós temos que ensinar o consumidor também que, quando ele vai ao supermercado, ele não tem que fazer aquilo que as grandes empresas querem que ele faça que é comprar tudo aquilo que está em promoção. Não, ele tem que começar a pensar sobre a importância daquilo que ele está comprando. Ele precisa daquilo? Vamos pensar, por exemplo, o papel. Eu preciso de todo o papel que consumo em embalagem, em sacolinha? Não, não preciso, mas consumo. Isso quer dizer que eu tenho que gastar mais o meu recurso natural, que eu tenho que consumir mais energia. Isso significa que estou incrementando, com certeza, os fatores que estão provocando impacto (no meio ambiente). É nesse sentido que a gente tem que trabalhar.
Raquel Casiraghi – Agência Chasque