Cazuza, o poeta rebelde do rock brasileiro
Faz 21 anos que Agenor de Miranda Araújo Neto morreu, mas o seu codinome Cazuza continua vivo nas canções que tão bem representam a rebeldia juvenil dos anos 1980 e ainda hoje faz parte do nosso show.
Por Marcos Aurélio Ruy*
Publicado 07/07/2011 15:02
Falar da morte de alguém sempre é doloroso, mas no caso de artistas, escritores e outras importantes personalidades, relembrar suas criações é importante para registrar um momento histórico do país. É o caso do compositor, poeta e cantor Cazuza.
Nascido em 4 de abril de 1958, no Rio de Janeiro, ele se tornaria um dos grandes nomes da música popular brasileira. Juntamente com o Barão Vermelho – banda de Cazuza – surgiram os Titãs, Os Paralamas do Sucesso, Legião Urbana, entre outras bandas que conquistaram o público jovem, principalmente, por tratarem de temas próprios dessa faixa etária de brasileiros.
Ao lado de grandes como Renato Russo (Legião Urbana), Arnaldo Antunes (Titãs), Herbert Vianna (Paralamas), Cazuza foi chamado de o “poeta do rock brasileiro”. Iniciou sua carreira profissional como vocalista do Barão Vermelho em 1982. Com o Barão faria uma de suas canções marcantes: “Pro dia Nascer Feliz”, em que dizia “estamos meu bem por um triz pro dia nascer feliz”, antecipando-se ao período final da ditadura fascista (1964-1985).
“O Brasil saía de um longo ciclo ditatorial e vivia um clima de democracia ainda incipiente, mas suficiente para liberar as energias contidas. Cazuza desempenhou um papel importante nesse processo. E quando as misérias e mazelas nacionais foram se desnudando, ele respondeu sem meias palavras”, diz o site www.cazuza.com.br. Por coincidência, Cazuza parte para a carreira solo em 1985, quando acaba a ditadura.
Filho de classe média, inclusive com o pai presidente da gravadora Som Livre, atualmente pertencente às organizações Globo, poderia seguir a trilha do pop-rock comercial como muitos fizeram, mas dirigiu-se pelo caminho da contestação e destilou sua rebeldia, sob influência da guitarra inovadora do rock de Jimi Hendrix, pela voz rouca bluezística de Janis Joplin, pelo som meio inconseqüente dos Rolling Stones, mas também por grandes autores da MPB, como Lupicínio Rodrigues, Noel Rosa, de Dolores Duran, Maysa, Caetano Velos, Gilberto Gil, Rita Lee, entre outros. Mas o seu grande ídolo também se chamava Agenor, de codinome Cartola.
Irreverência inteligente
Incentivado pelo pai, ingressou no curso de Comunicação, mas permaneceu no curso apenas um mês, já antevendo o que se tornaria nossa mídia convencional. Cazuza mostrou irreverência por onde passou e em suas poesias e com um som misturado que chegou ao samba-rock “Brasil”, dizia: “Não me sortearam/A garota do Fantástico/Não me subornaram/Será que é o meu fim?/Ver TV a cores/Na taba de um índio/Programada/Pra só dizer ‘sim’, ‘sim’”, mostrando sua verve ácida que ganhou contornos mais nítidos na música “Burguesia”, ao afirmar que “a burguesia fede”, fede a perfume francês importado e caríssimo ,e conclui: “enquanto houver burguesia não vai haver poesia”.
A obra de Cazuza permanece viva em canções de fino trato, com poesias e melodias criadas com espontaneidade, mas crítico, com uma visão de mundo específica, mas também social, os anseios de uma juventude que se via livre das amarras de uma ditadura e iniciava seus passos para a vida em liberdade. Suas canções estão presentes na trilha sonora de todos que sonham com vida digna para as pessoas. Canções como “Todo Amor que Houver Nessa Vida”, “Maior Abandonado”, “Bete Balanço”, “Codinome Beija-flor”, “Ideologia”, “O Tempo Não Para”, “Faz Parte do Meu Show”, “Vida Louca Vida” estão na história da MPB.
Bissexual assumido, toxicômano, Cazuza morreu vítima do vírus HIV, pesando menos de 38 quilos em 7 de julho de 1990. Deixou um legado fundamental em qualquer discografia da MPB. Para a cineasta Sandra Werneck, “Cazuza era um homem apaixonado pela vida. Com ela, nutria sua poesia. E, com sua poesia, se entregava ao amor.” As músicas de Cazuza tornaram-se hinos de uma juventude que sonha com uma vida menos desigual.
*Colaborou Fernanda de Sousa Coelho Ruy
Abaixo alguns vídeos para mostrar a força desse grande compositor brasileiro.
O Tempo Não Para (com Arnaldo Brandão, 1988)
Disparo contra o sol
Sou forte, sou por acaso
Minha metralhadora cheia de mágoas
Eu sou um cara
Cansado de correr
Na direção contrária
Sem pódio de chegada ou beijo de namorada
Eu sou mais um cara
Mas se você achar
Que eu tô derrotado
Saiba que ainda estão rolando os dados
Porque o tempo, o tempo não para
Dias sim, dias não
Eu vou sobrevivendo sem um arranhão
Da caridade de quem me detesta
A tua piscina tá cheia de ratos
Tuas ideias não correspondem aos fatos
O tempo não para
Eu vejo o futuro repetir o passado
Eu vejo um museu de grandes novidades
O tempo não para
Não para, não, não para
Eu não tenho data pra comemorar
Às vezes os meus dias são de par em par
Procurando agulha num palheiro
Nas noites de frio é melhor nem nascer
Nas de calor, se escolhe: é matar ou morrer
E assim nos tornamos brasileiros
Te chamam de ladrão, de bicha, maconheiro
Transformam o país inteiro num puteiro
Pois assim se ganha mais dinheiro
A tua piscina tá cheia de ratos
Tuas ideias não correspondem aos fatos
O tempo não para
Eu vejo o futuro repetir o passado
Eu vejo um museu de grandes novidades
O tempo não para
Não para, não, não para
Dias sim, dias não
Eu vou sobrevivendo sem um arranhão
Da caridade de quem me detesta
A tua piscina tá cheia de ratos
Tuas ideias não correspondem aos fatos
O tempo não para
Eu vejo o futuro repetir o passado
Eu vejo um museu de grandes novidades
O tempo não para
Não para, não, não para
Brasil (com Nilo Romério e George Israel, 1988)
Não me convidaram
Pra esta festa pobre
Que os homens armaram
Pra me convencer
A pagar sem ver
Toda essa droga
Que já vem malhada
Antes de eu nascer…
Não me ofereceram
Nem um cigarro
Fiquei na porta
Estacionando os carros
Não me elegeram
Chefe de nada
O meu cartão de crédito
É uma navalha…
Brasil!
Mostra tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil!
Qual é o teu negócio?
O nome do teu sócio?
Confia em mim…
Não me convidaram
Pra essa festa pobre
Que os homens armaram
Pra me convencer
A pagar sem ver
Toda essa droga
Que já vem malhada
Antes de eu nascer…
Não me sortearam
A garota do Fantástico
Não me subornaram
Será que é o meu fim?
Ver TV a cores
Na taba de um índio
Programada
Prá só dizer "sim, sim"
Brasil!
Mostra a tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil!
Qual é o teu negócio?
O nome do teu sócio?
Confia em mim…
Grande pátria
Desimportante
Em nenhum instante
Eu vou te trair
Não, não vou te trair…
Brasil!
Mostra a tua cara
Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil!
Qual é o teu negócio?
O nome do teu sócio?
Confia em mim…(2x)
Confia em mim
Brasil!!
Pro Dia Nascer Feliz (com Frejat, 1982)
Todo dia a insônia me convence que o céu
Faz tudo ficar infinito
E que a solidão é pretensão de quem fica
Escondido fazendo fita
Todo dia tem a hora da sessão coruja
Só entende quem namora
Agora 'vão bora'
Estamos meu bem por um triz pro dia nascer feliz (2x)
O mundo acordar e a gente dormir, dormir
Pro dia nascer feliz
Essa é a vida que eu quis
O mundo inteiro acordar e a gente dormir
Todo dia é dia e tudo em nome do amor
Essa é a vida que eu quis
Procurando vaga uma hora aqui, a outra ali
No vai-e-vem dos teus quadris
Nadando contra a corrente só pra exercitar
Todo o músculo que sente
Me dê de presente o teu bis
Pro dia nascer feliz (2x)
O mundo inteiro acordar e a gente dormir, dormir
Pro dia nascer feliz (2x)
O mundo inteiro acordar e a gente dormir
Ideologia (1989)
Meu partido
É um coração partido
E as ilusões
Estão todas perdidas
Os meus sonhos
Foram todos vendidos
Tão barato
Que eu nem acredito
Ah! eu nem acredito…
Que aquele garoto
Que ia mudar o mundo
Mudar o mundo
Frequenta agora
As festas do "Grand Monde"…
Meus heróis
Morreram de overdose
Meus inimigos
Estão no poder
Ideologia!
Eu quero uma pra viver
Ideologia!
Eu quero uma pra viver…
O meu prazer
Agora é risco de vida
Meu sex and drugs
Não tem nenhum rock 'n' roll
Eu vou pagar
A conta do analista
Pra nunca mais
Ter que saber
Quem eu sou
Ah! saber quem eu sou..
Pois aquele garoto
Que ia mudar o mundo
Mudar o mundo
Agora assiste a tudo
Em cima do muro
Em cima do muro…
Meus heróis
Morreram de overdose
Meus inimigos
Estão no poder
Ideologia!
Eu quero uma pra viver
Ideologia!
Pra viver…
Pois aquele garoto
Que ia mudar o mundo
Mudar o mundo
Agora assiste a tudo
Em cima do muro
Em cima do muro…
Meus heróis
Morreram de overdose
Meus inimigos
Estão no poder
Ideologia!
Eu quero uma pra viver
Ideologia!
Eu quero uma pra viver..
Ideologia!
Pra viver
Ideologia!
Eu quero uma pra viver…