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Prisão de Gbagbo não encerra crise na Costa do Marfim

A prisão do presidente da Costa do Marfim, Laurent Gbagbo, com apoio de tropas francesas e das Nações Unidas, pode ter significado uma vitória parcial para as forças aliadas a Allasanne Ouatara, mas está longe de representar o fim da crise no país. Ouattara, reconhecido pela ONU como presidente eleito do país, assume um país dividido, assolado pela guerra civil. Os confrontos continuam em várias áreas.

Segundo o correspondente da BBC em Abidjan, Mark Doyle, tiros isolados podiam ser ouvidos nas ruas da cidade nesta terça-feira. No entanto, segundo ele, não está claro quem são os responsáveis pelos disparos.

Doyle afirma ainda que morteiros estão sendo disparados em Abidjan, e que a lei não está sendo aplicada na cidade, que praticamente não tem policiais nas ruas. Analistas apontam que a legitimidade de Ouattara pode ser afetada pelas acusações de que suas forças mataram centenas enquanto varriam o país a caminho de Abidjan, o que seus auxiliares negam. Na verdade, ambos os lados vêm sendo acusados de violar os direitos humanos.

O repórter da BBC diz que, nesse contexto, a prioridade de Ouattara é restaurar a segurança. Em um pronunciamento feito na TV nessa segunda, Ouattara afirmou que Gbagbo, sua mulher e seus "colaboradores" serão investigados por autoridades judiciais, mas que medidas serão adotadas para garantir a integridade física do ex-presidente.

Ouattara anunciou também que uma comissão de verdade e reconciliação será formada para documentar os crimes e violações contra os direitos humanos que ocorreram nos últimos meses.

De acordo com Doyle, vários moradores de Abidjan dizem ainda ter muito medo de sair de casa, sob risco de serem pegos por atiradores. Alguns residentes estão presos dentro de casa há vários dias devido ao conflito, segundo o correspondente.

"Na noite passada houve disparos perto das 23h (horário local)", afirmou Jacques Kouakou, um morador, à Reuters por telefone. "Quando acordamos esta manhã, descobrimos que 14 jovens da vizinhança haviam sido mortos a tiros."

Cerca de 1,5 mil pessoas já foram mortas desde o início dos confrontos, quatro meses atrás, enquanto aproximadamente 1 milhão de marfinenses tiveram de deixar as suas casas em todo o país, que é o maior produtor de cacau do planeta.

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, pediu a Ouattara que evite um novo "banho de sangue" e garanta que não aconteçam represálias contra os seguidores do ex-presidente Laurent Gbagbo. Ban também solicitou que se forme um governo de unidade nacional para ajudar a resolver as divisões do país, segundo o porta-voz dele.

O governo francês anunciou também nesta terça que dará uma ajuda financeira de 400 milhões de euros à Costa do Marfim para ajudar os moradores e reiniciar os serviços públicos em Abidjan.

"Golpe"

Um conselheiro do ex-presidente Gbagbo acusou, nesta terça-feira, em Paris, a França de ter promovido um golpe de Estado para apoderar-se dos recursos da Costa do Marfim, e insistiu que os "elementos das forças especiais francesas sequestraram" seu dirigente.

"Laurent Gbagbo foi sequestrado por elementos das forças espaciais francesas que o levaram ao Golf Hotel", sede de seu adversário Alassane Ouattara, reconhecido presidente pela comunidade internacional, declarou Toussaint Alain em uma coletiva de imprensa.

"A intervenção militar (da França) atenta gravemente contra a soberania de nosso país. Trata-se de um golpe de Estado que não tem mais que o desejo de apoderar-se dos recursos da Costa do Marfim", acrescentou.

"Intervencionismo francês"

Destacados membros do Partido Socialista francês pediram neste domingo explicações ao governo sobre a operação militar denominada Licorne e seu papel na Costa do Marfim. O porta-voz do partido, Benoît Hamon, declarou na emissora de televisão "Canal Plus" que é necessário "esclarecer" o papel da Licorne no país africano.

Hamon afirmou que não é desejável "que as forças francesas se comprometam com grupos que teriam perpetrado massacres", um dia depois que a organização Human Rights Watch (HRW) denunciou assassinatos em massa perpetrados por ambos os lados na Costa do Marfim.

Anteriormente, o ex-primeiro-ministro francês, o também socialista Laurent Fabius, havia afirmado à rádio "Europe 1" que o governo corre o risco de cometer um excesso de "intervencionismo" militar no exterior, tanto por seu papel na Costa do Marfim como pelas operações no Afeganistão e Líbia.

"O que quero dizer é: intervenção da França quando estiver justificada, sim; intervencionismo que nos leve ao afundamento, não", declarou.

A França, antiga potência colonial, aumentou nos últimos dias de 900 para mais de 1.600 o número de soldados de sua operação militar Licorne na Costa do Marfim, cuja missão seria dar assistência à ONU e proteger s cerca de 14 mil franceses que residem no país africano.

Mídia

“Gbagbo deposto, uma vitória para a França e para a ONU”, congratula-se o jornal francês Le Figaro, no dia seguinte à detenção do presidente da Costa do Marfim, encabeçada por soldados fiéis ao seu sucessor, Alassane Ouattara, reconhecido pela comunidade internacional e apoiado pela força militar da França, o antigo país colonizador.

O Libération, destaca, por seu lado, “a estratégia arriscada de Sarkozy”, que “ se arrisca a ser acusado de recuperar as velhas práticas intervencionistas da França-África”. “Paris será julgado pelas suas relações com o novo regime, mesmo que os partidários de Alassante Ouattara sejam acusados em investigações como a da Human Rights Watch, de massacres e de limpezas étnicas”, assegura ao jornal um especialista em África e no Médio Oriente.

Com agências