Amélia Hamburger: uma história de luta por educação e democracia
O vereador Jamil Murad e seu partido, PCdoB, prestam justa homenagem à Professora Amélia Hamburger. O Diploma de Gratidão da Câmara Municipal de São Paulo é mais que merecido, “in memorian”, àquela que formou gerações de pesquisadores e defendeu com vigor a educação e a democracia.
Por Walter Sorrentino em seu blog
Publicado 24/09/2011 13:40
Conversei com Olival Freire Jr, físico, professor da UFBa, hoje na Secretaria do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, membro do Comitê Central de nosso partido. Admirador que sou dele e de seu trabalho, com quem comparti bons anos de aprendizado em São Paulo, sabia que ele havia sido orientando de mestrado da Amélia, e depois, no doutorado, orientando de Michel Paty, convidado exatamente por Amélia. A área era história e epistemologia da ciência. Então, Olival nos concedeu estas reflexões.
Caro Olival, você atuou de perto com a professora Amélia. Que lições você extraiu dessa convivência e que papel teve ela na tua formação?
Eu tive o privilégio de ter tido Amélia Hamburger como minha orientadora de mestrado em tema de história e epistemologia da ciência. A minha motivação para trabalhar com Amélia decorreu do nosso interesse comum no pensamento e ação de alguns físicos marxistas, entre os quais o francês Paul Langevin e o norte-americano David Bohm. Trabalhei muito próximo de Amélia por cerca de cinco anos, três no mestrado e os dois iniciais de meu doutoramento. Aprendi muito com Amélia quanto ao rigor com que se deve pesquisar em história e epistemologia da ciência, mas o que mais aprendi com ela foi o papel dos valores que devem estar presentes no trabalho acadêmico, os quais tenho buscado incorporar na minha própria atividade profissional. Em particular, fui muito influenciado pelo encorajamento que ela levava aos seus estudantes; pela sua busca da circulação internacional da nossa pesquisa, absorvendo contribuições estrangeiras mas sempre valorizando a nosso própria produção; pelo relacionamento profissional que ela estabelecia com seus estudantes, sem subordinar este relacionamento a identidades políticas ou ideológicas com seus estudantes, ela dizia que havia aprendido isto com Mário Schenberg com quem conviveu de perto, tendo sido mais tarde a editora de suas obras científicas completas.
Ela pode ser considerada uma cientista de mão cheia, no sentido de formar gerações de pesquisadores, difusora de cultura científica e, de certo modo, “caçadora” de talentos… Bons tempos para a universidade!
Amélia foi uma difusora da cultura pelo seu envolvimento com iniciativas que visavam a circulação mais ampla da ciência e da cultura. Dentre estas atividades, destaco duas que conheci mais de perto. No início dos anos 1980 ela foi a responsável pela vinda ao Brasil, como Professor Visitante, do físico e filósofo francês Michel Paty. Michel já conhecia o Brasil porque tinha estado na Universidade de Brasília, tendo dela saído na crise gerada pelo regime militar em 1965. Nos quase 20 anos sem retornar ao Brasil ele havia se convertido de físico em filósofo e Amélia trouxe-o de volta ao Brasil nesta dupla condição. Desde então ele estabeleceu uma relação duradoura e consistente com os meios intelectuais brasileiros, relação que perdura até os dias atuais. Eu tive também o privilégio de ter sido orientado, no meu doutoramento, por Michel Paty. Desse modo, posso dizer minha trajetória acadêmica foi fortemente formatada pela influência direta e indireta de Amélia Hamburger. No final dos anos 1980 ela foi dos primeiros brasileiros a participar de um movimento internacional visando a aproximação entre a história e filosofia da ciência, de um lado, e a educação em ciências, de outro. Este movimento, sob a liderança do australiano Michael Matthews ganhou grande impulso no mundo inteiro e no Brasil em particular. A criação do Programa em Ensino, Filosofia e História das Ciências na Bahia, por exemplo, foi influenciado por este movimento. Amélia contribuiu também decisivamente para a preservação do legado cultural do teatrólogo Flávio Império, seu irmão.
Jamil Murad e a Câmara de Vereadores convidaram você, Alfredo Bosi, Fernando Henrique Cardoso entre outros, para a sessão solene desta segunda feira, 26, 19 horas. Como você vê então o significado da homenagem pela Câmara, nos múltiplos papeis que teve Amélia?
Trata-se de homenagem póstuma, concessão da Medalha Anchieta e Diploma de Gratidão da Cidade de São Paulo e é plena de significados. Amélia, além de uma vida inteiramente dedicada à ciência e à cultura, nunca deixou de adotar posicionamentos políticos claros e incisivos. Depois de uma carreira de pesquisadora em Física ela passou a se dedicar a pesquisas em educação, história e epistemologia da ciência, e psicologia da aprendizagem. Neste trajeto, além de uma obra intelectual própria expressa em livros e artigos, ela contribuiu diretamente para a formação pós-graduada de mais de uma dezena de estudantes e contribuiu indiretamente na formação de outros tantos. Foi uma das fundadoras da Sociedade Brasileira de Física, atuou na direção da SBPC e da ADUSP e na Sociedade Brasileira de História da Ciência. Com seu marido, Ernesto, também professor do Instituto de Física da USP, foram vítimas das perseguições políticas durante o regime militar, tendo sido presos no início dos anos 1970. O protesto de cientistas estrangeiros junto ao governo brasileiro certamente influenciou a liberação dos mesmos.
Ao homenagear Amélia Hamburger a Câmara Municipal de São Paulo reconhece o papel extremamente positivo desempenhado por um de seus cidadãos no terreno da cultura, da ciência, da educação e da política.
Obrigado, Olival, até segunda feira!
Parabéns, Jamil Murad, pelo exemplo e pela iniciativa!