O Papel de Casagrande

* Por Namy Chequer

(veiculado no Jornal A Gazeta 04 de Julho de 2011)

Nada mais natural a proclamação do governador Renato Casagrande (PSB),na posse dele, de que iria ouvir o povo no exercício do mandato.Afinal, ele teve quase 90 por cento dos votos, recomendados oficialmente por 16 partidos políticos – a maior aliança já edificadano Espírito Santo, sem contar com as dissidências do DEM e do PSDB,que formalmente tinham outro candidato. Meses antes, e isto está namemória política do Espírito Santo, Casagrande e seu partido giravamem torno do toco, sozinhos. De um dia para outro, os 15 partidos queaté então erguiam a candidatura de Ricardo Ferraço (PMDB),acompanharam Paulo Hartung (PMDB) na troca do candidato a governador.Portanto, a aliança não fora montada pelo Casagrande. Ela já estavapronta e era resultado de anos de esforço para harmonizar a políticacapixaba.

Dez anos antes as forças políticas estavam muito divididas no EspíritoSanto. Parte dos políticos representava tão somente a eles próprios.Para estar na Assembléia Legislativa, por exemplo, não era necessáriocorresponder a qualquer segmento social organizado. Em inúmerasprefeituras havia prefeitos eleitos por esquemas utilitaristas. Era aépoca da eleição amealhada no festival de sinecuras disfarçadas deboca-de-urna. O desbotamento da política capixaba decorrera dodesarranjo no sistema local, atingido pela crise que se seguiu aaplicação do projeto neoliberal no País. Projeto que, em especial, noEspírito Santo, apresentou sua mais dura conseqüência – as privatizações das maiores empresas, com a transferência dos seus controles para centros inacessíveis aos capixabas. Era a época que o governador só ia saber da aquisição da Garoto pela Nestlé, ou do GrupoRonceti pelo Carrefour, pela Internet. O Estado e seus representados pouco valiam concretamente.

Com a crise jogando a aventura neoliberal às cordas, o Brasil de Lulalogo abriu perspectiva para um outro caminho, pelo qual enveredariam quase todos os países sul-americanos. Antenado, Hartung operou namesma sintonia. Mudanças no mundo, no continente, no Brasil e no Espírito Santo, com agendas comuns e também específicas. Na impossibilidade da união de forças tão heterogêneas, Hartung buscou uma política de harmonização. Assim, os grupos municipais puderammanter as disputas tradicionais, sem que isto comprometesse o apoio detodos ao governo estadual. Foi quase que uma refundação da políticacapixaba, com adesões espontâneas. Ganhou forma um sistema que deixou poucos de fora: os Mauro e o Gratz, num primeiro momento, e depois Psol e Vidigal, que se recomporia em seguida. A eleição de Renato Casagrande para o Senado em 2006, unindo PSDB e PT é prova eloqüenteda política de harmonização.

Esta harmonização, é claro, não foi algo neutro. Nem foi uma harmonização pela harmonização. Tinha, e certamente ainda tem apenas um valor tático. Se for tático, serve a algo estratégico. E o que seria este objetivo estratégico. Bom, aí é que começa a discussão. Este é o ponto. Qual é o projeto? A que classe ele serve? O que se pretende do Espírito Santo? Do ponto de vista histórico, todos sabemos, são inconciliáveis os interesses dos trabalhadores com os da burguesia, o capitalismo está superado, etc. Mas do ponto de vista político o tempo é outro. Vivemos o tempo da construção de consensos para superação de atrasos herdados da nossa história de estado com desenvolvimento retardatário. Nossa industrialização brusca deixou déficits sociais, ambientais, desigualdades…

Da mesma forma que o Brasil não pode continuar sendo a sétima economia mundial mantendo 30 milhões de brasileiros na pobreza extrema – daí aprioridade da presidenta Dilma -, o Espírito Santo tem um dever de casa a fazer. Casagrande foi escalado para liderar um projeto que não nasceu dele, mas que a ele foi entregue por totalidade das forças políticas e dos capixabas. Sob pena da harmonização que lhe deu a eleição mais fácil que se tem notícia não ter valido para nada. Está entrando na agenda do Brasil o debate sobre um novo projeto nacional de desenvolvimento. Ao contrário de outros que já tivemos, este sedaria nos marcos de uma democracia consolidada. Poderá ser o nosso próprio projeto de nação para o século XXI. O Espírito Santo tem importante papel a jogar. Todos sabemos onde Casagrande nasceu,estudou, leu e se exercitou como gestor público. Ninguém cobra dele nenhum governo olímpico.

Além dos problemas do dia-a-dia relacionados à segurança, educação e saúde, o governador tem pela frente três desafios que dependem da sinergia com as forças políticas, sociais e econômicas do Espírito Santo e de fora. A primeira questão é melhorar a relação com o Governo Federal – já que é notório o distanciamento dele com a presidenta. Afinal, não obstante a eleição de Casagrande ter se dado no primeiro turno, Dilma perdeu aqui. O outro desafio é não deixar o estado em desvantagem na mudança tributária (Fundap) pretendida no Brasil. A terceira questão, e a mais séria, é a que diz respeito aos disputados royalties do pré-sal. Os capixabas conhecem bem o que está na agendado Espírito Santo e sabem que dela não faz parte a invenção da roda. Capixabas… Incluindo os estudantes.

*Namy Chequer é jornalista e vereador do PCdoB Vitória ES