Nota das Comunidades Quilombolas do Sapê do Norte do ES
Comunidade quilombola no Espírito Santo é seqüestrada enquanto se preparava para comemorar o Dia da Consciência Negra.
Publicado 18/11/2009 12:54 | Editado 04/03/2020 16:42
Sapê do Norte, 12 de novembro de 2009.
35 quilombolas do Sapê do Norte foram seqüestrados durante mais uma operação
irregular da justiça capixaba. Na manhã do dia 11 de novembro, enquanto se preparavam para o trabalho, as famílias quilombolas de São Domingos foram abordadas por mais de cem policiais fortemente armados com metralhadoras, cavalos e cachorros. Nossas casas foram invadidas e os nossos familiares foram agredidos, insultados e algemados enquanto nossos pertences eram reviradas sem que nenhum documento de prisão fosse apresentado.
O mandato de busca e apreensão, expedido em setembro pelo juiz Marco Antonio Barbosa de Souza (Conceição da Barra) apenas foi executado às vésperas do Festival do Beiju data em que a comunidade vai comemorar o Dia da Consciência Negra e a comunidade de Serraria e São Cristóvão ainda comemorava a publicação da portaria de Identificação de seu território.
Nós comunidades quilombolas do Sapê do Norte lutamos para reconquistar nossos
territórios enfrentando a resistência do governo capixaba, o Movimento Paz no Campo, o
agronegócio da celulose e cana, os órgãos ambientalistas, e os órgãos florestais de
governo que não repassam informações sobre as terras devolutas ocupadas
irregularmente no Sapê do Norte.
Nós as comunidades quilombolas no Espírito Santo enfrentamos a discriminação
institucional que devolve anualmente milhares de reais das verbas da educação, saúde e
desenvolvimento econômico a nós destinadas, mas por outro lado implanta obras de
impactos diretos sem consulta às nossas comunidades como agronegócio, gasoduto,
exploração mineral, lixão e exploração de petróleo.
Com a última ação que viola frontalmente os nossos direitos humanos das comunidades
quilombolas, velhos, deficientes físicos e visuais, adolescentes, foram seqüestrados por
12 horas com um aparato que nos lembraram o tempo da escravidão: violência policial,
cavalos e cachorros lançados sobre nós, enquanto trabalhávamos e lutávamos pelo
nosso direito constitucional.
Por mais uma vez o governo capixaba desrespeita a Constituição Federal, o Decreto 4887
e a Convenção 169, obstruindo com violência física e simbólica o processo de
identificação e titulação de nossos territórios que ocupamos por várias gerações. Ao
mesmo tempo os órgãos de governo impõem pesadas multas e ameaças de prisão às
atividades de subsistência das comunidades quilombolas que hoje contam com mais de
oitenta quilombolas processados judicialmente.
Desejamos que nossa liberdade se complete com a titulação de nossos territórios, que
nossas expressões culturais sejam respeitadas, que tenhamos terras para plantarmos
nosso futuro, que as florestas voltem a ser parte de nossa vida, que nossos córregos, hoje
secos, voltem a jorrar em abundância, que nossas crianças não tenham nem medo nem
vergonha de se identificar como negros e quilombolas neste estado.
Comissão Quilombola do Sapê do Norte