Cobiça do agronegócio na Raposa Serra do Sol
Por trás do discurso que vê um risco à soberania brasileira no caso da demarcação contínua da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, há quem perceba outros interesses. O principal deles seria a expansão do agronegócio brasileiro sobre a última
Publicado 05/06/2008 19:32
O pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa), Ciro Campos, que é mestre em ecologia e atualmente trabalha em Roraima no projeto sobre manejo dos recursos naturais das savanas, diz que no local já existe plantio experimental de cana-de-açucar voltado para uma possível produção de etanol na região, os primeiros resultados são promissores.
Embora seja uma região onde a maioria da área requer forte adubação devido a acidez do solo, Campos diz que a produtividade é muita alta. Chega-se a produzir na região 6 mil toneladas de arroz por hectare, quantidade que só é alcançada no Rio Grande do Sul (RS) no momento de pico. Devido o regime climático diferente de outras regiões, outra vantagem é que se consegue produzir de duas a três safras por ano, inclusive na entressafra quando há escassez do produto no mercado.
Ciro Campos diz que o governador de Roraima, José Anchieta Jr., principal entusiasta do agronegócio, aposta numa decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) favorável ao fim da demarcação contínua da reserva para promover a expansão do plantio. Para isso, o governo já instituiu políticas de incentivos fiscais e lei de acesso à terra favoráveis a esse ambiente.
“O alvo da cobiça é a região dos campos naturais, bola da vez para (o plantio) a cana, arroz, soja e celulose, bem à porta do mercado consumidor venezuelano e sem as restrições ao plantio na floresta”, diz o pesquisador para quem o cenário já foi armado. “Existe o comprador lá fora, empresário interessado e o poder público com incentivos oficiais”, lembrou. Mais da metade da área de 4,3 milhões de hectares pertence as reservas indígenas Raposa Serra do Sol e São Marcos.
Além da Venezuela, Ciro Campos diz que a Guiana é forte interessado nas commodities agrícolas vindas de Roraima, principalmente pela condição de logística favorável, ou seja, proximidade geográfica e ligação por estradas asfaltadas.
Desastre ecológico
O pesquisador alega que caso isso ocorra no mesmo molde do que foi feito no Mato Grosso, modelo defendido pelo governo local, as conseqüências para o meio ambiente seriam catastróficas. Observada por satélite, a região de savana possui uma densa rede de rios e lagos que seria prejudicada com a chegada da monocultura.
“Pensando na Raposa Serra do Sol, o impacto dos produtores de arroz não pode ser negligenciado. Mesmo ocupando menos de 2% da área, o impacto dos seis produtores de arroz sobre os recursos aquáticos acaba sendo exportado para uma área bem maior, e os índios há muito reclamam que a aplicação de veneno por aviões prejudica a pesca, reduz a caça e causa morte de pássaros”, diz o pesquisador.
Não é à toa, segundo ele, que o Ministério do Meio Ambiente (MMA) considera a área das savanas de Roraima prioritária para a conservação da biodiversidade na região, sobretudo por causa dos recursos hídricos.
Questão fundiária
Segundo o pesquisador, a questão fundiária é o único obstáculo a ser resolvido para que o governo de Roraima incremente a expansão agrícola nas savanas. Diante da resolução do Banco Central (BC) que impede a liberação de créditos agrícolas para quem prejudica o meio ambiente, o pesquisador diz que já há uma articulação do governador Anchieta para que as savanas sejam consideradas uma bioma fora da floresta. “Isso é difícil porque tecnicamente as savanas não são parte do cerrado brasileiro”, explicou Campos.
Outra preocupação do pesquisador é o anúncio do governo federal sinalizando que fará o repasse das terras da União para os estados, conforme estabeleceu a Constituinte de 1988. “Uma vez que o governo vai ter realmente o controle sobre as terras aí ele pode impor a política fundiária que achar mais interessante, com certeza ligada ao desenvolvimento de grandes culturas que pode ser o arroz, soja e cana”, adverte.
Em recente palestra, o governador de Roraima, José de Anchieta Júnior (PSDB), afirmou que a demarcação contínua da reserva indígena Raposa Serra do Sol interessa às grandes potências que agem na Amazônia por meio de organizações não-governamentais (ONGS). Na mesma linha, o general Augusto Heleno, comandante militar da Amazônia, criticou a política indigenista do governo e disse que “o vazio” na região é um problema para a soberania.
De Brasília,
Iram Alfaia