Celso Lungaretti: O Futebol-Arte vive
Foi de lavar a alma a confirmação do Barcelona como o melhor time da Europa em 2011 e, implicitamente, como o grande esquadrão do futebol mundial neste início do século 21.
Por Celso Lungaretti, em seu blog*
Publicado 29/05/2011 17:36
Por um regulamento insólito, o Barça teve de decidir a Copa dos Campeões em território inimigo: o estádio da Finalíssima é antecipadamente definido, pouco importando quem dela venha a participar.
Mas, foi como se jogasse no Camp Neu: comandou a partida, teve mais posse de bola, o quadrúplo de arremates a gol, foi sempre o time mais perigoso, pintou e bordou.
Os 1 a 3 saíram baratos para o Manchester United — cujo gol, aliás, foi antecedido por um impedimento ignorado pela arbitragem.
Já não há dúvida nenhuma de que o Barça é o melhor time do futebol mundial desde o Santos da "Era Pelé".
Com a diferença de que, naquele tempo, a maioria jogava futebol-arte. Tanto que acontecia de o Santos enfiar 7 a 3 no Palmeiras no 1º turno do Campeonato Paulista (de 1959) e receber um 1 a 5 de troco no returno.
Ou, numa tarde de 1964, o Corinthians, na preliminar, conquistar o campeonato de aspirantes arrasando o Santos por 6×3 (na última partida de Rivelino antes de ascender ao time principal); e, no jogo de fundo, sofrer um 4×7 que deu o título ao Santos com uma rodada de antecedência.
Vinte tentos em duas partidas decisivas! Inimaginável nos dias de hoje…
Agora a tônica é dada pelos esquemas covardes do futebol-força, com a prioridade de evitar gols sempre prevalecendo sobre a de marcar gols.
O Barça está sendo o único a procurar a vitória o tempo todo, contra todos os adversários. Representa a antítese da feiúra e calculismo, justificados como "competitividade". Prova que se pode dar espetáculo sem prejudicar as chances de vitória, muito pelo contrário.
Desenvolveu uma filosofia de jogo baseada:
- numa defesa flutuante, que não se fixa toda lá atrás e tenta sempre roubar a bola dos adversários para iniciar um contra-ataque fulminante;
- numa valorização extrema da posse de bola, por meio de uma habilidade igualmente extrema de trocar passes curtos sem ser desarmado, até que surge uma oportunidade de lançamento certeiro para colocar o atacante na cara do gol; e
- das jogadas desconcertantes de Messi, capaz de demolir qualquer esquema defensivo com sua genialidade, como fez na primeira semifinal contra o Real Madrid (o jogo terminava, os jogadores do Barça iam administrando a vitória por 1 a 0, então o craque não tinha ninguém para ajudar quando recebeu a bola no ataque, mas enfiou-se pelo meio de cinco adversários e marcou um golaço, deixando estupefatos os merengues).
A única restrição que se pode fazer à equipe catalã é a de haver tornado o futebol previsível demais; foi o que um jornalista espanhol escreveu. A vitória virou regra e as derrotas, cada vez mais raras exceções (uma com a força máxima e outra poupando titulares, nos 38 jogos do último Campeonato Espanhol, conquistado pelo Barça com um aproveitamento de 84% dos pontos disputados).
Isto também faz lembrar o grande Santos de meio século atrás. Já não assistíamos às partidas para saber quem iria ganhar, mas sim para nos deliciarmos com a arte de Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe.
Assim como neste sábado a superioridade do Barça foi tão grande que nunca pareceu haver a mínima chance de vitória do Manchester United. O atrativo real eram as jogadas magníficas dos virtuoses da bola, que não decepcionaram os fãs: seus três gols foram belíssimos, assim como alguns perdidos também o seriam.
O futebol-arte vive. Infelizmente, só do outro lado do oceano.
Enquanto isto, temos por aqui técnicos como Muricy Ramalho, que transformam times goleadores em equipes com excelência defensiva e ataques esparsos, para os quais 1 a 0 é lucro.
*Jornalista e escritor.
Fonte: Blog Náufrago da Utopia