Marina sai do PT sem deixar claras suas pretensões políticas
A senadora e ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, anunciou nesta quarta-feira (19) sua desfiliação do PT, partido ao qual esteve ligada por quase 30 anos. A senadora acreana diz que ainda não tomou a decisão de se filiar a um novo partido, mas é de conhecimento público que sua saída do PT tem como objetivo filiar-se ao PV para disputar a presidência da República em 2010.
Publicado 19/08/2009 17:16
O desligamento do PT, que já estava sendo preparado há quase um mês, foi anunciado pela própria senadora durante coletiva de imprensa na Comissão de Meio Ambiente. Marina também enviou uma carta ao presidente nacional do PT, Ricardo Berzoini, oficializando sua saída do partido. Na carta, a senadora justifica a desfiliação dizendo que "é o momento não mais de continuar fazendo o embate para convencer o partido político do qual fiz parte por quase trinta anos, mas sim o do encontro com os diferentes setores da sociedade dispostos a se assumir, inteira e claramente, como agentes da luta por um Brasil justo e sustentável, a fazer prosperar a mudança de valores e paradigmas que sinalizará um novo padrão de desenvolvimento para o País".
Na carta, a senadora também critica o modelo de desenvolvimento que vem sendo historicamente aplicado no país: "Tenho a firme convicção de que essa decisão (de deixar o PT) vai ao encontro do pensamento de milhares de pessoas no Brasil e no mundo, que há muitas décadas apontam objetivamente os equívocos da concepção do desenvolvimento centrada no crescimento material a qualquer custo, com ganhos exacerbados para poucos e resultados perversos para a maioria, ao custo, principalmente para os mais pobres, da destruição de recursos naturais e da qualidade de vida."
À frente do Ministério do Meio Ambiente entre 2003 e 2008, Marina tentou defender seu ponto de vista em relação à política de desenvolvimento, mas não teve força política suficiente para travar esta batalha com setores como o do agronegócio, o que acabou resultando em seu desligamento do Ministério em maio do ano passado.
"Sanear" o PV
Perguntada sobre a provável filiação ao PV e sobre como irá atuar dentro de um partido pequeno e cheio de caciques pouco comprometidos com a causa ambiental, Marina desconversou. Disse que a decisão de se filiar a um novo partido ainda não está tomada. "Para fazer um diálogo de filiar-me ao PV, que foi o convite que me foi feito, eu precisava primeiro refletir se iria ou não sair do Partido dos Trabalhadores", disse Marina a jornalistas. "A partir de agora, me sinto livre para fazer essa transição dentro daquilo que me dispus, uma discussão em termos programáticos."
Apesar da aparente indefinição, a senadora teceu comentários sobre seu novo partido. "Nunca tive a ilusão, nos últimos 10, 15 anos, de que os partidos seriam perfeitos", afirmou a senadora. "Hoje tenho a clareza de que todos têm problemas, e todos têm problemas a serem saneados, a realidade do PV não será diferente."
Marina frisou que foi a disposição do PV de rever sua estrutura e programa que a levou a avaliar a proposta de filiação. Ela ressalvou, contudo, não ter a intenção de prejulgar ninguém do partido e afirmou que, do ponto de vista programático, Sarney Filho, uma das principais lideranças do PV, sempre esteve identificado com a causa ambiental.
No site do Partido Verde, a aparente indefinição de Marina não existe. Com o afirmativo título “Tudo acertado: a bola com Marina!”, Alfredo Sirkis dá como favas contadas o ingresso da senadora no PV e sua candidatura presidencial em 2010. Segundo Sirkis, a filiação acontecerá “no dia 30 de agosto, domingo, em São Paulo, numa convenção nacional festiva do PV precedida de uma reunião da Executiva Nacional”.
Na ocasião, segundo o líder verde, “Marina indicará nove integrantes de sua equipe que, juntamente como ela própria, ingressarão na Executiva Nacional do PV e, juntamente com onze membros atuais da Executiva, formarão uma Coordenação Nacional destinada a tratar, prioritariamente, da elaboração do texto base para os novos programas partidário (20 anos) e de governo (5 anos) pela campanha presidencial”.
Os novos programas partidário e de governo serão fechados no Congresso Verde previsto para novembro.
Candidatura anti-Dilma?
No PT, a saída de Marina já era esperada e foi recebida sem alarde. Alguns líderes petistas temem que a trajetória política da senadora seja maculada por uma eventual ligação com a oposição direitista.
O senador João Pedro (PT-AM), disse estar preocupado com esta hipótese: “(Tenho a preocupação) De a história dela, uma história exemplar, encontrar dificuldades por conta da dubiedade e da aproximação do PV com o projeto do PSDB, haja vista que a maioria do PV está aliada aos tucanos”, afirmou o senador ao site Terra Magazine.
O dirigente petista Valter Pomar é mais duro na análise: “Os que comemoram (a saída de Dilam do PT), não acreditam e geralmente não desejam que Marina possa ser presidente; acham apenas que ela pode atrapalhar uma terceira vitória do PT. Ou seja: sua candidatura é vista como linha auxiliar do PSDB, mais ou menos como o Partido Verde se comporta em vários estados do Brasil”, afirmou Pomar em artigo recente.
Já a oposição vê prováveis ganhos com uma candidatura Marina. "As possibilidades da candidatura de Marina estão relacionadas diretamente às dificuldades da candidatura de Dilma", avaliou o senador Sérgio Guerra (PE), presidente nacional do PSDB.
Na semana passada, o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) já havia anunciado a intenção de formar um palanque duplo no Rio, com ele próprio como candidato ao governo estadual pelo PV, mas apoiando dois candidatos à presidência: José Serra e Marina Silva.
Guerra admitiu que Marina criaria algumas dificuldades ao PSDB no Rio de Janeiro no caso de se confirmar a candidatura do deputado Fernando Gabeira, do PV, que costura um apoio nacional aos tucanos. "Mas é claramente um problema que afeta o discurso do presidente Lula e do PT."
Mandato preservado
Marina Silva exerce seu segundo mandato no Senado. Seu desligamento do PT pode, em tese, ocasionar a perda do mandato. Resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aponta que, a partir de 16 de outubro de 2007, senadores podem ter seus mandatos cassados caso não apresentem justificativa para a troca de legenda. O TSE prevê que a mudança de agremiações só pode ocorrer em caso de incorporação ou fusão de legendas, de criação de um novo partido político, de grave discriminação pessoal do filiado ou de "mudanças substanciais ou desvio reiterado do programa partidário".
Ainda que o PT não peça o mandato da senadora de volta, a legislação eleitoral prevê que entidades com interesse jurídico no caso possam recorrer para garantir a vaga no Senado. Neste caso, poderiam pleitear o assento de Marina Silva no Senado o Ministério Público Eleitoral (MPE) ou os suplentes dela, como Sibá Machado. Machado ocupou o cargo de senador por mais de cinco anos enquanto Marina Silva era ministra do Meio Ambiente do governo Lula.
Mas segundo o senador Eduardo Suplicy (PT-SP), seu partido não pretende entrar na justiça para pedir o mandato da senadora. “- O presidente Ricardo Berzoini, o candidato à presidência José Eduardo Martins Cardoso e todos os senadores do PT já dissemos todos que não é a nossa intenção solicitar à Justiça Eleitoral. Eu recomendo ao PT que não reivindique à Justiça Eleitoral, sobretudo porque ela tem valores semelhantes aos nossos.”, disse o senador.
Politicamente, o PT também não vê vantagem em pedir a cadeira de Marina, já que falta apenas um ano e meio para terminar o mandato da ex-petista e uma disputa jurídica com este objetivo apenas reforçaria o papel de vítima que a senadora busca encenar.
Veja a íntegra do texto enviado por Marina Silva à direção do PT:
Tornou-se pública nas últimas semanas, tendo sido objeto de conversa fraterna entre nós, a reflexão política em que me encontro há algum tempo e que passou a exigir de mim definições, diante do convite do Partido Verde para uma construção programática capaz de apresentar ao Brasil um projeto nacional que expresse os conhecimentos, experiências e propostas voltados para um modelo de desenvolvimento em cujo cerne esteja a sustentabilidade ambiental, social e econômica.
O que antes era tratado em pequeno círculo de familiares, amigos e companheiros de trajetória política, foi muito ampliado pelo diálogo com lideranças e militantes do Partido dos Trabalhadores, a cujos argumentos e questionamentos me expus com lealdade e atenção. Não foi para mim um processo fácil. Ao contrário, foi intenso, profundamente marcado pela emoção e pela vinda à tona de cada momento significativo de uma trajetória de quase trinta anos, na qual ajudei a construir o sonho de um Brasil democrático, com justiça e inclusão social, com indubitáveis avanços materializados na eleição do Presidente Lula, em 2002.
Hoje lhe comunico minha decisão de deixar o Partido dos Trabalhadores. É uma decisão que exigiu de mim coragem para sair daquela que foi até agora a minha casa política e pela qual tenho tanto respeito, mas estou certa de que o faço numa inflexão necessária à coerência com o que acredito ser necessário alcançar como novo patamar de conquistas para os brasileiros e para a humanidade. Tenho certeza de que enfrentarei muitas dificuldades, mas a busca do novo, mesmo quando cercada de cuidados para não desconstituir os avanços a duras penas alcançados, nunca é isenta de riscos.
Tenho a firme convicção de que essa decisão vai ao encontro do pensamento de milhares de pessoas no Brasil e no mundo, que há muitas décadas apontam objetivamente os equívocos da concepção do desenvolvimento centrada no crescimento material a qualquer custo, com ganhos exacerbados para poucos e resultados perversos para a maioria, ao custo, principalmente para os mais pobres, da destruição de recursos naturais e da qualidade de vida.
Tive a honra de ser ministra do Meio Ambiente do governo Lula e participei de importantes conquistas, das quais poderia citar, a título de exemplo, a queda do desmatamento na Amazônia, a estruturação e fortalecimento do sistema de licenciamento ambiental, a criação de 24 milhões de hectares de unidades de conservação federal, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade e do Serviço Florestal Brasileiro. Entendo, porém, que faltaram condições políticas para avançar no campo da visão estratégica, ou seja, de fazer a questão ambiental alojar-se no coração do governo e do conjunto das políticas públicas.
É evidente que a resistência a essa mudança de enfoque não é exclusiva de governos. Ela está presente nos partidos políticos em geral e em vários setores da sociedade, que reagem a sair de suas práticas insustentáveis e pressionam as estruturas políticas para mantê-las.
Uma parte das pessoas com quem dialoguei nas últimas semanas perguntou-me por que não continuar fazendo esse embate dentro do PT. E chego à conclusão de que, após 30 anos de luta socioambiental no Brasil – com importantes experiências em curso, que deveriam ganhar escala nacional, provindas de governos locais e estaduais, agências federais, academia, movimentos sociais, empresas, comunidades locais e as organizações não-governamentais – é o momento não mais de continuar fazendo o embate para convencer o partido político do qual fiz parte pro quase trinta anos, mas sim o do encontro com os diferentes setores da sociedade dispostos a se assumir, inteira e claramente, como agentes da luta por um Brasil justo e sustentável, a fazer prosperar a mudança de valores e paradigmas que sinalizará um novo padrão de desenvolvimento para o País. Assim como vem sendo feito pelo próprio Partido dos Trabalhadores, desde sua origem, no que diz respeito à defesa da democracia com participação popular, da justiça social e dos direitos humanos.
Finalmente, agradeço a forma acolhedora e respeitosa com que me ouviu, estendendo a mesma gratidão a todos os militantes e dirigentes com quem dialoguei nesse período, particularmente a Aloizio Mercadante e a meus companheiros da bancada do Senado, que sempre me acolheram em todos esses momentos. E, de modo muito especial, quero me referir aos companheiros do Acre, de quem não me despedi, porque acredito firmemente que temos uma parceria indestrutível, acima de filiações partidárias. Não fiz nenhum movimento para que outros me acompanhassem na saída do PT, respeitando o espaço de exercício da cidadania política de cada militante. Não estou negando os imprescindíveis frutos das searas já plantadas, estou apenas me dispondo a continuar as semeaduras em outras searas.
Que Deus continue abençoando e guardando nossos caminhos
Saudações fraternas
Marina Silva
Na entrevista coletiva que concedeu em Brasília, a ex-ministra afirmou que a saída do PT é um primeiro passo e que ainda não se filiou a outro partido.
Colaborou Claudia Andrade em Brasília