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Caravana da Anistia repara danos a 35 perseguidos políticos

Vremir Scliar, irmão do escritor Moacyr Scliar e perseguido político na ditadura militar, foi o primeiro dos 35 presentes a receber anistia em Porto Alegre, dia 26 (sexta), durante a celebração de dez anos da Comissão de Anistia e a 50ª edição da Caravana da Anistia. O ato teve a presença da ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, da presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, Manuela D’Ávila (PCdoB), e de representantes do Justiça gaúcha

Filho de Jango - Ramiro Furquim - Sul21

Ainda jovem e aspirante a promotor de justiça, o advogado gaúcho Vremir Scliar foi impedido de realizar concurso público para seguir a carreira desejada. Em 1965, ele teve o pedido de inscrição indeferido e anos mais tarde veio saber os motivos. Foi considerado “agressivo e agitador”, por participação em comício de apoio a Cuba e no curso de filosofia humanista do professor Jacob Gorender. “Participou de todo um curso sobre marxismo e inclusive foi ao galeto com o professor”, apontava o texto que tirou a possibilidade de Vremir tornar-se promotor no Rio Grande do Sul.

Quase 50 anos depois, nesta sexta-feira (26), ele foi anistiado, recebeu o pedido de desculpas por parte do Estado brasileiro e a reparação econômica e moral pelos danos sofridos na época.

O julgamento ocorreu na faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). A sessão foi uma das mais de 800 já realizadas fora da sede da Comissão Nacional de Anistia, em Brasília. “A Comissão foi criada a partir de uma lei aprovada por unanimidade no Congresso Nacional e é uma oportunidade de o Brasil se reconciliar com seus erros e pedir desculpas públicas às pessoas perseguidas no passado e, ao mesmo tempo, dar à juventude uma oportunidade de conhecer sua história e ter consciência das diversas formas de perseguição ocorridas no País”, destacou o presidente da Comissão de Anistia e Secretário Nacional de Justiça, Paulo Abrão.

Páginas perdidas

Vremir Scliar, irmão do escritor gaúcho Moacyr Scliar, foi o primeiro dos 35 perseguidos políticos gaúchos julgados na 50ª Caravana da Anistia, realizada em Porto Alegre. Para ele, que guarda na memória os nomes dos procuradores que o impediram de ser promotor, o momento foi mais que uma reconciliação. “Este episódio de hoje redescobre a história do Brasil e mostra para as novas gerações o que ocorreu e que os livros, fora alguns acadêmicos, não contam”, disse o hoje professor de Direito da Ufrgs.

Formado na mesma universidade em que leciona, Vremir vê que que a falta de politização na juventude atual é uma “anestesia” que precisa ser revertida. “Eu vejo em sala de aula que há uma grande confusão antropológica, sociológica, filosófica e até mental nos jovens de hoje. Este julgamento não resolve tudo, mas é uma etapa importante neste período de transição que vivemos no Brasil”, avaliou.

Caravana precisa ir à sala de aula

Para o presidente dos Serviços de Assessoria Jurídica Universitária (Saju) da Ufrgs, Marcelo Azambuja, a Caravana da Anistia é importante, mas a verdade sobre a história do Brasil precisa ser revelada nas escolas, para contribuir na formação dos cidadãos antes de entrar na universidade. “É inadmissível que ainda hoje no colégio militar os alunos aprendam sobre a ‘revolução democrática de 64’”, criticou.

As estudantes de Direito da Ufrgs, Vanessa Cabrini e Danielle Rodrigues, 23 anos, foram liberadas da aula para acompanhar a sessão da Comissão de Anistia e fizeram questão de testemunhar o julgamento dos perseguidos políticos. “Pesquiso sobre direitos humanos e essa experiência de ver a história viva é única. Sabemos que o que vemos aqui não encontraremos nos livros”, falou Vanessa.

Comissão da Verdade

Antes do julgamento, uma solenidade oficial marcou a celebração de dez anos da Comissão de Anistia e a 50ª edição da Caravana da Anistia. O ato teve a presença da ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, da presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, Manuela D’Ávila (PCdoB), e de representantes do Justiça gaúcha. O ministro José Eduardo Cardozo era esperado no evento, mas, por motivos de agenda, não compareceu.

O projeto de lei que cria a comissão está na Câmara desde maio e as famílias das vítimas da ditadura militar aguardam pela alteração do texto. Porém, o Secretário Nacional de Justiça, Paulo Abrão, disse que o esforço do governo segue sendo apenas para compor maioria para aprovação urgente do texto já enviado ao legislativo. “A proposta do governo é de não alterar o projeto que está em tramitação e aprová-lo tal qual ele está. Queremos aprová-lo até o final do ano.

O ministro Cardozo está em diálogo com a bancada de todos os partidos e destas reuniões estamos saindo com a convicção de que a defesa dos direitos humanos é suprapartidária e não está mais em meio a disputas políticas”, garantiu.

“Já temos apoio de todas as lideranças da casa”, ressaltou a ministra Maria do Rosário. Ela acrescentou que o projeto Memórias Reveladas, do Ministério da Justiça, “já indica boa parte da abertura dos arquivos de violação de direitos humanos no Brasil”. Mas alerta para os equívocos de alguns documentos escritos pelos próprios torturadores. “Não dá para nos iludirmos, porque ali existem registros dos que produziram a tortura e registravam de forma desrespeitosa falsidades e inverdades”, salientou.

50 caravanas e 50 anos da Legalidade

A escolha por Porto Alegre para realizar a 50ª Caravana da Anistia em agosto não foi ao acaso.
O evento iniciou as programações na capital no dia 25 de agosto, data simbólica para os gaúchos. O Rio Grande do Sul está em plena celebração dos 50 anos da Legalidade, quando o então governador Leonel Brizola liderava um movimento de resistência pela defesa da posse de João Goulart na presidência do Brasil.

Presente na solenidade, o filho mais velho do ex-presidente, João Vicente Goulart, recordou a coragem do pai, deposto pelo golpe militar que sufocou o País durante duas décadas, a partir de 1964. Ao receber um certificado de homenagem ao seu pai, ele pediu pela aprovação da Comissão da Verdade, em nome da memória que não pode ser esquecida.
Em homenagem a outras vítimas da história no período de exceção, a organização do evento exibiu um vídeo onde os demais gaúchos perseguidos políticos são citados.

Fonte: Sul21