Eleições na Itália: Walter Veltroni, o “Homo democraticus”
O palanque já foi instalado, a tribuna e os microfones estão prontos. Alguns simpatizantes já estão gritando seu nome. Olhando pela janela, ainda sentado no ônibus, Walter Veltroni os contempla por um momento, com um olhar vago. Em que estaria pensando o
Publicado 12/04/2008 18:12
Ele emite um ligeiro suspiro, e então levanta da poltrona. Ele ainda faz mais uma pausa antes de descer, o tempo necessário para ajustar a lapela do seu terno e preparar o seu sorriso. Aqui está ele, agora parado na porta do ônibus. Ele sorri, ele cumprimenta. De repente, a multidão é tomada por um frenesi. “Wal-ter! Wal-ter!”
Desta forma, o líder do centro-esquerda terá percorrido as 110 províncias da Itália, no decorrer de uma maratona efetuada dentro de um ônibus verde, até as eleições legislativas que serão realizadas nos dias 13 e 14 de abril. Distante dos efeitos de oratória, das camisas abertas e das anedotas mais ou menos refinadas do seu adversário, o orador profissional e “animal de palanque” Silvio Berlusconi.
O estilo Veltroni é modesto: terno e gravata de dominante escura e sóbria, óculos de intelectual, a voz firme e de enunciado claro, o rosto redondo, o humor ponderado, o sorriso raro. Ele se empolga apenas quando isso se revela necessário para envolver a multidão. Ele aprecia uma polêmica envolvendo seus concorrentes, mas sem nunca citar o nome do “candidato do campo adversário”, ao qual ele se refere por meio de perífrases.
Os italianos grudaram em Walter Veltroni uma etiqueta com um adjetivo: “Buonista”. Movido pela boa vontade. “A bondade erigida numa ideologia”, interpreta Gaetano Quagliariello, um membro da assessoria de Berlusconi. De Veltroni, dizem também: “É uma mão de ferro dentro de uma luva de veludo”. Em outras palavras: estão desconfiados do “buonista”.
No decorrer dos sete anos em que ele esteve no comando da prefeitura de Roma, um cargo do qual ele saiu fortalecido por ter sido capaz de devolver uma energia espetacular à “cidade eterna” adormecida, o buonista havia jurado que ele se afastaria da política. Que depois de dois mandatos em Roma, o seu destino não mais se desenrolaria na Itália, mas sim na África, em prol de uma causa humanitária. A África terá de esperar. “O meu programa de vida permanece o mesmo”, confessa Walter Veltroni durante uma parada do seu ônibus de campanha. “Eu não quero envelhecer fazendo política. Tive de prosseguir neste caminho porque o meu sonho tornou-se realidade: a fundação do grande Partido Democrata (PD)”.
Em 14 de outubro de 2007, 3,5 milhões de cidadãos escolheram Walter Veltroni para dirigir este novo partido, nascido da fusão dos Democratas de Esquerda (ex-comunistas) com a Margarida (ex-Partido Democrata-Cristão, de esquerda). O novo herói que suscita a empolgação popular é um animal político de um tipo muito diferente para a Itália: um Homo democraticus que define o seu partido como não sendo “de esquerda, mas sim reformista, de centro-esquerda”, que mais se aproxima do modelo americano ou da “terceira via” encampada por Tony Blair, e nem tanto do socialismo europeu: “Um Partido Democrata americano à italiana”.
Ao eliminar os pequenos partidos da esquerda radical, Walter Veltroni provocou este que veio a ser um verdadeiro terremoto na política italiana. Ele pôs fim à aliança impossível de administrar dos doze partidos de esquerda que havia precipitado a queda de Romano Prodi, o chefe do governo em final de mandato; ele também obrigou Silvio Berlusconi a reduzir, por sua vez, as suas alianças à direita. E com isso, Veltroni desenhou os contornos de um bipartidarismo que reúne as condições para tornar o país governável.
A sua habilidade política é fruto de uma extensa trajetória. Ele formou-se na melhor das universidades, no Partido Comunista Italiano (PCI), ao qual ele aderiu quando ainda era um colegial, uma decisão que ele tomou incentivado pela indignação coletiva contra a guerra do Vietnã, antes de prosseguir uma carreira na hierarquia do partido. O seu destino é estreitamente entrelaçado com o do seu rival de sempre e irmão inimigo, Massimo D'Alema, um ex-presidente do conselho e ministro das relações exteriores do atual governo em final de mandato. Os dois dirigiram em épocas diferentes o “L'Unita” (o jornal diário do partido), promoveram a transformação progressiva do PCI, e foram ministros nos diferentes governos de Romano Prodi. Na quarta-feira, 9 de abril, em Nápoles, eles apareceram juntos no palanque, fortemente unidos na campanha. Mas, entre D'Alema, o comunista rigoroso que optou por aderir ao socialismo europeu, e Veltroni, o especialista em comunicação, atraído pela democracia americana, o entendimento verdadeiro sempre foi muito difícil de ser instaurado.
Para Walter Veltroni, a política não pode ser posta em prática sem a imagem. No colégio, ele se especializa em técnicas do cinema e da comunicação. “Ele é diplomado em ficção”, adora ironizar Silvio Berlusconi. Encarregado da comunicação no Partido, Veltroni aprende a tornar-se aquele grande comunicador que, uma vez eleito chefe do Partido Democrata, inaugurará um novo conceito na elaboração das imagens que cercam os comícios: ele posa diante de uma paisagem da Umbria, ambientado no verde campo italiano, longe das cenografias tradicionais da esquerda, sempre carregadas de praças monumentais, bandeiras e música. A isso, ele acrescenta um semblante de “força tranqüila” que não deixa de lembrar o estilo do ex-presidente francês François Mitterrand…
A verdadeira paixão de Veltroni é o cinema. “Era a única coisa que o cativava mais do que as manifestações contra a guerra no Vietnã”, recorda-se o seu amigo de infância e atual porta-voz, Roberto Roscani. Obcecado pela memória do seu pai, que morreu quando ele tinha 1 ano e que havia sido uma figura de destaque na RAI (a televisão pública), na qual ele havia dirigido o primeiro jornal televisivo, o jovem Walter gosta de passar seu tempo, sempre quando possível, no escurinho das salas de Roma.
Quando diretor do “L'Unita”, este comunista atípico fora o primeiro a inventar os famosos “produtos adicionais”, esses brindes culturais que os veículos atualmente adoram acoplar à sua própria publicação: junto com o jornal, fitas cassetes de filme. No imaginário dos ex-comunistas italianos, filmes como “Sem Destino” (“Easy Rider”, 1969), de Dennis Hopper, “Zabriskie Point” (1970), de Michelangelo Antonioni, ou “Sindicato de Ladrões” (1954), de Elia Kazan, são intimamente associados a “L'Unita” dirigido por Walter Veltroni.
Existe um outro aspecto um pouco estranho do Homo democraticus: o seu ecletismo. Casado e pai de duas filhas, Walter Veltroni se interessa por tudo. Pela política, o cinema, a América, a música pop, a literatura, a África. Ele escreveu um livro sobre Robert Kennedy, um prefácio para uma biografia de Barack Obama, ensaios políticos, um diário de viagem na África, romances e novelas… “Veltroni é popular porque ele constitui uma mistura”, analisa Ezio Mauro, o diretor do diário de centro-esquerda “La Repubblica”. “Ele é formado na escola da política, mas o seu discurso é diferente daquele de um profissional da política; ele é oriundo da esquerda, mas está construindo um partido que não se dirige apenas às pessoas de esquerda”.
O que vem a ser o Partido Democrata? Um humorista popular, Crozza, ironiza a respeito da sua mania do “mas, também…” que sempre tempera as suas afirmações. Por exemplo, Walter Veltroni se diz próximo aos socialistas franceses, inclusive ao seu amigo Bertrand Delanoë (o recém reeleito prefeito de Paris), que veio lhe dar o seu apoio em alguns comícios. Mas, ele se recusa também a integrar a Internacional Socialista: “Para que nós possamos nos associar aos seus quadros”, diz, “seria necessário que a Internacional Socialista mude o seu nome, pare de se trancafiar dentro de uma ideologia, amplie o seu leque de opções ideológicas. Como imaginar uma instituição democrata sem a participação dos Estados Unidos?”
Na Itália de esquerda, o Homo democraticus à americana não raro deixa muita gente desnorteada.
Tradução: Jean-Yves de Neufville
Fonte: Le Monde