Filme chileno reabre feridas da era Pinochet
Bem recebido pelo público, Specials Circimstances traz a saga de Héctor Salgado, torturado na ditadura de Pinochet. Em 1973, Augusto Pinochet Ugarte, então comandante-chefe das Forças Armadas chilenas, liderou um golpe de Estado que depôs o então
Publicado 12/04/2008 19:25
Um dos exilados foi Héctor Salgado, preso em 1973, aos 16 anos. Salgado, que roubou junto com amigos estudantes um punhado de dinamites pertencente ao partido de direita Pátria e Liberdade e repassou aos resistentes, foi torturado pela Marinha e ficou preso por três anos e, em seguida, partiu para o exílio nos Estados Unidos.
O documentário Specials Circumstances, exibido na sexta (11) no Cine Ceará, acompanha a saga de Héctor na busca de reencontrar seus torturadores e fazer-lhes uma pergunta: “por que vocês fizeram aquilo?” No início, Héctor busca o diálogo e tem esperanças de que eles irão falar, mas, no decorrer do filme, percebe que não há espaço para conversa e assume o compromisso de expor os generais e tenentes que construíram a ditadura.
A identificação do público no Centro Cultural Sesc Luiz Severiano com a temática do filme foi grande – talvez porque os brasileiros conhecem as atrocidades de uma ditadura. Por um minuto, o filme foi aplaudido efusivamente pelos espectadores. A diretora Marianne Teleki imaginava que haveria boa recepção: “Na verdade, não me surpreendi muito com a reação do público, pois muitos se conectam com a história de Héctor. Fiquei muito contente, tanto que liguei para ele após a sessão e contei que a sala estava cheia”. Com menos holofotes que na abertura do festival na quinta-feira, Specials Circumstances foi visto por cerca de 700 pessoas.
Câmera confronta torturadores
Com Héctor na tela, um câmera, um técnico de som e um carro na retaguarda caso fosse preciso escapar rapidamente, a equipe foi em busca dos militares que participaram do julgamento, em 73, que condenou o protagonista e seu grupo de quatro amigos, dois deles à morte. Estreeante na direção, Marianne partiu de um documento da Marinha que registrou o julgamento e seus participantes, obtido junto à Igreja.
As respostas dos militares no filme são parecidas: “não era minha função”, “não sabia de nada”, “lamento”, não quero falar sobre o assunto”. A equipe teve de usar a astúcia para chegar a alguns entrevistados – em um das saídas, a diretora, fingindo ser uma moradora, interfonou para o apartamento do entrevistado e pediu para que ele abrisse o portão, pois havia esquecido a chave. Ao subir no apartamento e explicar que faziam um documentário, as respostas foram “não me lembro nada do assunto” e “não tenho o menor interesse em falar sobre isso”.
Usando Héctor como um exemplo entre milhares de chileno, o filme acompanha sua mudança de comportamento. No início, ele evitou filmar os militares, pois não queria assustá-los, apenas dialogar. Ao ouvir as respostas mais despretensiosas às suas questões, Héctor toma uma postura mais ativa e aborda, com câmera na mão, os militares.
O filme, que demorou seis anos para ser realizado, está na mostra competitiva de longas-metragens e disputa o Troféu Mucuripe e prêmio de R$ 10 mil. Além do Cine Ceará, Specials Circumstances foi exibido no É Tudo Verdade – 13° Festival de Documentários (São Paulo), Festival de Viña Del Mar (Chile), Los Angeles Latino Film Festival (EUA), entre outros.
Projeção prejudica apreciação do filme
Público, crítica e cineastas têm reclamado dos problemas nas projeções. Foi praticamente impossível entender as músicas e os diálogos de Nossa Vida Não Cabe num Opala, filme que abriu o Cine Ceará. O som estava deturpado e piorou ainda mais quando o diretor Reinaldo Pinheiro pediu para aumentá-lo.
Na projeção de Vete de Mí, filme espanhol exibido logo após a Specials Circumstances, não havia foco, o que prejudicou a apreciação principalmente por se tratar de um filme mais intimista, centrado na relação entre pai e filho. Cenas que trabalharam a profundidade de campo (personagem no primeiro plano desfocado e atenção no que está atrás) foram prejudicadas.
O calor é mais um ingrediente do desconforto. Aberto há 60 anos, o Centro Cultural Sesc Luiz Severiano conserva a beleza dos cinemas clássicos, mas a ausência de ventilação é um dos incômodos.