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Nassif: Chico, Caetano, Simonal e a MPB nos tempos da ditadura

Acompanhei de perto esse período mencionado pelo historiador Gustavo Alonso – que na entrevista a Pedro Alexandre Sanches, na revista Fórum analisa a politização da música brasileira no período da ditadura. Aliás, desisti de ser crítico de música da Veja, aos 24 anos, devido ao terrível patrulhamento que permeava o setor – como uma compensação pelo fato de pouco se poder falar contra a ditadura na política e na economia.

Por Luis Nassif, em seu blog

Criou-se um clima terrível, no qual as maiores vítimas eram os músicos, tanto os amaldiçoados, como Simonal, como os medalhões, como Chico e Caetano.

Jamais Chico ou Caetano se arvoraram em líderes contra a ditadura. Sempre foram suficientemente inteligentes para perceber seus limites políticos. Preocupavam-se em exercitar sua arte e a reagir aos esbirros da censura.

E jamais Chico Buarque se outorgou o papel de símbolo. Sua estatura moral decorreu da sua música, do seu caráter, de nunca ter se metido em quizílias, em jogadas oportunistas. Geraldo Vandré foi o único compositor de peso no período a pretender um ativismo um pouco além da música — mas sempre usando a música como arma.

O grande problema é que a MPB, apesar de um público universitário amplo, era muito pequena para exercer qualquer papel político significativo. Vinha de uma certa tradição latino-americana erigir músicos em líderes populares — Violeta Parra, por exemplo. Como era um dos poucos setores com espaço na mídia, foi o próprio jornalismo cultural — e o Pasquim — que tentou transformar músicos em heróis ou vilões.

E, obviamente, a enorme burrice dos censores, procurando pelo em ovo — eu, insignificante compositor mal saído da adolescência, tive uma música censurada em um Festival Universitário porque a letra (de meu parceiro João Cleber Jurity) falava em "bengala gala", e o censor descobriu que no nordeste "gala" significava esperma de galo.

O tom do patrulhamento foi dado pelo Pasquim, com seu estilo complicado — havia o Cemitério dos Zumbis, de Henfil, que chegou a "enterrar" Elis Regina e Clarice Lispector por serem "alienadas"

Tanto Chico quanto Caetano se tornaram malditos do regime por suas incursões estéticas, por suas músicas e peças, Chico pela intragável Roda Viva, Caetano e Gil pelo Tropicalismo.

(Em São João da Boa Vista alugamos um ônibus para assistir o Roda Viva. Voltamos absolutamente decepcionados com a agressividade gratuita da peça, com os atores procurando "interação" forçada com o público.)

Na época, qualquer evento era motivo para manifestações barulhentas dos estudantes, muitas vezes sem nenhum filtro ideológico.

Não se deve esquecer que os três foram tremendamente vaiados pelos universitários "politizados" — Chico no episódio do Sabiá, Caetano e Gil no Festival Internacional, com É Proibido Proibir. A música, aliás, era um desabafo contra a censura dos militares mas também contra o patrulhamento dos militantes.

Mais do que contra o regime militar, era contra o terrível clima de disputas políticas (no âmbito do público universitário) que sufocava qualquer manifestação artística. O CCC espancou os atores do Roda Viva; os politizados espancaram Sabiá. Os mpbzistas fizeram passeatas (!) contra a guitarra e contra a Jovem Guarda.

Havia uma ebulição permanente no ambiente universitário que seria para tudo e para nada, muitas vezes sem nenhum filtro ideológico mais apurado.

Lembro-me de outro festival universitário da Tupi, no qual Fernando Faro tentou inovar montando uma proposta estética diferenciada. Minhas músicas "certinhas" foram desclassificadas. Entrou uma música experimental (bem ruinzinha).

Com receio da indiferença, resolvemos ao menos provocar vaias. E entramos no palco vestidos de mendigos. Foi uma vaia só. Aí o apresentador pegou o microfone, espinafrou o público, disse que era contra o que fazíamos mas defenderia até a morte nosso direito de fazer. E o público se calou, para nossa decepção.

Nome do apresentador: Flávio Cavalcanti, símbolo máximo do regime militar na televisão. Voltamos para São João e Poços decepcionados: nossos ídolos, os agitadores universitários de São Paulo, calavam-se como crianças mal comportadas levando bronca do bedel.

Chico se consagrou com o grito de desabafo Apesar de Você, refletindo o maravilhoso estado de espírito nacional, quando a democracia começa a voltar; assim como Coração de Estudante, de Milton Nascimento. Mas, mal começou a abertura, com a antiga oposição tomando o poder e se esfarelando em disputas por cargos, deu uma entrevista tirando o time de campo.

Não se leu mais entrevista política de Chico, apenas manifestações de apoio a Lula em períodos eleitorais. É injusto com ele falar em oportunismo político com Apesar de Você. Ora, se o compositor popular não capta o clima da opinião pública, que raio de popular é ele?

O grande problema da análise da MPB no período — que acomete a internet, nas disputas ideológicas — é se tomar a parte pelo todo. A parte era um mundo pequeno, composto de críticos, músicos e um público restrito.

Como constata Alonso, a maioria da população apoiava a ditadura. E amava Chico.