Patativa do Assaré: Minha Viola

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Minha viola querida,


Certa vez, na minha vida,


De alma triste e dolorida


Resolvi te abandonar.


Porém, sem as notas belas


De tuas cordas singelas,


Vi meu fardo de mazelas


Cada vez mais aumentar.


 


Vaguei sem achar encosto,


Correu-me o pranto no rosto,


O pesadelo, o desgosto,


E outros martírios sem fim


Me faziam, com surpresa,


Ingratidão, aspereza,


E o fantasma da tristeza


Chorava junto de mim.


 


Voltei desapercebido,


Sem ilusão, sem sentido,


Humilhado e arrependido,


Para te pedir perdão,


Pois tu és a jóia santa


Que me prende, que me encanta


E aplaca a dor que quebranta


O trovador do sertão.


 


Sei que, com tua harmonia,


Não componho a fantasia


Da profunda poesia


Do poeta literato,


Porém, o verso na mente


Me brota constantemente,


Como as águas da nascente


Do pé da serra do Crato.


 


Viola, minha viola,


Minha verdadeira escola,


Que me ensina e me consola,


Neste mundo de meu Deus.


Se és a estrela do meu norte,


E o prazer da minha sorte,


Na hora da minha morte,


Como será nosso adeus?


 


Meu predileto instrumento,


Será grande o sofrimento,


Quando chegar o momento


De tudo se esvaicer,


Inspiração, verso e rima.


Irei viver lá em cima,


Tu ficas com tua prima,


Cá na terra, a padecer.


 


Porém, se na eternidade,


A gente tem liberdade


De também sentir saudade,


Será grande a minha dor,


Por saber que, nesta vida,


Minha viola querida


Há de passar constrangida


Às mãos de outro cantor.