Publicado 21/02/2011 10:10 | Editado 04/03/2020 16:32
No dia 31 de janeiro, O POVO publicou que dados do Censo 2010 confirmam Fortaleza como capital de maior número de habitantes por quilômetro quadrado do Brasil. No artigo abaixo, Fausto Nilo propõe outra metodologia de cálculo.
Apesar de divergências técnicas sobre o assunto, as densidades são medidas relevantes para a qualidade ambiental, para a economia, para os sistemas de transportes, para as infraestruturas físicas e também para a forma urbana. A rigor, a compreensão do assunto e seus reflexos na vida das cidades integram, por diferentes razões, o trabalho de urbanistas, economistas, estatísticos, geógrafos, organizações comunitárias, psicólogos e ecologistas.
A definição de densidade mais utilizada nas estatísticas geográficas é a chamada densidade demográfica ou população relativa. É uma medida para traduzir a relação entre a quantidade de população e a área total de um território, independentemente da forma de distribuição espacial desta população. Geralmente este padrão é registrado em habitantes por quilômetros quadrados. A área base sempre inclui, além das urbanizações, os vazios de população como corpos d’água, parques, reservas, florestas, topografias inacessíveis etc. Por essa razão, quando pretendemos interpretar situações urbanas, é mais conveniente usar o padrão que reflete o estabelecimento espacial dos habitantes, ou seja, a maneira pela qual a população de um território está distribuída em seus lugares de habitação e atividades relacionadas. Interpretar densidades para a compreensão da forma urbana também demanda a avaliação de diferentes tipos de usos do solo considerando padrões de urbanização diferentes de uma localidade para outra. Além destes aspectos merecem atenção as especificidades de topografia, de regras de uso do solo, de preferências culturais e de climatologia. Reza a literatura urbanística que a variação espacial de distribuição de população é mais importante que a densidade de cada país ou de cada cidade como um todo.
Num ambiente de vida compartilhada, a medida adequada para refletir a intensidade do uso do espaço pelas pessoas é um padrão chamado densidade urbana líquida. Essa é uma dimensão física e espacial do grau de consolidação dos estabelecimentos humanos a que chamamos cidades. Como instrumento da técnica urbanística serve para calibrar a intensidade de uso do solo urbano e o consequente grau de intercâmbio em vizinhanças habitacionais associadas com áreas de lazer, locais de trabalho, estações de transportes, escolas etc. A unidade de medida da quantidade de solo desta base é o acre em alguns países ou o hectare como no caso do Brasil. Sendo assim somente a densidade urbana líquida relacionada com tipologias habitacionais e seus complementos, de fato pode refletir aqueles efeitos legíveis pelos usuários da cidade como sensações de “desertos” ou “formigueiros”.
Apesar de ser a atual campeã nacional em densidade bruta, segundo dados recentes do IBGE, Fortaleza tem um padrão de urbanização espraiada. Ainda que façamos a tradução desta mesma densidade bruta em base de hectares ao invés de quilômetros quadrados, encontraremos uma média de 67,9 habitantes por hectare. Isto significa que, ainda que nossa população fosse regularmente distribuída, o padrão resultante seria considerado pela experiência urbanística internacional uma baixíssima densidade, ou seja, “densidade de ricos motorizados da Califórnia”. É por esta razão que a densidade do bairro Pirambu, considerada alta para os fortalezenses, corresponde a apenas 10% dos dois mil habitantes por hectare de Copacabana e 5% da densidade urbana de Hong Kong. De fato o que interessa prioritariamente para a avaliação da qualidade da vida urbana é a densidade medida nos recintos urbanizados ao invés da densidade bruta. Por conta de uma base natural acidentada com grandes áreas restritivas às urbanizações, o Rio de Janeiro perde em densidade bruta para nossa capital.
Outro aspecto importante para interpretar a eficiência da forma urbana com base em densidades é a consideração dos diferentes efeitos da intensidade de uso do solo de uma cidade. É uma evidência que nossa capital tem muito mais gente espalhada pela superfície de forma contínua, regular e “frouxa” que nas cidades de geografia mais acidentada. O elogio da baixa densidade se deve ainda a uma crença elitista herdada da era vitoriana que relacionava diretamente alta densidade e crime. Copacabana espremida entre o mar e a montanha, sem dúvida, ostenta uma das densidades mais altas do mundo. Entretanto, por conta disto seu espaço público tem grande vitalidade e recebe em troca a preferência daqueles que buscam um custo mais acessível e procuram as comodidades igualitárias de acesso pedestre. Não surpreende que nesta era da motorização o bairro tenha atraído para si um número extraordinário de habitantes idosos e sem automóveis.
Quando o processo de crescimento é dispersivo, como no caso de Fortaleza, a urbanização “frouxa” comprovadamente consome terra em excesso, torna o transporte inviável, separa os membros das comunidades, consolida a alta dependência energética, destrói recursos naturais, aumenta o tempo das viagens, reduz o coeficiente de uso de infraestruturas, intensifica a poluição aérea, favorece o crescimento da violência e incrementa os custos da cidade.
Embora não pareça aos olhos de muitos, as experiências urbanas demonstram que a forma de crescimento urbano desejável para as metrópoles não é a expansão “frouxa” calibrada por baixas densidades. Desde três décadas atrás as cidades estão controlando suas expansões e priorizando a intensificação do uso do solo por meio de inserção de novas estruturas no tecido urbano existente. Dessa maneira se dá o crescimento urbano a partir de repovoamento “por dentro”, com base nos seguintes atributos: altas densidades bem administradas; mistura complementar de usos; novos usos para velhas estruturas; novas estruturas verticalizadas e assentamento do desenvolvimento urbano em corredores de transporte. Esse padrão urbanístico é comprovadamente uma forma de crescimento mais sustentável que as dispersões urbanas apoiadas no “inchaço” descontrolado. Embora persistam pequenas divergências sobre o assunto considera-se que uma densidade líquida média capaz de produzir bons rendimentos cruzados em termos infraestruturais, econômicos e socioambientais, estaria em torno 500 a 1.000 hab./ha. Na escala técnica do urbanismo uma densidade de 1 a 100 hab./ha é considerada baixa, como nos casos da Los Angeles super-motorizada e de muitos bairros de Fortaleza com transporte deficiente. Densidades médias são consideradas de 100 a 600 hab./ha, onde se enquadram Paris em sua zona histórica e Brasília nas super-quadras. Altas densidades alcançam uma relação acima de 600 hab./ha e correspondem à Aldeota contemporânea, Higienópolis e nos casos extremos, territórios restritivos à urbanização como Copacabana, Hong Kong e setores de cidades da Holanda, da China, do Líbano, do Japão e da Índia.
Não resta dúvida de que ainda intensificaremos bastante nosso uso do solo para obter ajustes do crescimento urbano às expectativas de equidade e justiça que se concretizarão na melhor distribuição de oportunidades acessíveis. Altas densidades também podem resultar em melhor economia, habitações a preços mais acessíveis, segurança e conforto urbano. A oferta de padrões habitacionais se arranjará com seus complementos e, além disso, será diversificada em níveis de renda e estilos de vida. Graças a este tipo de arranjo as habitações se situarão prioritariamente em conveniências de acesso ao trabalho, aos centros de educação e aos centros de comércio, com redução da dependência do transporte motorizado.
Fausto Nilo é Arquiteto e urbanista
Fonte: O Povo
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