Antonio Capistrano: Getúlio Vargas: lembranças da infância

Leia Artigo de Antonio Capistrano sobre suas lembranças, durante sua infância, do governo de Getúlio Vargas, na semana que se registra 53 anos do seus desaparecimento.

No dia 24 de agosto de 1954, eu tinha sete anos, morava na Rua São João, no bairro das Rocas, em Natal, pertinho do Canto do Mangue, porto seguro dos pescadores e vendedores de peixe, rua que desembocava no pátio da famosa feira das Rocas, em frente à Igreja São Jorge, bairro tradicional da cidade, moradia de portuários, ferroviários, pescadores, funcionários dos Correios e Telégrafos.  Nas Rocas havia uma concentração de moradia de operários, justificada pela localização na redondeza do porto, dos Correios, da estação ferroviária, dos clubes náuticos, da base dos hidroaviões no Potengi, do Quartel do Regimento de Obuses, também pertinho do comércio mais movimentado da capital, o da Ribeira e, do encontro do rio da minha infância com o mar. Lembro a minha infância, os banhos no Potengi.



As Rocas é um bairro das origens da cidade, limite com outros que têm uma história muito parecida com a sua: Santos Reis, Ribeira, Areal, Petrópolis, Brasília Teimosa. Bairro das praias mais tradicionais a do Forte, do Meio, Areia Preta, sem esquecer o poço do Dentão, famoso pela sua alta periculosidade.



Não existe paisagem mais poética do que o pôr-do-sol visto do Canto do Mangue, olhando os barcos e as jangadas no vaivém do Potengi, o rio/mar – que o diga o pintor, poeta e cronista da cidade, Newton Navarro. Rocas de Djalma Maranhão: dos fandangos, lapinhas, pastoris, bumba-meu-boi, das festas juninas e do Santos Reis, do peixe frito com tapioca, dos roletes de cana, dos parques de diversões com suas amplificadoras, dos carnavais inesquecíveis com suas bagunças, de Luís Rola – o homem mais valente do bairro. Do ex-jogador do América, Burro Preto, ídolo do passado. Da figura pitoresca do Conde, dono do mundo. Da carne assada do Lira e do Marinho. Da peixada da comadre. Das escolas de samba. Dos times de futebol, dos torneios da segunda divisão, do campo de futebol da minha infância, o João Câmara, celeiro revelador dos grandes craques para os times da primeira divisão – América, ABC, Alecrim, Força e Luz, Ferroviário, Riachuelo e Atlético.



As Rocas foi o berço do cafeísmo. Local onde Café Filho iniciou a sua vida como sindicalista, tão bem contada na sua autobiografia “Do Sindicato ao Catete”. Era também um bairro getulista por natureza, talvez por isso, todo o desespero naquela manhã do dia 24 de agosto de 1954. Ainda criança, eu não entendia o porquê de tamanho alvoroço nas ruas do meu bairro, o choro do povo, a cidade de luto, as casas com pano preto nas janelas, um vaivém de gente. Perguntei à minha mãe o que era aquilo, e ela me respondeu:



– O presidente Getúlio Vargas suicidou-se, ele era considerado o “Pai dos Pobres”; o novo presidente é Café Filho.
– Mas por que ele se matou?…
– Não sei!… O Repórter-Esso está lendo uma carta deixada por ele explicando os motivos.



Não dei mais atenção ao fato que estava longe do meu alcance de menino, fui jogar bola no campinho de futebol em frente a minha casa, na Vila dos Ferroviários, onde notei uma tristeza muito grande e muito mais profunda no semblante dos seus moradores. Adolescência, no início dos anos 60, com 13 anos, mas já engajado politicamente, pertencente à juventude comunista, foi que comecei a compreender aqueles fatos, e a sua importância para nossa história.



A carta-testamento do presidente Vargas não deixa duvidas; criação da Petrobrás, a Eletrobrás, a Lei de Remessa de Lucros, os choques de interesses com os Estados Unidos, a política trabalhista de proteção ao proletariado, política de proteção da produção industrial e agrícola. Diante de tudo isso, o imperialismo e os seus asseclas brasileiros, iniciaram uma violenta campanha de desestabilização do governo, através da mídia, com mentiras e injúrias, na tentativa de desmoralização da pessoa do presidente, principalmente depois do episódio do dia 5 de agosto, na Rua Toneleros, quando morreu o major Vaz, guarda-costas de Carlos Lacerda.



O presidente, com o seu ato, talvez na sua mente o único caminho, impediu o golpe que se articulava, a reação do povo foi inusitada, de perplexidade pela perda do líder e de ódio contra os seus agressores. Hoje eu compreendo o ato extremo do grande brasileiro Getúlio Vargas, o seu amor pelo Brasil e pelo seu povo. Ler e refletir a carta-testamento do presidente Vargas é um dever de todos os brasileiros, deveria ser obrigatório essa leitura nas escolas de todo o Brasil.



Antonio Capistrano é  Presidente do PCdoB/Mossoro.