Farc: “A Constituinte é o caminho para a paz na Colômbia”

Em entrevista exclusiva ao jornalista colombiano, inédita no Brasil, Ivan Marquez, chefe da delegação das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) na Mesa de diálogo pela paz, fala sobre sua experiência militar e política, revela fatos da história da União Patriótica, e aborda os avanços e problemas do processo de diálogo com o governo nacional, em curso há sete meses em Havana.

Por Jorge Enrique Botero, no Portal Las 2 Orillas (As 2 Margens) 

Havana está quase ardendo. Os termômetros marcam 33 graus e o professor Rubiela anuncia no Noticiário Nacional de Televisão que nos próximos dias a temperatura subirá ainda mais. Margarita escuta a informação enquanto prepara a comida em seu apartamento na Rua O, no bairro do Vedado e prognostica com sua experiência de 82 anos vivendo em Havana que “este ano fará um calor exorbitante!”. Enquanto isso, aliviado por um ventilador soviético, transcrevo o conteúdo da entrevista que fiz nesta manhã com Ivan Marquez, chefe da delegação de paz das Farc nos diálogos com o governo nacional.

Foi uma sorte encontrar um espaço na agenda apertada do chefe guerrilheiro.

“É incrível, mas creio que trabalhamos mais durante os intervalos dos diálogos do que quando se realizam as mesas de conversações”, assegura Marquez. O único luxo que o comandante se permitiu nestes dias foi visitar um lugar que habitava seu imaginário há muitos anos: o bar El Floridita que Hemingway frequentava para tomar daiquiris antes de ir a beber “mojitos” na Bodeguita del Medio. Confessa que esta é sua segunda aproximação à etapa havaneira do escritor estadunidense, pois há uns dois meses foi pescar em Cojímar em busca do cenário de “O Velho e o Mar”. Recomendo a ele que visite o museu da fazenda El Vigia, onde Hemingway viveu e escreveu (de pé e descalço) nos finais dos anos 1950 e começos dos 1960, e Marquez anota isto em sua agenda; também anota uma sugestão bibliográfica: “Hemingway en Cuba”, do escritor Norberto Fuentes.

Quando penso que já vamos começar a entrevista, o futebol atravessa nosso caminho, por conta de um “tudo bem, tudo bem” que ele responde quando lhe pergunto como vão as coisas. Marquez comenta que o garoto Valderrama é um homem de paz, “como a grande maioria das pessoas comuns, como as pessoas simples deste país”. A aparição do “garoto” na cena evoca irremediavelmente o ano de 1990, quando René Higuita não pôde ser incluído na chapa de candidatos do M-19 à Assembleia Constituinte de 1991 e ao ser perguntado sobre o tema pelos jornalistas, o goleiro respondeu com seu largo e perpétuo sorriso: “na próxima, na próxima”.

“Oxalá Higuita cumpra seu sonho de 22 anos atrás de ser Constituinte! Ele seria um excelente representante do país”, diz este experimentado líder insurgente que começou a fazer política desde muito jovem no departamento (equivalente a estado) de Caquetá, ao lado – entre outros – de Raul Reyes.

Marquez recorda que ele e Reyes participaram em uma campanha eleitoral com Luís Carlos Galán e Rodrigo Lara Bonilla por vários municípios do departamento. “Todos mortos, menos ele”, penso eu enquanto sigo escutando o relato do entrevistado.

Nas duas margens…

No começo de 1981, o jovem dirigente político decidiu pegar em armas, convertendo-se, “por conta do Estatuto de Segurança de Turbay Ayala”, em guerrilheiro da Terceira Frente das Farc que operava nas montanhas adjacentes a Florencia e aos povoados próximos: Montañita, Paujil, El Doncello, Puerto Rico.

Contudo, não se passaram nem dois anos na montanha quando foram assinados os acordos de La Uribe, entre o governo de Belisário Betancur e as Farc, e Marquez foi transferido para a Frente 14. Estando ali, chegou a ordem do Secretariado de fundar juntas patrióticas em toda a área do rio Caguán. Tais juntas eram os órgãos de base da nascente União Patriótica (UP) e o comandante sob as ordens de Jorge Briceño, o Mono Jojoy, se lançou a fundo nessa iniciativa política. Os milhares de moradores da região, excluídos e ignorados pelo Estado durante décadas, responderam com entusiasmo ao chamado das Farc para unir-se à UP. Os guerrilheiros não deixaram de visitar nem um só dos povoados banhados pelo formidável rio Caguán.

“Nós também nos movíamos nas duas margens, mas nas do rio”, brinca, aludindo ao nome deste portal.

Marquez faz um esforço para “recompor os espelhos quebrados da memória” e evoca os dias em que as juntas patrióticas “floresciam como plantas silvestres, como a exuberante vegetação daqueles territórios”. Em 1985 já estava plenamente envolvido nas atividades da UP; viajou a Bogotá para participar em um encontro nacional no Centro de Convenções Gonzalo Jiménez de Quesada e quando regressava a Florencia, ele e sua comitiva foram presos em El Dorado. Algemados e com os olhos vendados, foram conduzidos às instalações da Brigada 13 do exército. A pressão política exercida, entre outros, por Jaime Pardo Leal, Alberto Rojas Puyo e Ovidio Salinas, obrigou a sua rápida liberação, mas o chefe guerrilheiro entendeu de imediato que o cenário político a que se chegava ia ficar repleto de obstáculos.

Campanha eleitoral em Caquetá

Durante a campanha eleitoral em Caquetá, o candidato pela União Patriótica à Câmara de Representantes foi permanentemente assediado pela força pública e manteve duros enfrentamentos verbais com oficiais do exército que se empenhavam em impedir que mantivesse contatos com os cidadãos da região. “Em Norcasia – recuerda Ivan Marquez – o coronel Castro chegou ao extremo de arrebatar-me o microfone e fazer um discurso”.

Mas, o episódio que se instalou com mais nitidez em sua memória não tem a ver com os tropeços ocorridos, mas com o amor recebido. Foi durante o ato de lançamento da UP na capital de Caquetá.

“Jaime Pardo Leal e Manuel Cepeda tinham ido a Florencia e a expectativa de escutar esses grandes oradores era imensa. Recordo que saímos do Hotel Plaza e tínhamos que atravessar todo o parque central até chegar ao palanque. Aquele trajeto foi eterno: as pessoas primeiro me davam as mãos, depois vieram os abraços e logo me senti mergulhado na multidão, praticamente asfixiado”, narra Márquez.

E que sentiu nesse momento?

“Senti o afeto do povo. Seu amor por uma guerrilha que lutou durante tanto tempo pelos direitos dos pobres, dos excluídos.”

Mas esse amor não se reflete nas pesquisas, onde aparecem com um por cento de popularidade

“A delegação do governo na mesa de diálogo nos exibe essas pesquisas com frequência e nós lhe dizemos que a realidade é muito diferente. Em um país em que impera o terrorismo de Estado ninguém pode pretender que as pessoas expressem em uma pesquisa seus afetos pelas Farc. Esta guerrilha se manteve durante tantos anos devido ao apoio popular. As pessoas nos querem bem, se não fosse assim, se não nos amassem, as Farc não teriam resistido todo este tempo, sublinha Márquez”. E arremata citando Simon Bolívar: “…nada poderá deter-nos se o povo nos ama”.

Da cadeira de parlamentar à chefia do Bloco Sul

Márquez não se recorda com quantos votos foi eleito, mas tem guardados com nitidez vários momentos de sua passagem pelo Capitólio Nacional e de sua vida em Bogotá. Assegura que era pouco o que se podia fazer realmente pelas pessoas desde sua cadeira de parlamentar; conseguiu que se destinassem alguns auxílios parlamentares às zonas agrárias do departamento e participou em vários debates ao lado de Hernan Motta e de outros congressistas da UP. A essas alturas, o extermínio já estava em curso: recém-eleitos e sem sequer tomar posse, foram assassinados Leonardo Posada e Pedro Nel Jiménez, deputados da União Patriótica por Santander e Meta, respectivamente.

O cerco a Ivan Marquez se fechava. Um dia apareceu uma coroa fúnebre na porta do apartamento em que morava em Bogotá. As flores alusivas à morte vinham acompanhadas por palavras em que se lamentava seu falecimento. Apesar de que andava em carros oficiais, com escolta, cada movimento seu era objeto de perseguições cinematográficas. Seus guarda-costas lhe diziam “nos perseguem os Feos (agentes do extinto F-2 da polícia)”, e era necessário pisar fundo no acelerador para escapar. Em um giro pelo Bairro Operário de Florencia, evitou outro encontro com a morte que uns sicários pilotando motocicletas tinham preparado.

“Até que chegou a ordem de Manuel Marulanda e Jacobo Arenas: – Ivan, você deve vir imediatamente!-. A caminho de Casa Verde, quando íamos pela charneca de Sumapaz, escutamos estremecidos a notícia do assassinato de Jaime Pardo Leal”, relata Marquez.

Em Casa Verde, Marulanda e Arenas lhe notificaram que deixasse o mandato parlamentar para ir de novo à selva, como chefe do Bloco Sul das Farc. Desde então até o mês de setembro do ano passado, quando se iniciaram os diálogos de paz com o governo, permaneceu em montanhas e matas de quase todo o território nacional. Comandou tropas na Amazônia e na Orinoquia; nas planícies orientais; em Antioquia e Chocó; em toda a costa do Caribe e na longa e quente fronteira com a Venezuela, da Guajira até Catatumbo.

Passadas as evocações, entramos na matéria

Comandante, levantou-se toda uma poeira política com a quantidade de propostas que vocês lançam a cada manhã em Havana…

“Não sei por que tanta estridência. As propostas que temos exposto em Havana são fundamentalmente uma síntese dos foros nos quais participam organizações sociais, políticas e sindicais. Também temos tomado como insumos as conclusões dos foros regionais organizados pelas comissões de paz do Senado e da Câmara. Acrescente-se a isso nossas próprias elaborações, entre elas a Plataforma Bolivariana pela Nova Colômbia. Da conjunção de tudo isso é que saíram nossas propostas. Não creio que nosso discurso esteja sendo ultrarrevolucionário. Estamos falando apenas de propostas mínimas. Chamamos assim para significar que não estamos apresentando um programa radical. O que queremos é chegar a um entendimento com o governo na mesa de conversações em torno de uns pontos que nos levem ao fim do conflito. Veja você que homens como o ex-ministro Rudolf Hommes disseram que, se a paz depende disso, ele assinaria já as propostas contidas em nossa plataforma.”

Chamaram especialmente sua atenção as posições de outros colunistas ou dirigentes políticos ou sindicais?

“Há uma avalanche de pessoas que vê com muitas possibilidades a construção de um acordo e isso ocorre pela simples razão de que não estamos propondo uma revolução por decreto na Mesa, como equivocadamente está pensando o presidente Santos. O que queremos propiciar é um ambiente para o entendimento.”

Se não houver Assembleia Constituinte não haverá paz?

“A Constituinte realmente é o espaço mais idôneo para selar o Pacto de Paz com o qual sonharam os colombianos durante tantos anos. Nós confiamos mil vezes mais no constituinte primário que no poder constituído. O povo soberano é a autoridade legítima da nação e nós nos submeteremos à vontade popular, ao que diga o povo nessa Assembleia Constituinte. Asseguro que isto não é um capricho nosso: a Constituinte é o caminho para a paz. Alguns argumentaram que este não é um tema de discussão pactuado na Agenda, e isso fundamenta o rotundo não da delegação do governo; contudo, a essência do Acordo Geral é a participação cidadã como está consignado no preâmbulo. Mas além disso, no segundo ponto referido à participação política entram os “mecanismos democráticos de participação cidadã, incluídos os de participação direta, nos diferentes níveis e diversos temas”, que na prática é a definição da necessidade de uma Assembleia Nacional Constituinte. E mencionemos também que o sexto ponto, quando se fala de referendar as decisões, deixa aberto o conceito para que lhe demos a aplicação mais conveniente. Mais claro não canta um galo.”

Vocês pensam em “refundar a República”, como recentemente a “Semana” publicou com destaque?

“O governo não deve esquecer que se comprometeu a realizar reformas institucionais. Cito textualmente o seguinte item do terceiro ponto do acordo: – O governo nacional revisará e fará as reformas e os ajustes institucionais necessários para fazer frente aos desafios da construção da paz -. A questão da refundação da República me parece um exagero do chefe da delegação do governo e do próprio presidente Santos. Não! O que estamos pedindo é que a letra morta da Constituição em que se reivindicam os direitos, tome corpo, ressuscite na vida diária dos colombianos. Os direitos consagrados na Constituição de 1991 devem ser aplicados à realidade.

E mais, se se fala da passagem da guerrilha à política sem armas, é preciso primeiro discutir algumas coisas. Por exemplo, uma urgente e necessária reforma do sistema eleitoral. Assim como está, este sistema é uma armadilha. É que não se trata da incorporação da guerrilha ao sistema político vigente. É necessário recuperar, por exemplo, a descentralização participativa que tinha a Constituição de 1991 e superar o contrassenso que existe entre os propósitos sociais da primeira parte da Carta e as derivações neoliberais do restante de seu conteúdo. É preciso mudar as coisas, preparar o terreno com reformas políticas e outras como a judiciária, adequá-lo para que a guerrilha sinta confiança na participação política direta. E não somente a guerrilha: queremos que todo o país participe. Que o povo faça parte das decisões estratégicas nos níveis político, econômico e social.”

Como se definiria a composição da Assembleia Constituinte que vocês propõem?

“Tem que haver participação da guerrilha, obviamente. Mas também de todos os setores sociais, políticos e sindicais do país. Como dizia nosso comandante Jacobo Arenas, que os diversos setores sociais do país elejam em eventos democráticos internos os seus porta-vozes. Desta forma, haverá representação dos partidos, dos camponeses, da negritude, dos sindicatos, dos indígenas, dos estudantes, das mulheres, da população LGBTI. Enfim, uma representação que blinde no futuro o Acordo de Havana para que amanhã não chegue um presidente que pretenda desconhecer o pactuado.”

Tudo o que você está me dizendo faz parte do que alguns, inclusive no governo, qualificaram como “as coisas impossíveis das Farc”.

“Não são coisas impossíveis! Recordo agora um texto do acadêmico Carlos Medina Gallego, professor da Universidade Nacional, que, citando Jorge Eliécer Gaitán, nos trouxe esta frase extraordinária do caudilho: – O impossível não é mais que o difícil visto por olhos onde não nasceu a fé e morreu a esperança -. O governo da Colômbia carece de mais fé; tem de crer mais neste processo de paz. Ser mais arrojado, mais resoluto. Temos a paz muito próxima, muito próxima! Assim, o governo deveria deixar tanta prevenção a respeito da participação popular em uma Assembleia Nacional Constituinte. Ela será o cenário ideal para dirimir os desencontros, os dissensos; para resolver os assuntos pendentes ou as ressalvas que no momento estão congeladas à espera de resolução. E para deliberar sobre as mudanças institucionais que definam o destino da Colômbia.”

Vocês argumentaram que se o processo de paz com o M-19 terminou em uma Constituinte, por que com este não pode ocorrer o mesmo. Contudo, várias personalidades políticas e porta-vozes do próprio M-19 disseram que isso é uma inexatidão histórica.

“Ofereceram a Constituinte ao M-19 para conseguir sua desmobilização. Tudo o que ocorreu em 1991 foi resultado dos pactos e ofertas que fizeram ao M-19. E mais, com esse conto persuadiram o M-19 a sair da Coordenadora Guerrilheira Simon Bolívar. Esta é a verdade histórica.”

Ouvindo-o falar com semelhante ímpeto sobre a paz e a Constituinte, isto me faz recordar uma frase de Horácio Serpa durante o lançamento de um livro de Carlos Lozano sobre este processo: a prova maior de que haverá paz é que as partes estão discutindo como referendar os acordos alcançados.

“O doutor Serpa tem toda a razão. Podemos dizer que ele é um homem que tem esperança de paz, como a maioria na Colômbia. E já que você recorda essa frase dele, eu cito outra joia que pronunciou durante o mesmo ato. Palavras mais, palavras menos, Serpa disse -como vamos pretender que digamos aos guerrilheiros: venham para cá, entreguem seu fuzil e amanhã se apresentem às oito da manhã em tal cárcere. No creiam que sou tão imbecil! -. Isso se chama realismo.”

Andrés Paris, um dos porta-vozes das Farc, disse recentemente na entrevista ao “El País” de Cali que não veremos a foto dos guerrilheiros entregando suas armas…

“Eu creio que se criou uma tempestade em copo d’água com essa frase. O próprio governo nos sugeriu como exemplo o processo da Irlanda e eu pergunto: O IRA entregou as armas? Não as entregou. O que pactuaram foi que as armas ficariam sem uso. Esperamos que não se vá fazer deste ponto um obstáculo irremovível, porque isso seria pôr uma trava à roda da paz. O importante é que cheguemos a um acordo para que as armas não sejam usadas.”

A razão para que essa foto nunca exista tem a ver com a honra milita
r?

“Veja, nós estamos aqui para conseguir o término do conflito. As guerras não são eternas, chegam ao fim. O general Jorge Enrique Mora nos disse algo que nos chamou poderosamente a atenção: quase todas as guerras terminam em uma mesa de conversações. E nós estamos totalmente de acordo com ele. Esta guerra não será eterna. Chegou a um ponto em que é necessário concluí-la da melhor maneira, gerando um ambiente propício para construir sobre bases sólidas uma paz estável e duradoura.”

Vocês estão se medindo num debate político e jurídico de alto nível. Podemos saber quem os assessora? Insistentemente, menciona-se Álvaro Leyva…

“O país deve saber que na Mesa as partes podem trazer especialistas para que exponham as diversas temáticas. Por exemplo, na discussão do tema agrário estiveram catedráticos da importância de Absalón Machado, Dario Fajardo, Francisco Gutiérrez e o professor Jairo Estrada, postulados pelo Centro de Pensamento da Universidade Nacional, todos eles autorizados pelo governo. Para o tema da participação política pedimos ao Centro de Pensamento que designe uns professores que venham falar deste assunto.”

Mas Leyva os assessora no tema constitucional?

“É preciso ter muito cuidado com isto, porque aqui há uma velha tradição de estigmatizar as pessoas para depois eliminá-las fisicamente. Álvaro Leyva não é um guerrilheiro, é um ex- ministro de Estado; dirigente conservador que conhece muito bem a política colombiana. Lemos e estudamos o que opina Leyva, como o fazemos com outros excelentes constitucionalistas. Sobre Leyva, posso dizer que é um campeão da paz, e sua vinculação a esse tipo de processos tem raízes históricas. É um homem que dedicou grande parte de sua vida à busca de uma saída política do conflito. Gente com estas características gera confiança na insurgência. Creio que é necessário deixá-lo jogar neste processo, no qual poderia desempenhar um papel muito importante.”

Qual é o sentido de sua proposta de adiar por um ano as eleições?

“Gerar uma atmosfera favorável ao processo de paz. Mas parece que o governo não soube ler corretamente nossa proposta. Quando lançamos esta iniciativa o que queremos é gerar um espaço para poder avançar sem sobressaltos, sem as pressões dos períodos eleitorais na construção do Acordo. É muito ruim trabalhar escutando o bater do látego do tempo e dos ritmos. Não podemos precipitar as coisas. Dissemos em Oslo: uma paz mal feita é pior que uma guerra. A convocação de uma Assembleia Constituinte pode incluir o adiamento das eleições. Um ano para seguir o processo e arrematar o Acordo em uma Constituinte. Assim, ao terminar seus trabalhos em dezembro de 2014, a Constituinte convocaria as eleições presidenciais e legislativas. Com isso, ganha Santos, ganha a Colômbia, e ganha todo mundo.”

Como observam o que está ocorrendo na região do Catatumbo?

“Muito grave. O governo está procedendo de uma maneira reprochável. Como é possível que soltem os brutais esquadrões do ESMAD e do exército contra campesinos desarmados sob o pretexto de que são guerrilheiros! Quatro camponeses mortos, vários feridos e presos, centenas de processados … Na Mesa se acordou a titulação de todas as terras que estejam em posse dos camponeses e é isso o que pedem os agricultores do Catatumbo. O que ocorre hoje nessa região nos gera desconfiança; um governo que está pactuando coisas aqui e as desconhece na realidade não pode produzir algo diferente à desconfiança. Uma aspiração justa e sentida das pessoas é a formalização da Zona de Reserva Camponesa do Catatumbo, que também é um compromisso governamental. É inaudito que estes assuntos não estejam sendo conduzidos pelo Ministério da Agricultura, mas pelo da Defesa.”

Como avaliam hoje o comportamento dos meios de comunicação frente ao processo e que esperam de um eventual Acordo em matéria de comunicação?

“Dá a impressão de que nesta última etapa os meios de comunicação estão apostando na paz com mais decisão. Estão difundindo o que se produz na Mesa e permitem que se escutem as versões de ambas as partes. Isso é muito importante, mas insuficiente. É necessário dar outros passos: deveriam ser abertos espaços na televisão institucional, em “Señal Colombia”, nos canais regionais e na “Radiodifusora Nacional”, dedicados ao tema da paz. Programas que façam pedagogia da paz, para que as pessoas entendam o que está sendo discutido.”

Finalmente, comandante Marquez, que diz Timochenko (comandante geral das Farc) de tudo o que está ocorrendo?

“Nas Farc há unidade de critérios. Somos uma direção coletiva e porta-vozes contam com o respaldo de todos os membros do Secretariado, encabeçado pelo comandante Timoleón Jiménez (Timochenko); também temos o apoio do Estado Maior Central, dos estados maiores dos blocos, dos estados maiores das frentes e de todos os combatentes.”

Justamente quando termina esta entrevista, um helicóptero militar cubano sobrevoa a região da cidade em que nos encontramos e o instinto acende os alarmes do chefe guerrilheiro. Dou-me conta de que, durante uns segundos passaram por sua mente, como explosões, muitos dos episódios de guerra que viveu em 32 anos de montanha e selva. Aperto a mão que me estende Ivan Marquez e lhe agradeço pelo tempo que dedicou a “Las 2 Orillas”, enquanto penso que diabo de título dar a esta peça jornalística.

Jorge Enrique Botero é jornalista colombiano
Tradução de José Reinaldo Carvalho, no Blog da Resistência http://www.zereinaldo.blog.br/