Para Tariq Ali, EUA não conseguirão ''comprar'' Cuba
O historiador e jornalista paquistanês Tariq Ali entende que a diminuição da influência dos Estados Unidos sobre a América Latina só poderá ter conseqüências positivas para o continente. Ele diz que os próximos cinco anos serão decisivos para a região e s
Publicado 08/04/2008 12:25
Veja abaixo entrevista com Ali publicada no sítio Rebelíon:
Você asssegura que a perda de influência dos EUA na América Latina permite a construção de uma alternativa ao neoliberalismo. Como fazer isso?
Creio que trabalhando para que a América Latina possa desenvolver seus próprios interesses, e não os do império. Outra vantagem que se pode obter com essa iniciativa é gerar um coesão regional que permitiria a muitos países um relacionamento com os Estados Unidos de maneira única, e não através de relações bilaterais que os tornam mais vulneráveis ante o poderio estadunidense.
Quais tem sido os esforços dos EUA para controlar a América Latina?
Sem dúvida o golpe de Estado contra Hugo Chávez em 2002. Em seguida decidiram que é melhor se mover em instituições internacionais com políticos que atuem em seu nome.
Você considera que a democracia se consolidou na América Latina?
Sim, sem dúvida. As democracias voltaram mais transparentes, inclusive mais do que na Europa.
Para onde caminha a América Latina?
Creio que os próximos cinco anos serão decisivos. Na atualidade já há um experimento em marcha, que é frágil, mas que marcará a evolução política e econômica do continente americano.
Em que consiste esse experimento?
Trata-se da criação de estruturas sócio-econômicas alheias completamente ao chamado Consenso de Washington, a lista de exigências aplicadas nos anos 90 pelos organismos financeiros internacionais para impulsionar o crescimento na América Latina, cujo resultado foi um fracasso. Por ora, o novo processo social se iniciou na Venezuela, Bolívia e Equador após o triunfo eleitoral de movimentos políticos de esquerda e de um grande espectro social. Outro questão é Cuba, cujo âmbito de problemas é muito diferente aos que têm esses países.
Por quê?
Porque, diferentemente da Venezuela, os EUA consideram que quando Fidel Castro morrer poderá ser feito outra vez o controle da Ilha mediante a injeção de dinheiro. Ou seja, comprando os funcionários e membros do partido, como fizeram na Europa do Leste. E é impossível que o consigam.
Quando você diz que para Washington o caso venezuelano é um problema mais complexo que o cubano, a que se refere?
A grande diferença foi introduzida por Hugo Chávez ao estabelecer uma fluida relação com a China. Isso impediu o isolamento de seu país. Além disso, Chávez rompeu o bloqueio que os EUA impõem a Cuba. Mas Cuba se viu obrigada a iniciar pequenas reformas econômicas porque o sistema bambeava, não era mais viável. Agora mesmo Cuba vê um grande debate sobre se o modelo mais viável pode ser o chinês, ou seja, um sistema de governo baseado num controle estrito do Estado por parte do Partido Comunista com uma liberalização de alguns aspectos da economia. Em minha opinião, isso seria uma tragédia para Cuba.
O experimento chinês provocou tanta desigualdade social?
Sim. A pobreza na China cresceu muito desde que começaram a aplicar as reformas. Os níveis mais baixos da sociedade vivem hoje pior do que há 30 anos.
Qual a melhor opção para o êxito das reformas em Cuba?
O mais adequado parece ser uma abertura política, ou seja, aceitar o pluralismo político, mas com um Estado que conserve o controle de setores mais estratégicos.
Algo similar à Venezuela, onde há eleições, mas o Estado se reserva o controle de seus recursos-chave, como o petróleo?
Sim. Penso que Cuba e Venezuela podem aprender muito um do outro. Por exemplo, os cubanos podem aproveitar como manter um sistema político pluralista e aberto, redigindo uma nova Constituição popular. Enquanto que os venezuelanos podem se instruir sobre como desenvolver um processo político com uma dimensão socialista.
Mas, diferentemente de Fidel Castro, Hugo Chávez não foi guerrilheiro e não goza de sua reputação.
A diferença é o cenário político em que os dois emergiram. Fidel o fez em meio a um espaço tomado de ditaduras financiadas pelos EUA. Chávez surgiu em um período em que a hegemonia inquestionável é o neoliberalismo.
Que papel estão tendo os meios de comunicação nas mudanças que você descreve?
Na Venezuela, diferentemente dos EUA ou da Europa, os meios de comunicação são contra qualquer mudança social. E não hesitam em acusar Chávez de aspirante a ditador, esquecendo seus triunfos eleitorais e omitindo que apoiaram o golpe de Estado de 2002.
Tradução: Fernando Damasceno
Fonte: Rebelión