Presidente alemão cai porque disse a verdade
Horst Köhler renunciou nesta segunda-feira (31) à presidência da Alemanha. Motivo: a má repercussão da entrevista que ele deu a uma rádio, ao voltar de uma visita ao Afeganistão ocupado. Köhler tinha declarado que enviar tropas a um país estrangeiro pode ser necessário "para proteger nossos interesses, como, por exemplo, liberar rotas comerciais ou prevenir instabilidades regionais". Ou seja, caiu por dizer a verdade.
Por Bernardo Joffily
Publicado 31/05/2010 19:14
A Alemanha mantém 4.300 soldados no Afeganistão, como força auxiliar das tropas dos Estados Unidos e sob a bandeira da Otan. Desde 2002, 43 deles já morreram. Mas, sob pressão americana, o contingente deve ser aumentado para 5.350.
Confissão indiscreta
Köhler, 67, que já dirigiu o FM (2002-2004) e é presidente desde 2004, fez a viagem para "levantar a moral dos soldados". Foi dizer-lhes que desempenham uma missão "difícil e perigosa, mas importante e legítima".
Porém ao dar uma entrevista para a rádio Deutschlandradio Kultur, no último dia 22, o experiente político e economista conservador baixou a guarda. Disse o que não fica bem o invasor e ocupante de um país estrangeiro não deve jamais confessar. Veja o trecho revelador:
Opinião alemã é contra a a guerra
A confissão pegou da pior maneira possível na opinião pública alemã, onde a maioria se opõe ao envio de tropas ao Afeganistão, e mais ainda ao aumento do seu número. E pegou mal precisamente por não embalar a ocupação no falatório sobre a "Guerra ao Terrorismo", apontando sem rodeios os interesses comerciais de uma grande potência europeia.
Köhler viu-se sob o fogo cruzado Os críticos da guerra – em especial os partidos Die Linke (A Esquerda) e Verde – logo aproveitaram seu lapso de sinceridade para denunciar a "diplomacia do canhão". Mas também os defensores da missão afegã, com o governo Angela Merkel à frente, não o perdoaram por dizer a verdade assim pelo rádio.
O presidente resistiu por alguns às críticas, que julgou "completamente injustificadas", mas nesta segunda renunciou em caráter imediato e irrevogável. Seu sucessor interino é o presidente da Câmara Alta (Bundesrat) do Parlamento, o social-democrata Jens Böhrnsen. O sucessor definitivo deve ser eleito indiretamente, pelo Bundestag (Câmara Baixa) e representantes dos estados, dentro de 30 dias.
Governo conservador em baixa
Na Alemanha o cargo de presidente da República é basicamente honorífico. Mas a confissão e a queda de Köhler agravam a já incômoda situação de sua aliada, a primeira ministra (chanceler) Angela Merkel, da mesma coalizão conservadora da CDU com o FDP.
A pressão contra a participação na ocupação afegã aumenta dentro da Alemanha – fator que motivou a viagem de Köhler ao país. A crise econômica europeia e a política interna de Angela também estão em baixa e a popularidade do governo é a mais baixa em quatro anos.
A primeira ministra se disse "surpreendida" com a renúncia, que "lamentou ao extremo". Em privado, deve estar lamentando igualmente a necessidade de ter que encontrar um candidato a sucessor de Köhler em um momento tão inadequado, embora a eleição seja indireta e a CDU-FDP disponha de uma confortável maioria.
Não foi a primeira vez que Horst Köhler andou falando mais do que devia, do ponto de vista de seus aliados da direita alemã e europeia. Quando estourou a crise econômica mundial, o ex-diretor-gersal do FMI também criou constrangimentos, quando chamou os mercados financeiros de "monstros" e solicitou que os banqueiros pedissekm desculpas por sua responsabilidade na crise. Com certeza Angela Merkel deve estar em busca de alguém com menos sujeito a esses momentos de franqueza.