Hoje é dia de malhar o Judas

À sombra da folhagem verde e escura 


De um galho preso ao mastro levantado


Um Judas, pelo vento balançado 


Da forca pede em cômica compostura


E um bando em frente à exótica figura


Contempla ao vê-lo

É dia de Judas no interior. Em meio às cerimônias sagradas da Semana Santa, quando a Igreja Católica revive a paixão, morte e ressurreição de Jesus Cristo, os folcloristas celebram o enforcamento de Judas Iscariotes, personagem bíblico que traiu Jesus Cristo com um beijo por 30 moedas. Consumada a traição, arrependeu-se, tentou restituir o dinheiro mas, repelido pelos sacerdotes de Cristo, enforcou-se com uma corda. Na cabeça do povo simples, o Judas personifica a imagem do traidor projetada no comportamento dos políticos corruptos, como também de pessoas comuns que traem amigos e parentes, ou acontecimentos que chocaram a sociedade.


 


Em Jardim, a festa de malhação do Judas tem como tema um dos assuntos da atualidade e que remetem à condição do planeta: o “Aquecimento Global — A Sobrevivência em Nossas Mãos.” Em Crato, casos do noticiário tiveram espaço na malhação do Judas. A assassina do ganhador da mega-sena, a ex-cabeleireira Adriana Almeida foi escolhida, com 3.456 votos, para ser o Judas da Fundação do Folclore Mestre Eloi .


 


Da mesma forma aconteceu nos sítios, vilarejos e cidades. Elas amanheceram com postes enfeitados com diversos protótipos de Judas: bonecos feitos com um paletó velho, camisa, calça, meias, sapatos, meias colocadas nas mãos, gravata, cujo corpo é enchido com trapos, panos velhos, raspas de madeira e jornais.


 


A Festa dos Caretas de Jardim foi aberta com o carregamento do pau do Judas, um eucalipto com quase 23 metros que foi retirado do terreno da Usina de Açúcar em cima da serra do Araripe e transportado num caminhão para o sítio Cruz, a dois quilômetros da cidade, de onde saiu o cortejo, tendo à frente o prefeito de Jardim, Teodomiro Sampaio.


 


O mastro, onde o traidor será pendurado, foi conduzido por um cortejo que percorreu as principais ruas até o campo de futebol, onde o boneco será explodido. No percurso, os chamados filhos de Judas, ou caretas, com máscaras na cara, choram e riem da morte do pai. A cena grotesca desperta a curiosidade da população que ocupa calçadas para acompanhar o cortejo cômico.


 


Na praça, em frente à igreja matriz, uma parada para o descanso dos carregadores. Uma pausa também para reflexão. É a simbiose entre o profano e o religioso. Enquanto a igreja abre as portas para os atos da Semana Santa; os caretas, travestidos de algozes da traição, dão continuidade à caminhada pagã em direção ao calvário do Judas.


 


O Secretário de Cultura do Município, Luiz Lemos explica que o espetáculo tem como objetivo reviver a festa pagã, que se tornou uma das festas mais populares do Cariri. É uma forma da população execrar o gesto de Judas Iscariotes. O evento será encerrado hoje à noite com o forró dos caretas. Lemos lembra que a festa teve inicio há mais de 100 anos na zona rural. Com a criação da Associação dos Caretas de Jardim, há 30 anos, a festa foi urbanizada. A associação assumiu o comando do evento que hoje é um dos populares do Cariri.


 


Malhação do Judas


 


O historiador Armando Lopes Rafael define a Malhação do Judas como um espetáculo de beleza e significação que revive a festa pagã das Capitales Romanas. Bastante popular na Península Ibérica, radicou-se na América Latina a partir dos primeiros séculos da colonização européia. Câmara Cascudo afirma que “o Judas queimado é uma personificação das forças do mal e constituirá vestígios dos cultos agrários, espalhados pelo mundo”.


 


A Igreja dela se aproveitou para infundir melhor no povo a execração do gesto infame de Judas Iscariotes. No Crato, a festa existe desde o início do processo de colonização da região do Cariri e, como em outros pontos do Nordeste, o Judas costuma deixar, em versos populares, o seu testamento, passando sua herança à comunidade.


 


O projeto Festa Popular da Malhação do Judas é a continuação da malhação do Judas idealizada por Cacá Araújo, na época professor e diretor do Colégio Estadual Wilson Gonçalves, no Crato, iniciada em 2001. Atualmente, esta é a 7ª edição, hoje realizada pela Fundação do Folclore Mestre Eloi. Transferida para o Largo da Rffsa, ampliou sua dimensão no contexto do resgate, preservação e difusão da cultura tradicional do povo cearense e do sertão nordestino.


 


É a preservação da tradição secular que se funde com o surgimento da civilização nordestina ao herdar dos medievais festas e cerimônias católicas com um caráter “sacro-profano”. É a reconstrução de imagens que contribuem para o resgate da memória histórico-cultural do povo.


 


Fonte: Diário do Nordeste