Antônio Capistrano: Lembrando dois velhos comunistas

No mês de março (2009) o Partido Comunista do Brasil completou 87 anos de existência, fato ocorrido no dia 25 de março de 1922. Faço o registro desse importante acontecimento histórico, lembrado dois velhos comunistas, duas personagens lendárias do PC do

Doutor Vulpiano era uma figura extraordinária. Médico cearense, que veio morar no Rio Grande do Norte na década de trinta, primeiro se estabeleceu entre Mossoró e Areia Branca, depois fixou residência em Natal, onde viveu até o fim da sua vida. Vulpiano foi dirigente estadual do Partido, ao lado de Luiz Maranhão participou de todas as lutas travadas sob a orientação dos comunistas ou apoiadas pelo partido durante mais de 50 anos. Preso diversas vezes, nunca se dobrou, mesmo sob tortura, era um exemplo de dignidade. Tive a honra de conhecê-lo e participar, em plena ditadura militar, ao seu lado e de outros camaradas, de reuniões do Partidão, reuniões clandestinas, realizadas em lugares que por questão de segurança, eu ignorava. Um desses lugares, muito tempo depois, fiquei sabendo, era um sitio no município de Ceará-Mirim pertencendo a Osvaldo Guedes, outra admirável figura do PC.


 


Quando fui deputado estadual (91/94) apresentei dois Projetos-Lei de Concessão de Cidadania Norte-rio-grandense, um para a poetisa Zila Mamede e, o outro, para Doutor Vulpiano, todos dois entregues aos seus familiares em uma bela e emocionante sessão solene no Plenário da Assembléia Legislativa. Vulpiano, médico, maçom e comunista militante. Figura lendária na atividade médica e no movimento comunista do Rio Grande do Norte. Vulpiano merece um estudo biográfico completa, os seus amigos e admiradores estão devendo as novas gerações essa história, ele não pode e nem deve cair no esquecimento, a sua vida serve como exemplo para as novas gerações. O meu estimado amigo, Gileno Guanabara, companheiro do antigo Partidão, me disse que estava preparando a biografia de Vulpiano. Gileno conheceu Vulpiano de perto, tem condição de elaborar uma boa biografia sobre o velho. Muita gente que conviveu com Vulpiano está aí podendo dá um depoimento sobre o velho camarada.


 


Moacyr de Góes, no seu livro “Sem Paisagem: Memórias da Prisão”, Sebo Vermelho, 2004 – falando sobre a figura de Vulpiano, seu companheiro de prisão, disse: “… Com ele aprendi a ver o papel do comunista na sociedade. Sem proselitismo, sem doutrinação, ele narrava a vida do Partido e também a sua vida: as duas coisas se confundiam, na maioria das vezes”.


 


O Prefeito Agnelo Alves falando na inauguração do Centro de Saúde Doutor Vulpiano Cavalcanti, na cidade de Parnamirim, em 2004, disse, “Vulpiano Cavalcanti, médico por vocação, humanitário por índole e comunista por convicção ideológica, viveu modestamente no entra-e-sai das cadeias com a mesma alegria estampada na face, contrastando com o rancor dos seus carcereiros e perseguidores bestiais que se compraziam às torturas a que o submetiam até a quebra dos dedos das mãos para que não pudesse mais cirurgiar”.


 


Moacyr de Góes no seu livro de lembranças da prisão conta: “Graças ao tricô e a força de vontade, Vulpiano, voltou à sala de cirurgia. Contava. Os olhos límpidos de um São Francisco. Encanecido pelo sofrimento. Nunca perdeu a alegria”.


 


Outro velho e bom comunista foi Luiz Maranhão Filho. Acompanhado do meu irmão, Franklin Capistrano, vez por outra visitei o apartamento de Luiz, na Avenida Rio Branco, onde funcionava, também, o consultório de sua esposa. Ele, apesar de sua importância, dentro do Partido e na cidade (advogado, professor, deputado estadual, irmão do prefeito Djalma Maranhão), era uma figura atenciosa, um homem simples, comprometido com as suas idéias, habilidoso no trato com os diversos segmentos da sociedade. Luiz foi um defensor da aliança entre comunistas e cristãos, trabalhou, até ser preso e assassinado em 1972, para concretizar essa união. Aqui, em Natal, Luiz fez de tudo, jornalismo, magistério, teatro, política, participava dos movimentos populares, sempre atendo aos acontecimentos, era um intelectual, formulador de idéias, respeitado no Partido e na sociedade.


 


Quem desejar conhecer essa personalidade da vida política do nosso estado e mesmo aqueles que conhecem, mas não leu, recomendo o livro de autoria de Maria Conceição Pinto de Góes, “A aposta de Luiz Ignácio Maranhão Filho: cristão e comunistas na construção da utopia”, Editora da UFRJ, 1999. Esse livro é um excelente trabalho, livro indispensável para quem deseja conhecer a história e as idéias dessa figura que se transformou em um mártir das lutas do nosso povo. Luiz Maranhão foi assassinado nos porões da ditadura em 1972.


 


Leandro Konder, prefaciando o livro de Conceição Pinto de Góes, livro já citado, escreveu: “Tenho a esperança de que algum dia os esbirros que o mataram venham a ser identificados. Não que eu pretenda algo como matá-los, por vingança. Gostaria apenas dizer-lhes cara a cara: vocês falharam; Luiz continua vivo, não só no coração dos que o conheceram, mas também nos ideais dos que travam a luta pela democratização da sociedade e se insurgem contra as injustiças do capitalismo, cultivando o pluralismo e o diálogo”. Saudemos através dessas duas grandes figuras, o bravo e aguerrido Partido Comunista do Brasil, nos seus 87 anos de existência.


 


>>> Dedico a: Chico Guilherme, Zé Moreira, Lourival de Góes e Pretextato Cruz


 


por Antônio Capistrano – professor