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Presidente alemão cai porque disse a verdade

Horst Köhler renunciou nesta segunda-feira (31) à presidência da Alemanha. Motivo: a má repercussão da entrevista que ele deu a uma rádio, ao voltar de uma visita ao Afeganistão ocupado. Köhler tinha declarado que enviar tropas a um país estrangeiro pode ser necessário "para proteger nossos interesses, como, por exemplo, liberar rotas comerciais ou prevenir instabilidades regionais". Ou seja, caiu por dizer a verdade.

Por Bernardo Joffily


A Alemanha mantém 4.300 soldados no Afeganistão, como força auxiliar das tropas dos Estados Unidos e sob a bandeira da Otan. Desde 2002, 43 deles já morreram. Mas, sob pressão americana, o contingente deve ser aumentado para 5.350.

Confissão indiscreta

Köhler, 67, que já dirigiu o FM (2002-2004) e é presidente desde 2004, fez a viagem para "levantar a moral dos soldados". Foi dizer-lhes que desempenham uma missão "difícil e perigosa, mas importante e legítima".

Porém ao dar uma entrevista para a rádio Deutschlandradio Kultur, no último dia 22, o experiente político e economista conservador baixou a guarda. Disse o que não fica bem o invasor e ocupante de um país estrangeiro não deve jamais confessar. Veja o trecho revelador:

"A meu ver é de fato assim: nós lutamos lá [no Afeganistão] também pela nossa segurança na Alemanha. […] Um país da nossa dimensão, com orientação para o comércio exterior, e assim sendo dependente deste comércio exterior, também precisa saber que, na dúvida, em caso de necessidade, também uma missão militar é necessária para defender nossos interesses, por exemplo para garantir vias comerciais livres, por exemplo para impedir instabilidades de regiões inteiras, as quais certamente também incidiriam negativamente nas nossas chances de comércio, empregos e renda."

Opinião alemã é contra a a guerra

A confissão pegou da pior maneira possível na opinião pública alemã, onde a maioria se opõe ao envio de tropas ao Afeganistão, e mais ainda ao aumento do seu número. E pegou mal precisamente por não embalar a ocupação no falatório sobre a "Guerra ao Terrorismo", apontando sem rodeios os interesses comerciais de uma grande potência europeia.

Köhler viu-se sob o fogo cruzado Os críticos da guerra – em especial os partidos Die Linke (A Esquerda) e Verde – logo aproveitaram seu lapso de sinceridade para denunciar a "diplomacia do canhão". Mas também os defensores da missão afegã, com o governo Angela Merkel à frente, não o perdoaram por dizer a verdade assim pelo rádio.

O presidente resistiu por alguns às críticas, que julgou "completamente injustificadas", mas nesta segunda renunciou em caráter imediato e irrevogável. Seu sucessor interino é o presidente da Câmara Alta (Bundesrat) do Parlamento, o social-democrata Jens Böhrnsen. O sucessor definitivo deve ser eleito indiretamente, pelo Bundestag (Câmara Baixa) e representantes dos estados, dentro de 30 dias.

Governo conservador em baixa

Na Alemanha o cargo de presidente da República é basicamente honorífico. Mas a confissão e a queda de Köhler agravam a já incômoda situação de sua aliada, a primeira ministra (chanceler) Angela Merkel, da mesma coalizão conservadora da CDU com o FDP.

A pressão contra a participação na ocupação afegã aumenta dentro da Alemanha – fator que motivou a viagem de Köhler ao país. A crise econômica europeia e a política interna de Angela também estão em baixa e a popularidade do governo é a mais baixa em quatro anos.

A primeira ministra se disse "surpreendida" com a renúncia, que "lamentou ao extremo". Em privado, deve estar lamentando igualmente a necessidade de ter que encontrar um candidato a sucessor de Köhler em um momento tão inadequado, embora a eleição seja indireta e a CDU-FDP disponha de uma confortável maioria.

Não foi a primeira vez que Horst Köhler andou falando mais do que devia, do ponto de vista de seus aliados da direita alemã e europeia. Quando estourou a crise econômica mundial, o ex-diretor-gersal do FMI também criou constrangimentos, quando chamou os mercados financeiros de "monstros" e solicitou que os banqueiros pedissekm desculpas por sua responsabilidade na crise. Com certeza Angela Merkel deve estar em busca de alguém com menos sujeito a esses momentos de franqueza.