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TV Brasil não será ''TV do Lula'', diz Tereza Cruvinel

Por André Cintra
A TV Brasil terá à sua frente uma mulher de origem mineira, sobrenome catalão, leve sotaque carioca, pele morena e olhos verdes. É a jornalista Tereza Cruvinel, mestre em Comunicação Social pela Universidade de Brasília e profissional

Em sua opinião, a nova emissora não tem caráter governamental, não é a “TV do Lula”, nem fará o “jornalismo chapa-branca” típico das emissoras do gênero. “Uma TV Pública tem por vinculação direta e por obrigação estar a serviço da cidadania, da sociedade civil”, explica Cruvinel, em depoimento exclusivo ao Vermelho. “O foco da TV Brasil é em educação, em nossa diversidade cultural, em cidadania.”


 


A rede pública — que vai ao ar em 2 de dezembro — nasce em meio a muitas expectativas e algumas críticas. A oposição ao governo não aceita a criação da rede por medida provisória. Já os movimentos sociais reclamam da composição do conselho curador da TV Brasil, que excluiu representantes de entidades populares. Cruvinel rebate: com a inclusão das entidades, “o conselho correria o risco de não ser operante”.


 


Indicada por Franklin Martins, ministro da Secretaria de Comunicação do Governo Federal (Secom), a jornalista também contesta que foi nomeada para ser mais um nome das organizações Globo no governo Lula. “É ignorância ou má-fé.” E diz que se recusa a comentar as provocações do colunista Diogo Mainardi, da revista Veja. “Se você apontar um crítico de respeito, eu faço um comentário.”


 


Confira abaixo os principais trechos de sua entrevista ao Vermelho, concedida na quinta-feira (25), em Aracaju (SE), durante o Seminário sobre Programação para TV Pública.


 


Você está convicta de que não haveria tempo nem condições para criar a TV Brasil por projeto de lei? A implantação via MP é realmente justificável?
Havia tempo, sim. Se a gente falasse “vai levar um ano, um e meio”, tudo bem, até dava para deixar mais adiante — e passaríamos esse tempo discutindo. Mas o que aconteceria? Não poderíamos pôr o canal digital no ar no dia 2 de dezembro, quando todo o Brasil começa a transmitir em digital.


 


Tem outro aspecto importante: não somos nós que estamos construindo os alicerces. A TV Brasil não está nascendo do nada. Ela está surgindo a partir da unificação de duas estruturas pré-existentes, a Radiobrás e a TVE, que são grandes, tradicionais, sobretudo a TVE do Rio, com seus 38 anos de transmissão.


 


Você pode imaginar o que acontece numa instituição dessas quando se passa um ano no Congresso discutindo? “Vai aprovar ou não vai aprovar? Serei demitido ou não? Vamos manter isso aqui funcionando ou faremos corpo mole até que as coisas de esclareçam?” Você corre o risco de jogar numa crise danosa duas instituições que estão no ar, estão operando direito.


 


A oposição ao governo Lula tenta barrar a MP no Congresso e no Supremo Tribunal Federal…
Os Democratas, basicamente, é que fazem oposição mais cerrada.


 


E há diálogo com eles?
Há diálogo, sem dúvida. Ontem mesmo (24), no aeroporto, antes de vir para Sergipe, eu estiva com o presidente do DEM, Rodrigo Maia, e com o deputado José Carlos Aleluia, um líder muito influente do DEM. Conseguimos ter uma boa conversa e até esclarecer muitos aspectos.


 


Acho que eles vão manter oposição ao instrumento da medida provisória. É natural, nós compreendemos — não é a primeira vez que eles se insurgem contra uma MP. Mas há muita gente dentro do DEM que vai votar a favor da TV Pública também.


 


Na essência, o que deve ser uma TV Pública?
Uma TV Pública tem por vinculação direta e por obrigação estar a serviço da cidadania, da sociedade civil. É um instrumento do aperfeiçoamento democrático. Não é como a TV privada, subordinada a uma lógica comercial, a uma lógica do poder econômico. Também não é uma TV subordinada ao poder político, aos governos que passam, aos instrumentos do Estado, aos partidos — enfim, aos poderes constituídos. A TV Pública transita entre esses dois modelos.


 


A maioria das TVs públicas do país é francamente governamental. Existem apenas duas emissoras — a TV Cultura, de São Paulo, e a TVE, do Rio — próximas ao modelo público de gestão que você defende. A TV Brasil será parecida com ambas ou terá diferenças fundamentais?
A TV Brasil precisa ter e terá algumas diferenças. Pela primeira vez, haverá o apoio de um governo federal. E de um governo que se dispõe até a enfrentar algumas incompreensões sobre o que é uma TV Pública — essa coisa de falarem que é a “TV do Lula”, que vai fazer jornalismo chapa-branca. Não é nada disso, mas só o debate e a prática vão esclarecer.


 


Além disso, TV Brasil vem ao encontro de uma grande aspiração da sociedade civil, que se manifesta nos fóruns da TV Pública que acontecem Brasil afora. Nós temos condições muito favoráveis, como a TV digital, que facilita bastante nossa vida. Mas o que vai diferenciar mesmo é que será uma TV feita pela sociedade, buscando muita sintonia com a sociedade civil.


 


Do ponto de vista do seu conteúdo, ela será controlada por um conselho curador composto, majoritariamente, por pessoas dessa sociedade civil — 15 membros ao todo, contra quatro do governo e um dos empregados. Esse conselho é que aprovará nossas diretrizes, nosso conteúdo. Poderá — como fez agora o conselho curador da BBC — destituir um diretor que não esteja cumprindo as diretrizes.


 


Para uma TV que se diz “pública”, não falta povo nesse conselho curador com quatro membros do governo e um punhado de notáveis? Como montar uma instância que se volta à sociedade civil, mas não tem um único representante de entidade popular, nenhum movimento social sequer?
O que aconteceria se nós fizéssemos um conselho com as entidades? Primeiro, haveria sempre imensas insatisfações, porque nem todas estariam representadas…


 


Mas a insatisfação das entidades — que podia ser imensa — é generalizada.
Para incluir as entidades, teria de ser um conselho gigantesco: as centrais sindicais, os movimentos sociais, as associações disso e daquilo… São tantas as corporações que não poderíamos colocá-las todas lá. O conselho correria o risco de não ser operante. Para incorporar por organizações, por entidades, ia ficar muito complicado.


 


Optamos por um modelo em que indivíduos, vinculados ou não a entidades, tenham grande expressão, respeito, credibilidade, autoridade intelectual ou existencial. Olhe a Maria da Penha, que não é intelectual, mas é uma mulher de grande respeito existencial pelo que ela representa para a luta das mulheres. Ela vai estar lá no conselho e tenho certeza de que será muito vigilante em relação à programação que fala da mulher.


 


Aí você põe lá um índio que estará sempre pensando se a nossa programação expressa a contribuição de uma etnia tão importante como a indígena. Achamos mais funcional que fosse dessa forma.


 


Dá para fazer jornalismo atraente e amplo, de qualidade, numa TV Pública?
É possível e nós queremos fazer um bom jornalismo.


 


Como?
Tem de ser um jornalismo sem adjetivos, muito fiel aos fatos e preocupado com a compreensão da realidade. Pode ter um pouco de análise, mas nunca misturando opinião com informação. A TV Brasil vai ter telejornais com aquela freqüência típica das televisões — não um jornalismo em tempo real.


 


Achamos que é possível, mas jornalismo não é o foco da TV Brasil. Ela terá faixas de programação, como todas as emissoras. Serão quatro horas para produções locais das emissoras afiliadas, como a Aperipê. Vai ter um programa infantil, vai ter um telejornal, documentário.


 


O foco da TV Brasil é em educação, em nossa diversidade cultural, em cidadania. Queremos mostrar as expressões da produção audiovisual independente Não vai ter novela, mas pode ter uma minissérie histórica. Em suma, a programação será bem diversificada.


 


A TV Brasil estréia em 2 de dezembro, mas será um projeto em construção. Em quanto tempo você pretende formatar razoavelmente a emissora, a ponto de proclamar cumprida sua missão?
É o maior desafio da minha carreira, e eu espero estar à altura da tarefa que me foi confiada, juntamente a todos os diretores e as diretorias executivas da TV Brasil. Esperamos tornar isso uma realidade. Mas a vida é perigosa, não é? As pessoas falam muito em “ter coragem”. Eu não tenho muita coragem. Eu tenho um pouco de confiança em mim e uma imensa confiança na possibilidade de a TV Pública ser implantada.


 


Na Europa, as emissoras de TV Pública chegam a mais de 40% de audiência — um índice inviável para a TV Brasil a curto e médio prazo. Mas existem metas factíveis de audiência em seus planos?
Não, não, não. Temos preocupação com audiência, mas não meta de audiência.


 


Como a internet pode ajudar a TV Brasil?
Vamos ter um portal de Web. Vamos ter um portal com a relação com a cidadania, para que a sociedade ajude a construir a TV Brasil, dê suas sugestões, opine sobre a nova programação. A TV Brasil vai ser muito interativa, e o sistema digital vai ajudar muito nisso.


 


Você lida bem com críticas a seu trabalho ou à sua pessoa? Como você reage, por exemplo, ao ser atacada pelo Diogo Mainardi?
Não faço comentários sobre esse senhor. Não faço.


 


E com outros críticos?
Crítica é uma coisa, e eu sei lidar com ela. Se você apontar um crítico de respeito, eu faço um comentário.


 


Muitas entidades — especialmente aquelas que lutam para democratizar os meios de comunicação — não apoiaram a indicação de seu nome para presidir a TV Brasil. Na opinião delas, é mais uma representante da família Marinho no governo Lula.
Mas isso é ignorância ou má-fé. Minha trajetória política é tão conhecida… Todo mundo que me acompanhou nos últimos 25 anos sabe do trabalho jornalístico que eu fiz. Nunca fui subserviente nem aos patrões nem às patrulhas externas. Tenho trânsito com todos os partidos. Embora eu venha da esquerda, sou uma pessoa que sempre teve uma postura democrática no meu trabalho. Então isso é uma bobagem, uma má-fé.


 


As entidades do campo público da comunicação são muito importantes — são interlocutores nossos. Daí a estar no conselho é outra coisa. Eles têm reivindicações a fazer. A ABTU quer uma rede universitária, e não é lá dentro do conselho que vamos discutir isso. O conselho vai acompanhar a TV Brasil.


 


Você chegou a promover, em sua casa, um jantar com Lula e jornalistas de Brasília. Boas intenções à parte, o encontro não melhorou muito relação entre mídia e governo…
Não, não é isso. O jantar foi explorado com muita má-fé — e até por veículos que participaram dele. O evento foi criado à moda do que outros presidentes fizeram. No entanto, eu não sabia que já não se podia fazer as mesmas coisas. Com o Fernando Henrique, podia. Com outros presidentes, podia.


 


Voltando à pergunta, Lula e imprensa tiveram uma relação tensa, um hostilizando o outro.
Melhorou muito, sobretudo depois que o ministro Franklin Martins assumiu.


 


O Jô Soares a convidou algumas vezes ao programa dele, para participar do quadro “Meninas do Jô”. Suas participações não combinavam em quase nada com a histeria anti-Lula, e de repente você sumiu de lá…
Houve um momento em que nem eu estava gostando de minha participação, nem ele. Então, para os dois, foi melhor eu desistir de ir.


 


Mas você pediu para deixar o time ou foi “opção do técnico”?
Não, não. Eu fiz algumas considerações sobre os rumos que estava seguindo aquilo que eu pensava que era um debate público. Ele (Jô) também não estava gostando que eu resistisse àquela linha mais de espetacularização da política. Minha participação encerrou por ali. Sem problemas.