J. Sampaio – Trabalho de criança: Um velho fantasma e suas novas roupagens (I)

José Jackson Coelho Sampaio

Cleide Carneiro


Erasmo Miessa Ruiz


Ana Carla Carvalho Magalhães

1. Introdução
    


Parte significativa dos mal estares contemporâneos configura-se nos conflitos entre possibilidades e expectativas, identidades pessoais e políticas e possibilidades de inserção das crianças e dos idosos, por exemplo, nas instâncias de socialização. Os ideais ideológicos parecem estar concentrados no ser humano ocidental, branco, adulto, trabalhando no circuito de serviços simbólicos, com cartão de crédito e poder de endividamento. Fora disso, infelicidade e exclusão.


    


A identidade política é dada pela classe social, nos estamentos previstos; pela inserção no campo do trabalho, como produtor de bens e valores; ou pela inserção no campo da reprodução social, como consumidores. A práxis social das leis indica que a última alternativa constitui o pólo hegemônico de realização e a legislação mais utilizada, para amparar, defender e promover é, hoje, pelo menos no Brasil, o Estatuto do Consumidor. O Estatuto da Criança e do Adolescente e o Estatuto do Idoso são apropriados por segmentos idealistas da sociedade, mas permanentemente postos em crise de credibilidade. A criança e o idoso estão fora da margem idealizada, sobretudo fora da produção, e se também estiverem fora dos estamentos privilegiados, talvez, a defendê-los, reste apenas o papel de consumidores de amparo social, por meio do terceiro setor, ou de planos de saúde e de medicamentos.


    


Aquele homem, dos Direitos do Homem, é do sexo masculino, adulto, trabalhador, consumidor. E nós aqui a discutir criança e a dignidade do não trabalho, a discutir a responsabilidade do Estado e da Família na garantia do não trabalho para este momento do ciclo vital humano. O que se encontra, na realidade da vida social, em ampla dimensão, é a criança nos cruzamentos de rua limpando pára-brisas, nas carvoarias, nos supermercados, cavando poços e cortando cana, servindo como correio do narcotráfico e sendo prostituída. Como acreditar na máxima de que o trabalho dignifica o homem se o trabalho e a vida tornam o indivíduo um “cidadão indigno” por conta de sua concreta situação de indignidade?


    


O jovem Karl Marx afirmava em seus “Manuscritos Econômico-Filosóficos” (MARX, 1978) que, se quisermos apreciar as artes, teremos de ser pessoas artisticamente cultivadas. Portanto, se quisermos uma sociedade onde os princípios éticos possam finalmente abandonar as cartas de intenções, para termos indivíduos justos, teremos que cultivar justiça, e para termos indivíduos solidários, teremos que cultivar a equidade. Esta hercúlea tarefa certamente não obterá consenso nas possíveis formas de sua realização. Entretanto, um dos consensos viáveis passa, com certeza, pela eliminação da indignidade que é o trabalho da criança, como avatar de um mundo melhor.


    


O trabalho da criança tem sido encontrado e descrito em diversas organizações sociais. A palavra “plágio”, por exemplo, origina-se da atividade de homens que roubavam os filhos dos escravos na Roma antiga para vendê-los aos proprietários de minas de cobre e prata. A Revolução Industrial presenciou crianças nas fábricas e nas minas, em jornadas e tarefas iguais às dos adultos (NOGUEIRA, 1990).


Contemporaneamente, nos países do terceiro mundo, o adolescente está presente em trabalhos formais sob o disfarce de estágios, enquanto a criança, sob disfarces morais de vários tipos, freqüenta o trabalho na ilegalidade e em condições próximas às da Revolução Industrial. De qualquer modo, crianças e adolescentes encontram-se realizando todo o tipo de prestação de serviços para complementar renda familiar e ajudando, inadvertidamente, a manter a força de trabalho de inúmeros adultos transformada em sucata (OIT, 1989; MTE, 1995).


     


Mas antes do século XIX, o trabalho da criança fazia parte inquestionável da “ordem” das coisas e tanto as crianças como os adultos sofriam o impacto desta “ordem” no corpo desnutrido, nos retardos de crescimento físico, nas extensas perdas de membros, na morte por múltiplas doenças infecciosas. A experiência da criança trabalhando remontava às experiências de pais e avós, integrando-se a uma expectativa de legitimação, pelo menos de explicação. Convém lembrar as ideologias de cunho protestante que viam no trabalho, antes que uma maldição divina, uma fonte de purificação da alma, veículo que aproximava o homem a Deus, instância disciplinar/pedagógica que domava a carne e educava o espírito.


     


A pesquisa sobre a história da infância conduziu Ariès (1981) a conclusões muito instigantes. Até o século XVI o sentimento de infância praticamente inexistia, pois crianças e adultos compartilhavam espaços, jogos e brincadeiras como se não houvesse diferença entre uns e outros. A criança era vista como um homem em miniatura e o seu reconhecimento como adulto acontecia ainda quando muito pequena. A aprendizagem ocorria através da convivência com os adultos, durante a realização das tarefas domésticas e dos ofícios da época, na própria ou em famílias alheias. A criança trabalhava fora de sua casa desde muito cedo, mas esta atividade era exercida, na maioria das vezes, como forma de pagamento pelo aprendizado que pudesse receber da família com quem vivia. A infância, misturada aos adultos, passava despercebida e desaparecia precocemente.


     


O século XVII é fortemente marcado por um novo modo de ver a infância. A concepção de família, sua organização interna e os papéis de seus membros são redimensionados, tornando-se cada vez mais presente o sentimento de infância tal qual conhecemos. Novas regras de cuidado e higiene, preocupações com escolaridade, além do aprendizado cotidiano dos afazeres domésticos e dos ofícios ministrados no espaço familiar, tornam-se necessidades inerentes à formação do novo tipo de homem. O nascimento de novas propostas educacionais, agora preocupadas com a distinção de classes de idades, faz parte deste período, o que pode ser deduzido de uma obra clássica do século XVII, a “Didactica Magna”, de Comenius (1997).


     


O surgimento e o desenvolvimento da burguesia determinam um profundo redimensionamento das relações feudais de produção, o que acaba por implicar na construção de uma nova estrutura familiar, agora mais voltada para o espaço privado, longe das ruas e das festas coletivas, das quais as crianças antes participavam, assumindo os papéis de adultos. Também as instituições escolares começam a sofrer distinções mais acentuadas de classe social: a escolaridade secundária, mais longa, para a infância burguesa e a escolaridade primária, mais rápida, para a “criança do povo”. De qualquer forma, o sentimento de infância e de família extrapola a nobreza em decadência e a burguesia emergente, atingindo também as famílias proletárias.


     


Durante a primeira metade do século XIX, a Revolução Industrial, entretanto, não vai consolidando apenas o embrião da família moderna, mas, ao mesmo tempo, experimenta uma regressão, no que toca à infância das famílias operárias, ao requisitar mão-de-obra infantil para a indústria têxtil, pois “o trabalho das crianças conservou uma característica da sociedade medieval: a precocidade da passagem para a idade adulta” (ARIÈS, 1981). É deste período que Karl Marx e Friedrich Engels vão tomar os elementos para discutir o trabalho de criança, porque é nele que se registra o caráter mais exploratório do capital.


     


O livro “A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra em 1848” (ENGELS, 1988) traça um panorama horripilante sobre o trabalho das crianças, submetidas a jornadas de trabalho de mais de 12 horas, e dos adolescentes, forçados a trabalhar durante toda a noite, em tarefas extenuantes. A obrigatoriedade de escolarização, utilizando parte da jornada de trabalho, passou a ser regulada por lei, entretanto, nunca cumprida. Na maioria das vezes, os professores contratados pelos empregadores sequer sabiam escrever, o que significava que escolarização era apenas a presença de alguém dito “professor” numa sala abarrotada de pequenos seres exauridos pelo trabalho. Mão-de-obra barata e esfomeada, cedida pelos próprios pais ou oriundas de abrigos paroquiais, era alugada ao proprietário dos meios de produção. O saldo desta exploração sem limites era uma juventude intelectualmente comprometida e fisicamente deformada.


     


Situação semelhante é descrita em “O Capital” (MARX, 1983). O livro revela crianças atuando nas fábricas, sob regime de semi-escravidão, sem direito a refeições, repouso e instrução regulares. Uma referência sobre o trabalho numa manufatura de fósforos é exemplar:


 


A metade dos trabalhadores é de crianças com menos de 13 anos e jovens com menos de 18 anos. A manufatura é tão mal-afamada, por ser insalubre e repugnante, que somente a parte mais degradada da classe trabalhadora, viúvas famintas, entre outras, cede-lhe crianças, esfarrapadas, totalmente desamparadas e não educadas. (…) A jornada variava entre 12, 14 e 15 horas, com trabalho noturno, refeições irregulares, em regra no próprio local de trabalho, empesteado de fósforo. Dante sentiria nessa manufatura suas fantasias mais cruéis sobre o inferno ultrapassadas (MARX, 1983, p. 157).



A despeito das várias tentativas de regulamentar duração de jornadas e limite de idade para o trabalho, esse modo de exploração, iniciado no século XVIII, continuou por várias décadas do século XIX e ainda é encontrado, por Huberman (1986), no período da “grande depressão” iniciada em 1929. O autor relata a utilização de crianças de três anos de idade na agricultura e pequenas manufaturas em localidades do sul dos Estados Unidos.


    


O século XX apresenta a marca dos monopólios e dos grandes oligopólios, sob modernização tecnológica constante, e os sentimentos de família e de infância mais uma vez, cambiam. O desenvolvimento sócio-econômico contemporâneo que, nas crises de desemprego, nos bolsões de pobreza e na grande periferia, ainda exige o trabalho de criança, foi acompanhado por um conjunto de concepções de mundo que decididamente não o justifica. Sociedades cada vez mais complexas exigem tempo mais longo de preparação para o domínio de suas tecnologias, de seus circuitos administrativos, dos seus gigantescos aparatos burocráticos, e não aceitam que se trabalhe antes do sujeito ter incorporado treinamento discriminativo e crítico. A idéia de economias competitivas disputando mercados internacionais com base na “qualidade total” de seus produtos pressupõe “qualidade” da força de trabalho. Assim, da esquerda à direita, existe uma aparente unicidade de discurso no que tange à condenação do trabalho de criança e à necessidade absoluta da educação universalizada, duzentos anos após as leis napoleônicas, como condição para que o Brasil supere os quadros crônicos de miséria e pobreza.


     


A partir da década de 1950, no marco do pensamento desenvolvimentista-nacionalista latino-americano, o Brasil estabelece planejamento de políticas econômicas centradas na idéia de produzir riqueza e democracia através da industrialização, e políticas sociais centradas na idéia de quebra do círculo vicioso da miséria, através da ruptura de um de seus elos – falta de efetivo sistema universal de saúde ou de educação, por exemplo. Expandem-se, então, os projetos de educação pública para todos e a má consciência do trabalho da criança. Fica demarcada, no imaginário das classes dominantes e das populares, a contradição entre a concepção de trabalho como veículo natural de construção moral dos homens e a concepção de que “só a escola pode garantir o futuro”. Assim, os movimentos populares reivindicam maior tempo livre como condição para o resgate da dívida educacional com os setores inseridos no mercado de trabalho, ao mesmo tempo em que exigem políticas públicas que assegurem a permanência da criança na escola.


     


Hoje, a legislação trabalhista brasileira considera legal o ingresso no trabalho apenas a partir dos 14 anos, ou aos 12 com autorização do Juizado de Menores, e a Carta Magna considera obrigatória a escolaridade para a faixa etária de sete a 14 anos. Entretanto, a despeito das leis e das pressões das organizações de proteção da infância, as crianças das classes populares entram no mercado de trabalho muito cedo, sem escolarização mínima e tornam-se vítimas prioritárias de doenças e de acidentes ocupacionais (QUEIROZ, 1970; MOURA, 1982; SPINDEL, 1989; PRIORE, 1996).


     


Com base nos dados levantados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE nos anos de 1970, período do “milagre econômico” da Ditadura Militar, Gouveia (1983) afirma que o número de menores trabalhadores aumenta de acordo com a queda do rendimento familiar, numa relação inversamente proporcional, de modo persistente e consistente. Tal situação persiste, a despeito de mudanças econômicas, políticas e ideológicas, na condução do Brasil, pois os indicadores sociais de 2002 demonstram que a proporção de crianças trabalhando é alta e que a remuneração paga a crianças e a adolescentes é sempre muito inferior à dos adultos, apesar de realizarem trabalhos similares e até mesmo terem escolaridade mais elevada (IBGE, 2003). O trabalho é oferecido como estágio, aprendizagem ou mal menor em relação “à rua”, justificando a baixa remuneração, mas na realidade não passando de real super-exploração de habilidades e pessoas.


     


Crianças e adolescentes inseridos no mercado de trabalho também estudam. É possível encontrar crianças e jovens estudando à noite, depois de longa jornada de trabalho, ou durante o dia, antes ou depois de uma jornada mais curta. O fato é que apesar de o Estado manter leis de proteção da menoridade, crianças a partir de 10 anos ou até menos dividem o tempo entre trabalho e escola ou apenas gastam todo o tempo diurno com trabalho em busca de salários insignificantes, mas absolutamente necessários à própria sobrevivência e/ou a do grupo familiar. Muitas destas crianças e adolescentes iniciam seus estudos elementares e os abandonam sem concluir escolaridade básica. A pesquisa realizada por Gouveia (1983) indica que, invariavelmente, a necessidade de trabalho motivou a interrupção dos estudos e que, invariavelmente, expressam o desejo de voltarem à escola, caso consigam conciliar estudo e sobrevivência.


    


Para Campos e Francischini (2003, p. 121), “a exploração do trabalho produtivo de crianças e adolescentes, observada em contextos de precarização das famílias, possibilita o aumento da renda familiar, por um lado, e o crescimento do lucro do empresário, por outro”. Mas, tais incrementos, não são capazes de superar a situação de miséria, na verdade reforçam e reproduzem as condições de sua perpetuação. Em relação ao desenvolvimento humano, os autores indicam que o trabalho precoce “prejudica a saúde, o processo de escolarização e o processo de formação da identidade”. A luta imediata e concreta, pela sobrevivência vegetativa, em condições brutais, alimenta-se da ideologia que vê qualquer trabalho como mal menor diante da ociosidade nas ruas, da dependência química e da criminalidade.


     


A questão incluída nos problemas acima colocados é a assunção de responsabilidades com a própria sobrevivência e/ou a do grupo familiar, num momento em que é necessário ao indivíduo garantia mínima de segurança para a estruturação da auto-confiança e da identidade. É em quadro econômico de exigência e em quadro cultural de deslegitimação que o trabalho da criança ocorre atualmente em nosso país. Há uma prática e uma vergonha da prática, ambas precisando ser negadas por causa uma da outra. Somente nesta circunstância o trabalho da criança pode ser adjetivado de precoce, e só nesta circunstância pode gerar um conflito e um mal estar específicos nos agentes e na sociedade que, em parte, o deslegitima, em parte, convive, em parte necessita dele.


 


2. Levantamento da literatura
    


 


Rastreando o modo como a criança aparece na literatura científica, na última década, foi possível notar as seguintes peculiaridades:


     


a) Os termos Child Sexual Abuse, Children of Alcoholics, Children of Divorced Parents, Problem Children, Children Suicide e Children Tobaco Use referem artigos e livros listados às centenas. Abuso sexual, dependência química, suicídio e transtornos derivados dos divórcios parecem constituir graves problemas de saúde pública, em todo o mundo, sobretudo em relação a crianças.


     


b) Os termos Children Welfare, Discipline of Children, Kindergarten Children, Child Care, Child Suport, Children Institutional Care, Orphans and Orphanages e Social Work with Children parecem indicar que as estruturas institucionais de suporte à infância são também objeto freqüente de estudo e são precárias.


     


c) Pediatric Psychopharmacology, Pediatric Pharmacology, Asthma in Children, Cancer in Children e Children Mortality constituem temas que destacam a criança como vítima de doenças biológicas.


     


d) A brincadeira e a criança em brincadeira são objetos dos estudiosos, sob os termos Play Groups, Playgrounds e Play Behavior.


     


e) Aparecem, então Child Psychology, Child Psychoterapy, Children Development, Children Language, Emottionally Disturbed Children, Children Mental Health. O desenvolvimento da criança e o processo saúde/doença mental são, finalmente, focalizados.


     


f) Nas expressões Child Labor e Children Employment abriga-se o pequeno filão sobre os motivos, as características e as conseqüências do trabalho de criança. Em média são seis a oito textos publicados, por ano, em revistas indexadas, a maioria tratando a questão sob a perspectiva econômica e/ou histórica, como mostram os trabalhos de Gun e Ostos (1992), Bonnet (1993), Holleran (1993) e Hasnat (1995). O único estudo que relaciona o trabalho da criança com saúde, o faz com base em marcos tradicionais, analisando a implantação de um programa de prevenção de doenças profissionais decorrentes do trabalho em tecelagem de tapetes na India (DAS et al., 1992).


     


g) Quando existe alguma relação entre o trabalho humano e a criança, este aparece mediado por outras instâncias da vida coletiva, como os problemas que ocorrem com as crianças filhas de mães e/ou pais que trabalham (Children Working Mothers, Children Working Parents, Working Mothers, Working Parents) ou expostas ao mercado de consumo (Children’s Market).


     


h) O termo Children Mental Health remete a um grande leque de palavras-chave que enfatizam nexos de determinação que não passam pelo trabalho, mas têm no cuidado e nas relações familiares o foco das atenções como elementos etiológicos, entre outros do stress e da depressão infantil (Depression of Children).


      


Parece que a relação entre trabalho da criança e manutenção da desigualdade e a relação entre trabalho de criança e transtornos do desenvolvimento psicológico praticamente inexistem como objeto de literatura científica. Talvez pelo trabalho da criança poder ser encarado como “ordem natural das coisas” e não um problema. Talvez pela visão de que crianças são mini-adultos, então bastando realizar adaptações mínimas em parâmetros desenvolvidos a partir de estudos com adultos. Talvez por formação acadêmica que centra os processos etiológicos fora do mundo do trabalho, fazendo com que o interesse pelo nexo entre trabalho e psiquismo fique restrito ao limbo do “exotismo intelectual” de alguns.  Talvez por atitude que envolva um paradoxo ético: se o trabalho de crianças for estabelecido como objeto de estudo, estar-se-ia legitimando o trabalho de crianças. Ou, quem sabe, porque entre os pesquisadores talvez seja dominante o viés ideológico de considerar qualquer trabalho como mal menor, diante de rua, vício, corrupção. Ou então por outro viés também ideológico – a subordinação do interesse de pesquisar ao interesse dos grandes centros produtores de conhecimento, onde o problema não mais se coloca, de modo hegemônico, como questão social.


    


A pesquisa eletrônica leva à internet e ao site do Ministério do Trabalho, com inumeráveis páginas e links, permitindo a identificação de artigos produzidos apenas para circulação eletrônica, como o de Lima (2004), e um extraordinário banco de dados oriundo do próprio Ministério do Trabalho, do Ministério da Saúde, do Ministério da Justiça, das Delegacias Regionais de Trabalho, das Secretarias Estaduais de Saúde e do IBGE.


    


Neste site (http://www.mte.gov.br) constata-se que a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios-PNAD, de 2002 (IBGE, 2003), constatou que o trabalho precoce atinge 12,6% das 43,3 milhões de pessoas com idade entre sete e 17 anos e prejudica fortemente o desempenho escolar. Das crianças e adolescentes nessa faixa etária, esperada para a freqüência ao ensino fundamental e médio, 68,8% das que trabalham estão atrasadas nos estudos e têm uma freqüência escolar de 80,5%, enquanto a média entre crianças e adolescentes que não trabalham é de 45,8% de atraso nos estudos e 91,7% de freqüência escolar.


           


Os estudos realizados mostraram, ainda, que em 17% das famílias brasileiras há pelo menos uma criança ou adolescente trabalhando, índice que pode chegar a 21,6% no Nordeste, e que elas são responsáveis, em média, por 15,5% da renda familiar, índice que pode chegar a 76% no Nordeste. O trabalho é geralmente realizado em lojas, oficinas e fábricas (35,2%), em fazendas, sítios e granjas (34,5%) ou, simplesmente, nas ruas (263 mil crianças, 5,1%). A maior parte das crianças e adolescentes ocupados no Brasil pertence a famílias que têm como referência, “chefe de família”, um analfabeto funcional, isto é, com menos de três anos de estudo, e vivem em condição de pobreza, com rendimento mensal de até um quarto de salário mínimo por pessoa.



Referências Bibliográficas


 


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