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Alejandro Nadal: Que dizer aos estudantes de economia?

A economia mundial está em dificuldades. Mas não é a única coisa que está com problemas. A teoria económica também está em crise. E os estudantes deram-se conta disso antes dos seus professores.

Por Alejandro Nadal, no Informação Alternativa

Em 2000, um grupo de estudantes de economia em França iniciou um movimento de protesto contra a forma como se desenvolvia o ensino desta disciplina. Foi feito circular um manifesto criticando o abuso na construção de modelos cada vez mais abstractos e afastados dos problemas da economia real. A queixa mais importante era que os programas docentes estavam orientados para modelos irrelevantes, cada vez mais afastados dos problemas do mundo real.

O protesto ultrapassou o âmbito das universidades francesas e cedo foi ratificado em muitas universidades da Europa. A rebelião deu lugar a uma nova rede de economistas autodenominada “pós-autista”, em referência à tendência da teoria convencional (ou ortodoxia neoclássica) a fechar-se no seu discurso sem ouvir os sinais do mundo. Hoje oferece uma publicação electrónica gratuita (Real-World Economics Review, paecon.net) e um blogue (rwer.wordpress.com) interessante.

Infelizmente, a crítica dos estudantes é pouco certeira. Isso é perigoso, pois o movimento corre o risco de ser improdutivo e de ser recuperado pela ortodoxia de que tanto se queixam os estudantes e alguns dos seus professores.

No blogue abriu-se um debate sobre a crise da teoria económica e em torno de uma entrada cujo título é o deste artigo. A discussão mostra que se a rebelião dos estudantes é justificada, as suas reclamações e reivindicações estão falhas de pontaria.

Os estudantes queixam-se de que na docência se abusa dos modelos abstractos afastados dos problemas reais. Isto pode dar lugar a uma apreciação errada sobre o que efectivamente ocorre nas aulas. E uma análise errónea necessariamente conduzirá a conclusões desacertadas e pouco efectivas na hora de procurar mudanças.

Para começar, o ensino de modelos teóricos não é em si mesmo um problema. A única forma que temos de apreender o “mundo real” é através de estruturas teóricas. As categorias que servem para falar do mundo real foram construídas e os seus conceitos respondem a modelos teóricos mais ou menos completos. Assim que, à partida, essa dicotomia sobre modelos teóricos e mundo real mereceria uma discussão mais cuidadosa.

Os estudantes também se queixaram do abuso no ensino dos modelos da teoria ortodoxa. Mas, ao contrário do que esta reclamação indica, a verdade é que um dos problemas centrais na vida académica é que a teoria ortodoxa, neoclássica, não é objecto de um ensino rigoroso.

Este é um ponto chave: a ortodoxia não se ensina bem e por isso tem perdurado tanto. Isto aplica-se a universidades privadas e públicas. É por isso que em cada ano são produzidas legiões de economistas profissionais que pensam que aprenderam, em algum momento da sua carreira, que existe uma teoria que demonstra duas coisas. Primeiro, que os mercados atribuem eficientemente os recursos numa economia. Segundo, que as remunerações dos agentes numa economia são proporcionais à sua contribuição para o produto nacional.

Ambas as ideias carecem de uma base científica, racional. Os modelos teóricos da ortodoxia neoclássica nunca conseguiram o seu propósito. Ou, para dizê-lo de outro modo, só atingiram resultados negativos. Demonstraram que o processo de formação de preços de equilíbrio está indeterminado (a eficiência é um atributo do equilíbrio). Também demonstraram que a medida do factor chamado “capital” não é independente da distribuição do rendimento e, portanto, é incorrecto falar da quantidade de capital como algo que determina o nível dos ganhos.

Estes resultados negativos na teoria do mercado e da distribuição ficaram plenamente demonstrados na década dos anos setenta. E foi precisamente o uso de modelos matemáticos, “abstractos e afastados da realidade”, que permitiu atingir estes resultados negativos.

Mas estes resultados não são objecto de ensino nas universidades. Não estão considerados nos planos docentes a nível da licenciatura, talvez porque sejam considerados (erroneamente) demasiado complicados. E no mestrado e doutoramento a docência é dominada por exercícios que procuram refinar os modelos ortodoxos em bancarrota, que não foram objecto de ensino na licenciatura.

Por isso sobrevive a teoria neoclássica. Pela ausência de um ensino completo das suas limitações e das suas brutais deficiências. A ignorância é e foi o principal aliado deste instrumento de dominação ideológica.

Que dizer aos estudantes? Que tal se lhes dissermos, para começar, que há que estudar a fundo o modelo ortodoxo para fazer uma crítica rigorosa e exaustiva desse discurso autista, afastado do mundo real? Sem esse trabalho, a recuperação da “teoria” neoclássica (para a qual a crise não deveria existir) será inevitável.

Fonte: Informação Alternativa