Paradoxos do movimento anti-gay

Colunista do jornal Correio Popular (de Campinas/SP), o juiz de direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Sumaré, André Gonçalves Fernandes, usou a mídia para tentar inverter a lógica do combate à discriminação ao movimento GLBT. Na quinta (05), às 1

Ao final de seu texto, o juiz argumenta ''resta saber se, quando o movimento homossexual tiver suas aspirações atendidas, o homossexualismo será, via decreto, alçado à condição legal de única ''opção'' sexual para o cidadão''. No texto abaixo, o jornalista Deco Ribeiro, membro do Fórum Paulista GLBT e fundador do Grupo E-Jovem de Adolescentes Gays, Lésbicas e Aliados, rebate as idéias do juiz.


 


''O PLC 122/2006 é um projeto de lei já aprovado pela Câmara dos Deputados e que tramita agora no Senado. Ele pretende equiparar os crimes violentos contra homossexuais aos crimes violentos contra negros e aplicar as devidas penas a quem comete esse crime. O projeto será aprovado, sem dúvida. Afinal, estamos no século XXI e todos os medos irracionais do passado foram abandonadas em prol do conhecimento, da solidariedade, da justiça e do progresso da humanidade, certo?


 


Errado. Pois bem no seio de nossa sociedade dita avançada, um grupo de pessoas resolveu se reunir para voltar ao tempo da caça às bruxas. Ao tempo em que tudo o que era estranho ou diferente era jogado na fogueira – ou, mais recentemente, em câmaras de gás de campos de concentração. E por quê? ''Se é diferente, é meu inimigo,'' pensam os novos nazistas.


 


Quem tem medo da criação de uma lei? Vamos ver…  Quem é contra o limite de velocidade? Aqueles que correm, causam acidentes que matam inocentes e não querem ser punidos. Em outras palavras, os criminosos que serão afetados pela lei.


 


Quem tem medo da homossexualidade? O juiz de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Sumaré, André Gonçalves Fernandes, com certeza tem. Veja o que ele quer defender: ''manifestações pessoais de repulsa física ante o homossexualismo; expressões verbais populares, de uso espontâneo, consideradas depreciativas e anti-homossexuais; ditos que tratem a conduta homossexual sob um ângulo cômico'' – segundo suas próprias palavras, em artigo publicado no último dia 28.


 


Um juiz! Não é esse o maior paradoxo? Deve ter estudado Direito. Talvez já tenha até julgado casos de injúria e difamação. Será que se ele tivesse um filho gay ele gostaria de ver pessoas manifestando repulsa diante desse garoto, xingando-o e rindo dele? Pois é o que ele acaba de defender, para dor de mais da metade da população – sim, porque se 10% da população é gay, mais 10% são mães de gay, 10% são pais de gays, 40% são avôs e avós de gays – e só aí o excelentíssimo juiz já ofendeu diretamente 70% da população. Ou ele acha que gays e lésbicas nascem de chocadeira?


 


E depois de defender publicamente a violência e a agressão, o juiz, não satisfeito, tem coragem de questionar a existência dessa violência ou da própria palavra homofobia – medo dos homossexuais. Diz que o Movimento Gay se esforça ''em combater a discriminação em camadas da sociedade onde ela não existe''. Uau. Imagine se existisse.


 


Vamos explicar a homofobia então – este conceito tão complexo que chega a ser difícil até para um juiz entender. Por que a homofobia associa a discriminação ao medo?


 


Segundo o sociólogo Antônio Flávio Pierucci, algumas camadas da sociedade (aquelas mesmas onde a discriminação ''não existe'') ''sentem-se ameaçadas pelos delinqüentes, pelos migrantes nordestinos, pelos homossexuais, pelas mulheres liberadas, pelos mendigos e crianças abandonadas. São radicalmente antiigualitários, pois estão convictos de que as pessoas não são iguais, mas irremediavelmente diferentes.''


 


Para Rita Colaço, mestre em ciência política pela UFF, estas camadas da sociedade ainda preservam a noção de que é ''natural'' a existência de cidadãos mais iguais do que os outros. Entre os primeiros, ''naturalmente'', a ''gente de bem'', os ''bem nascidos'' – portadores de maior volume de recursos financeiros e de redes de influência – os que têm uma família ''que não é qualquer uma''.


 


Nesse contexto os alvos do ódio, do desejo de eliminação, são todos aqueles vistos como ''inferiores'', portadores de qualquer característica passível de desqualificação no interior dessa estrutura de valores: trabalhadores, pobres, moradores de rua, desempregados, velhos, negros, gays, lésbicas, travestis, trabalhadoras do sexo, nordestinos, imigrantes etc. E não, caro juiz, essa associação de pessoas orgulhosas de sua ''superioridade'' sexual não é nada secreta.


 


Homofobia, portanto, não é diferente do racismo – e de outras atitudes nazi-fascistas – e por isso foi escrito e aprovado na Câmara o PLC 122/2006.


 


O juiz André Gonçalves Fernandes termina seu artigo em pleno surto paranóico (medo), se achando perseguido por grupos gays (medo) e temendo (medo) que, no futuro, alguém o force a ser homossexual. Sinto muito em desapontá-lo, senhor juiz. A homossexualidade não é para qualquer um.


 


E se o senhor tem tanto medo de ser punido por seu comportamento homofóbico, senhor juiz, por favor, PARE. Agora.''


 


Deco Ribeiro