O violão vadio exuberante de Baden Powell
Há 11 anos, no dia 26 de setembro, a música popular brasileira perdia um dos seus grandes músicos, o violonista Baden Powell de Aquino.
Por Marcos Aurélio Ruy
Publicado 26/09/2011 13:15

Baden Powell, juntamente com Vinicius de Moraes, criou o chamado afro-samba, numa das principais parcerias da música popular brasileira. Baden percebeu que os “cânticos afros tinham semelhança com os gregorianos e passou a compor melodias em cima das duas vertentes”, afirma texto do site www.biscoitofino.com.br.
Baden, que estudava música gregoriana, entusiasmou-se pelo candomblé e a sua música, e Vinicius era encantado com o samba de roda e o candomblé da Bahia. Os dois, que se conheceram em 1962, gravaram o LP “Afro-sambas” em 1966, tornando-se uma das parcerias mais profícuas da MPB. É desse disco o clássico “Canto de Ossanha”.
Seu pai lhe deu esse nome por que seu pai era fã do escotismo do general britânico Robert Stephenson Smyth Baden-Powell. Bem, o menino não tem culpa disso. Baden nasceu em Varre-Sai, distrito do município de Itaperuna no Norte do estado do Rio de Janeiro. Mas passou sua infância em Vila Isabel e São Cristóvão, na cidade do Rio, onde teve contato com sambistas de primeira linha. Também levado pelo amigo capoeirista Canjiquinha, aproximou-se da capoeira e do candomblé, utilizando elementos dessas duas formas de expressão artística, religiosa e corporal em sua arte.
Influências do grande músico
Fou muito influenciado pelo guitarrista de jazz, nascido na Bélgica e cigano, Django Reinhardt, considerado um dos maiores guitarristas do mundo, criador do gypsy jazz, ou jazz cigano. E pelo guitarrista norte-americano Barney Kessel, também de jazz, pelo músico alemão jazzístico Joachim Berendt, pelo saxofonista norte-americano Stan Getz, um dos maiores divulgadores da bossa nova nos Estados Unidos.
Getz chegou a compor em parceria com João Gilberto e Tom Jobim. Ainda teve forte influência do instrumentista de corda paulista Aníbal Augusto Sardinha, conhecido como Garoto, e do violonista e compositor carioca de chorinho, Dilermando Reis, entre outros grandes artistas.
Baden estudou canto gregoriano com o maestro Moacyr Santos e da mistura da música clássica com a popular brasileira tornou-se um dos nossos principais músicos. O violonista fluminense sucumbiu ao alcoolismo e faleceu no dia 26 de setembro de 2000, aos 63 anos de idade.
Suas canções e o seu modo inovador de tocar violão deixam saudades em todos os amantes da MPB, um dos grandes nomes de uma vertente da bossa nova, com influência sobre uma gama de autores compositores de gerações posteriores.
Alguns vídeos e letras de suas obras:
Canto de Ossanha (com Vinicius de Moraes, 1966)
O homem que diz "dou" não dá, porque quem dá mesmo não diz
O homem que diz "vou" não vai, porque quando foi já não quis
O homem que diz "sou" não é, porque quem é mesmo é "não sou"
O homem que diz "tô" não tá, porque ninguém tá quando quer
Coitado do homem que cai no canto de Ossanha, traidor
Coitado do homem que vai atrás de mandinga de amor
Vai, vai, vai, vai, não vou
Vai, vai, vai, vai, não vou
Vai, vai, vai, vai, não vou
Vai, vai, vai, vai, não vou
Que eu não sou ninguém de ir em conversa de esquecer
A tristeza de um amor que passou
Não, eu só vou se for pra ver uma estrela aparecer
Na manhã de um novo amor
Amigo senhor, saravá, Xangô me mandou lhe dizer
Se é canto de Ossanha, não vá, que muito vai se arrepender
Pergunte ao seu Orixá, o amor só é bom pra valer
Pergunte ao seu Orixá, o amor só é bom se doer
Vai, vai, vai, vai, amar
Vai, vai, vai, sofrer
Vai, vai, vai, vai, chorar
Vai, vai, vai, dizer
Que eu não sou ninguém de ir em conversa de esquecer
A tristeza de um amor que passou
Não, eu só vou se for pra ver uma estrela aparecer
Na manhã de um novo amor
Samba da Bênção (com Vinicius de Moraes, 1962)
É melhor ser alegre que ser triste
Alegria é a melhor coisa que existe
É assim como a luz no coração
Mas pra fazer um samba com beleza
É preciso um bocado de tristeza
É preciso um bocado de tristeza
Senão, não se faz um samba não
Senão é como amar uma mulher só linda
E daí? Uma mulher tem que ter
Qualquer coisa além de beleza
Qualquer coisa de triste
Qualquer coisa que chora
Qualquer coisa que sente saudade
Um molejo de amor machucado
Uma beleza que vem da tristeza
De se saber mulher
Feita apenas para amar
Para sofrer pelo seu amor
E pra ser só perdão
Fazer samba não é contar piada
E quem faz samba assim não é de nada
O bom samba é uma forma de oração
Porque o samba é a tristeza que balança
E a tristeza tem sempre uma esperança
A tristeza tem sempre uma esperança
De um dia não ser mais triste não
Feito essa gente que anda por aí
Brincando com a vida
Cuidado, companheiro!
A vida é pra valer
E não se engane não, tem uma só
Duas mesmo que é bom
Ninguém vai me provar que tem
Sem provar muito bem provado
Com certidão passada em cartório do céu
E assim mesmo assinado embaixo: Deus
E com firma reconhecida!
A vida não é brincadeira, amigo
A vida é arte do encontro
Embora haja tanto desencontro pela vida
Há sempre uma mulher à sua espera
Com os olhos cheios de carinho
E as mãos cheias de perdão
Ponha um pouco de amor na sua vida
Como no seu samba
Ponha um pouco de amor numa cadência
E vai ver que ninguém no mundo vence
A beleza que tem um samba, não
Porque o samba nasceu lá na Bahia
E se hoje ele é branco na poesia
Se hoje ele é branco na poesia
Ele é negro demais no coração
Vinicius de Moraes, por exemplo, o capitão do mato
Poeta e ex-diplomata
Como ele mesmo diz:
É o branco mais preto do Brasil
Na linha direta de Xangô, saravá!
A bênção, Senhora
A maior babalorixá da Bahia
Terra de Caymmi e João Gilberto
A bênção, Pixinguinha
Que choraste na flauta
Todas as minhas mágoas de amor
A bênção, Sinhô, a benção, Cartola
A bênção, Ismael Silva
Sua bênção, Heitor dos Prazeres
A bênção, Nelson Cavaquinho
A bênção, Geraldo Pereira
A bênção, meu bom Cyro Monteiro
Você, sobrinho de Nonô
A bênção, Noel, sua bênção, Ary
A bênção, todos os grandes
Sambistas do Brasil
Branco, preto, mulato
Lindo como a pele macia de Oxum
A bênção, maestro Antonio Carlos Jobim
Parceiro e amigo querido
Que já viajaste tantas canções comigo
E ainda há tantas por viajar
A bênção, Carlinhos Lyra
Parceiro cem por cento
Você que une a ação ao sentimento
E ao pensamento
A bênção, a bênção, Baden Powell
Amigo novo, parceiro novo
Que fizeste este samba comigo
A bênção, amigo
A bênção, maestro Moacir Santos
Não és um só, és tantos como
O meu Brasil de todos os santos
Inclusive meu São Sebastião
Saravá! A bênção, que eu vou partir
Eu vou ter que dizer adeus
Ponha um pouco de amor numa cadência
E vai ver que ninguém no mundo vence
A beleza que tem um samba, não
Porque o samba nasceu lá na Bahia
E se hoje ele é branco na poesia
Se hoje ele é branco na poesia
Ele é negro demais no coração