Neoliberalismo e preservação ambiental: a impossível conciliação

Sempre que o homem transformou a natureza houve prejuízos ao ambiente natural. As pirâmides do Egito utiliza­ram quantidade formidável de pedras, extraídas das regiões próximas, modificando consideravelmente o bioma antes existente.

O solo da Babilônia foi exaurido pela cultura de arroz. Vários povos já utilizavam barragens para irrigação em solos pouco férteis. Os rios da Europa desde a Idade Média sofreram com a contaminação por curtu­mes e dejetos urbanos, e as cidades da época eram mal-cheirosas, insalubres e contaminadas. Mas foi a partir da revolução industrial que o mundo conheceu a poluição industrial.


 


E no Brasil, o desmatamento tem seu início com a chegada dos colonizadores portugueses, que quase extinguiram o pau-brasil de nosso litoral. No Rio de Janeiro imperial a cidade sofreu com a falta de abastecimento de água, a ponto de D Pedro II ser obrigado a desapropriar terras na região de nascentes da hoje Floresta da Tijuca, assoreadas e poluídas por chácaras e criadores de suínos.


 


As guerras sempre tiveram efeito devastador sobre a natureza, mesmo funcionando como elemento de controle populacional. As primeiras experiências atômi­cas, porém, tiveram não só o efeito de arrasar as regiões atingidas, mas também o de provocar mudanças genéticas nos seres vivos por várias gerações. Acidentes atômicos ocorridos no pós-guerra tiveram o mesmo efeito devastador em homens, plantas e animais. O uso de napalm na guerra do Vietnam comprometeu grande parte da área agricultável do país.


 


A revolução verde, ocorrida a partir da década de 70 no mundo todo provocou outro tipo de poluição. O uso de agrotóxicos e fertilizantes químicos transformou terras pouco produtivas em férteis e com produção abundante, mas por pouco tempo. Em contrapartida, trouxe a contaminação nos alimentos, o fortalecimento de pragas antes controladas de forma biológica e o empobrecimento do solo. A monocultura decorrente do latifúndio completou o quadro, com a desertificação de vastas áreas no planeta, uma vez que terras impróprias para a agricultura foram transformadas, com o uso de insumos químicos, em campos de plantações. Por dez ou doze colheitas.


 


Depois, a terra torna-se imprópria para a agricultura, advindo a erosão, mudanças climáticas e alterações profundas na fauna e flora locais. Mas talvez o efeito mais perverso do agronegócio seja a substituição da agricultura voltada para a alimentação pela agricultura para exportação, notadamente de oleaginosas, cana-de-açúcar e matéria prima para celulose e carvão. Para completar, o uso indiscriminado de sementes transgênicas para a agricultura, além de encarecer os alimentos (uma vez que paga royaltes a cada semeadura), contamina igualmente o solo. Os efeitos da alimentação a base de produtos transgênicos ainda não são conhecidos.


 


A plantação de árvores exóticas no Brasil tem mais de cem anos. Inicialmente o eucalipto foi plantado em áreas alagadiças a fim de permitir seu uso para outros fins, devido ao grande consumo de água que necessita (de 30 a 50 litros por dia), usado para moirões e lenha. A partir da década de 70 inicia-se o uso do eucalipto para a fabricação da pasta de celulose.


 


O processo de fabricação da pasta está entre os mais poluentes da indústria. Além de consumir grande quantidade de nutrientes e água, inviabiliza qualquer outra cultura durante ou após (cerca de 30 anos) seu plantio. Os únicos animais que conseguem coexistir com o eucalipto são cupins, caturritas e aranhas.


 


Uma área de 50 ha, usada na agricultura familiar sustenta economicamente uma família de quatro ou cinco pessoas anualmente produzindo alimentos para cerca de 50 pessoas. Com eucaliptos, ocupa, no primeiro ano, um trabalhador. Entre o segundo e o sétimo ano um único trabalhador dá conta de uma área de 1.000 ha, unicamente para aplicação de fertilizantes. No sétimo ano, um trabalhador, operando máquinas de corte, trabalha cerca de 500 ha. A pasta de celulose é processada em empresas nem sempre próximas da região de plantio; depois do processamento vem o processo de clareamento, a base de cloro.


 


A paasta, depois de pronta para ser transformada em produto final, é exportada. Esta situação ocorre hoje na África no Brasil e no Uruguai. Atualmente, o Brasil possui 5,3 milhões de ha plantados com eucalipto. As empresas planejam ainda ampliar esta área em mais 2,6 milhões de ha. No RS, de 2003 a 2006 as empresas já adquiriram 360 mil ha, e projetam chegar a um milhão de ha até 2015. Parte destas áreas foi adquirida junto às fronteiras, o que é ilegal, em terras acima do Aqüífero Guarani e na região do bioma Pampa. O lucro líquido de uma única papeleira no ano passado, a Aracruz Celulose foi de 1,149 bilhões!


 


A produção de biodíesel e do combustível a base de etanol tem duas faces: É um avanço para o ambiente, por se tratar de energia renovável, muito menos poluente em emissão de resíduos gasosos e não possui efeitos teratogênicos por não ter, em sua composição, os compostos orgânicos cancerígenos presentes no petróleo. Ao mesmo tempo, se as culturas próprias para a produção de combustíveis forem voltadas para exportação, em larga escala, com o uso indiscriminado de fertilizantes químicos e agrotóxicos, sérios problemas virão.


 


Como o empobrecimento e contaminação do solo, o agravamento das mazelas sociais causadas pelo êxodo rural, e a alta nos preços dos alimentos, uma vez que para o capital, o lucro é o motivo principal. A solução para este problema, mais uma vez, seria a tão falada e pouco efetivada reforma agrária e o aumento dos módulos de agricultura familiar, de forma que na mesma terra sejam produzidos alimentos e culturas para a produção de combustível.


 


Esta situação toda não passou despercebida nem mesmo aos olhos do capital. Ciente que a luta pela preservação ambiental pode se transformar em ferramenta valiosíssima contra o sistema econômico vigente, o sistema encampou, com relativo sucesso, o discurso ambientalista. Mesmo cumprindo, em certa medida, a função de denúncia e de promover algumas medidas protetivas à natureza, este modo de luta se torna inócuo por estar descolado do enfrentamento ao modelo econômico e social que o mundo vive hoje. Seria cômico, não fosse trágico, ver as transnacionais poluidoras investindo em publicidade… Defendendo a natureza! Assim como o discurso dos “verdes” que não tocam no centro do problema: Consumo, lucro e exploração.


 


A simples luta pela preservação, se não lincada à luta pelo socialismo, por outro modo de produção, pela diminuição do consumo, pelo fim do latifúndio, terá o mesmo efeito do perfume antes do banho. Sem esquecer que a miséria que degrada o homem é também uma maiores responsáveis pela degradação ambiental. Se bem entendida e com objetivos claros e definidos, e luta ambiental é uma das que mais afrontam o capitalismo, por seu enfrentamento direto ao lucro, à exploração, ao consumo desenfreado sobre o que se sustenta a sociedade neoliberal. Não é a toa que o capital investe na área.


 


O problema, portanto, não é “cada um fazer a sua parte” e ter a sensação de dever cumprido. Não basta reciclar o próprio lixo, embora seja impensável não fazê-lo. Não basta economizar água no banho, mas manter-se alheio aos debates nacionais e internacionais. A luta ambiental não acontece isolada, não é individual. Só funcionará se, ao lado da indispensável mudança de atitudes individuais, houver um comprometimento coletivo com a construção de uma nova sociedade.


 


Regina Abrahão
Semapi-RS