Para conter preços, governo pode zerar taxas de importação
Para controlar a inflação, o governo poderá zerar as alíquotas de importação em setores onde constatar um aumento excessivo de preços. Segundo o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge, aumentar os juros é um remédio cláss
Publicado 05/06/2008 10:43
Miguel Jorge disse que as áreas técnicas de sua pasta e do ministério da Fazenda vão fazer um cruzamento de dados para identificar “gargalos”que possam estar provocando aumento do custo das indústrias. Para ele, há um componente especulativo na alta dos preços dos alimentos no mercado.
O ministro acredita que os investimentos no setor produtivo não vão diminuir, mesmo com o aumento da taxa Selic, isso graças aos benefícios fiscais da recém-lançada Política Industrial. Ele rebateu as críticas de que 50% dos recursos do pacote para a indústria tenham beneficiado o setor automobilístico. E enfatizou: o setor vai receber R$ 3 bilhões em incentivos e estará investindo R$ 20 bilhões nos próximos três anos.
O crescimento das importações não preocupa o governo, uma vez que o item de maior importância é o de bens de capital, que vem contribuindo para modernizar o setor produtivo e a crescer no momento em que a maior parte das indústrias estão com 90% da capacidade produtiva ocupada.
O atual patamar de valorização do câmbio não tira a competitividade e, ao contrário do que os analistas sustentam, não vem provocando uma “desindustrialização” do país, segundo Miguel Jorge. Veja abaixo trechos da entrevista concedida pelo ministro à Agência Brasil:
O presidente Lula pediu ao senhor e ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, para analisar que medidas podem ser adotadas no combate a inflação?
Ao invés de fazer uma conversa com o ministro Mantega, eu pedi para os nossos secretários que se encontrassem com os secretários da Fazenda, para que eles possam cruzar as informações sobre eventuais gargalos que estejam pressionando a inflação e, para que, eventualmente, se tomem medidas em relação aos gargalos.
Que medidas?
Medidas clássicas, já que nós falamos em taxa de juros como medida clássica, como redução de tarifas de importação. Se você notar que em algum setor está havendo um aumento indevido, excessivo de preços, que possa estar influenciando o custo das empresas, obrigando a elevarem seus preços, causando mais inflação, certamente você tem que zerar a alíquotas de importação. É uma medida que nós podemos tomar.
Com o último dado de aumento de 10,5% na produção industrial fica muito difícil dizer que a elevação dos preços é provocada pelo crescimento do consumo. Que outros elementos estão alimentando a inflação? Há especulação?
Há especulação. Isso já é conhecido. O presidente Lula já falou isso. Se você tirar o aumento dos preços dos alimentos da inflação, verá que mais da metade da nova inflação é de alimentos. Com o enxugamento da liquidez no mundo, os grandes fundos e os especuladores começaram a ir para os mercados de commodities, causando aumento nos preços dos alimentos. É verdade que há um aumento no consumo de alimentos em vários países e de consumo do milho para etanol nos Estados Unidos.
Ao elevar a taxa de juros, o Banco Central não passa um sinal ao empresário de que o custo do investimento vai ficar mais caro?
Realmente isso é uma conseqüência óbvia do processo do aumento dos juros. Uma das coisas que minimizará este efeito é o fato de termos lançado a política de desenvolvimento produtivo, que faz com que se facilite o investimento. O BNDES, ao passar o financiamento de uma máquina de cinco para dez anos, ou ao acelerar muito a depreciação de um equipamento, que hoje pode ser feito em um ano e não mais em cinco, está promovendo o investimento sem que você tenha efeitos no consumo. Pode ter um efeito importante na redução do consumo o aumento dos juros, mas os investimentos serão afetados positivamente pelos efeitos da Política de Desenvolvimento Produtivo.
Analistas do mercado apontam o setor automotivo como o principal beneficiado pelas medidas da política de desenvolvimento produtivo, em um momento que a ampliação das frotas de veículos estão agravando os problemas de trânsito das grandes cidades. Além disso, o setor não tem condições de andar com as próprias pernas?
Certos analistas fizeram uma leitura apressada e irresponsável da medida e saíram falando bobagem, quando disseram que a indústria automobilística receberia 50% das desonerações fiscais. Isso é uma deslavada mentira. As desonerações estão em R$ 24 bilhões e a indústria automobilística está recebendo R$ 3 bilhões do total. Isso significa 12%, não 50%.
As indústrias operando com 90% de sua capacidade, mas a incorporação de mais 20 milhões no mercado consumidor, o senhor acha as políticas de estimulo a produção do seu ministério vão produzir efeito a tempo de evitar uma inflação maior?
No caso da inflação industrial, sim. Agora temos que pensar que uma boa parte da inflação está nos alimentos. Fizemos a liberação, a pedido do ministro Reinhold Stephanes, das alíquotas de importação do trigo, reduzindo o custo dos impostos da Marinha Mercante, para importar trigo do Canadá e dos Estados Unidos a preços competitivos. Aí, temos um paradoxo: o pãozinho está subindo muito e o preço do automóvel, cuja venda cresceu 30%, não está subindo. O aumento dos automóveis no último ano foi de 2,5%.
E a reforma tributária não poderia ajudar na redução dos custos das empresas?
A reforma tributária está no Congresso Nacional, e espero que o deputado Antônio Palocci tenha razão de que a gente consiga aprová-la até o final do ano. Temos que avançar mais. As tentativas anteriores não foram adiante porque eram mais profundas do que esta e tiveram resistência. Agora temos uma reforma que é possível. A resistência a uma reforma mais profunda não veio dos setores produtivos. Veio dos governos estaduais e municipais.
Para os setores industriais e comerciais, reduzir imposto pode ser uma saída para ganhos de produtividade e competitividade?
Nós temos uma confusão na legislação brasileira. Hoje, nas empresas você tem áreas só para tratar dos tributos, para preencher papel e planilhas de computadores. Agora, você tem de outro lado um peso excessivo dos impostos sobre a produção, quando deveria ser maior sobre o consumo. Acredito que deveríamos, a partir do momento que o país tem um crescimento sustentável, é o que dizemos que tem, pensar em duas coisas: em reduzir os gastos públicos e mantê-los sob controle, é o que está sendo feito, e reduzir a carga tributária. Nós aumentamos muito a carga tributária quando tivemos que cobrar mais impostos em uma época em que não tínhamos tanta produção para que cobríssemos os gastos públicos.
E o câmbio? O aquecimento da economia está elevando as importações, embora as exportações venham sendo sustentadas pelos preços das commodities no mercado externo.
Não vejo muita possibilidade de queda dos preços. Nós continuaremos exportando bem. Acho que a decisão da Comunidade Econômica Européia vai contribuir para elevação das exportações de carne. Alguns países estão abrindo novos mercados para carnes de frango e suínos. Veja bem, os 10% de crescimento industrial devem-se, em parte, ao aumento da importação de bens de capital que continua crescendo.
Como o senhor vê a análise de que o câmbio está contribuindo para desindustrializar a indústria brasileira?
Quando o setor de bens de capital, que é o ícone da industrialização de um país, por ser a indústria que faz máquinas, aumentando quase 40% de suas importações no quadrimestre, não consigo ver onde está ocorrendo a desindustrialização. Quando crescemos 10% em termos industriais não consigo ver a desindustrialização. Se nós não tivéssemos este volume de importação de bens de capital, a indústria, certamente, não teria crescido.
O Brasil pode abrir ainda mais a economia? Há espaço para reduzir alíquotas de importação?
Nossa economia ainda é muito fechada. Nós temos que abrir desde que tenhamos aberturas em outros países. No caso dos produtos agrícolas, temos alíquotas importantes, mas temos que usá-las para abertura de mercado.
Em que setores as alíquotas estão elevadas?
Tem vários [setores] com alíquotas elevadas. O setor automobilístico tem 35%. Agora, por que vamos reduzir à toa? Vamos negociar. É o que está fazendo o país nos fóruns internacionais. Reduzir as alíquotas do Brasil desde que eles abram para os produtos agrícolas. Você não consegue exportar etanol para Europa, não consegue exportar carne para Europa. Por que vamos ser bonzinhos? Não. Sempre foi assim, uma troca. Você dá e recebe. Desde que os Fenícios, meus patrícios, começaram a negociar, há dez mil anos, é assim.
Alguns economistas dizem que não dá para crescer neste ritmo sem gerar inflação?
Um crescimento por volta de 5% do PIB é fundamental ao país. Veja que 20 milhões de pessoas saíram das classes D e E para as classes B e C, portanto, passaram a comer mais, passaram a comprar um liquidificador, uma geladeira. Quando os economistas dizem que não podemos crescer e temos que tomar cuidado com a inflação, claro que temos que tomar cuidado com a inflação, por atingir exatamente estas pessoas. O pior para o pobre é a inflação. O pobre aplica o dinheiro dele em comida. Quando a comida sobre a aplicação dele está dando juro negativo, eles deveriam pensar que, se crescer 5% do PIB, novos 20 milhões serão agregados ao consumo.