Cartes: a volta de um stronismo sem Stroesner?

Nesta quinta-feira (15), tomará posse o novo presidente do Paraguai, Horácio Cartes. Celebrado pela imprensa brasileira por não ser um político histórico do Partido Colorado — que governou o país por 75 anos, inclusive durante a ditadura do general Alfredo Stroessner — Cartes tem envolvimentos suspeitos e desperta, na nação guarani, o temor de uma volta do stronismo sem Stroesner.

Por Vanessa Silva, no Portal Vermelho

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A simpatia da imprensa brasileira por Cartes está intrinsicamente ligada à perda de espaço da esquerda no país vizinho. Embora o ex-presidente Fernando Lugo fosse um político timidamente progressista, teve o mérito de romper a supremacia do Partido Colorado e de implementar políticas que desagradaram setores historicamente beneficiados pelo Estado paraguaio.

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Desta forma, o golpe parlamentar perpetrado contra o ex-bispo foi uma tentativa bem-sucedida de barrar o avanço da esquerda no país, considerado, do ponto de vista geopolítico, como estratégico para o domínio da América do Sul, sobretudo no marco do Mercosul. Daí a polêmica instaurada por Cartes sobre a volta ou não ao bloco de integração regional.

Em entrevista ao Portal Vermelho, logo após o golpe que destituiu Fernando Lugo, a socióloga paraguaia Olga María Zarza lembrou que “não existe inimigo pequeno” e ressaltou que o “Paraguai já desempenhou na sua história papéis funcionais ao imperialismo dos Estados Unidos. Durante a guerra fria, (…) servia para frear o avanço do comunismo [na América do Sul]”.

A influência dos Estados Unidos é digna de nota. Para o presidente do Partido Comunista Paraguaio, Najeeb Amado, em entrevista concedida ao Vermelho na mesma época, o golpe que destitui Lugo “foi orquestrado a partir da embaixada norte-americana aliada ao capital transnacional com uma perspectiva preventiva e a intenção de retirar o oxigênio do projeto popular democrático progressista e tentar uma restauração de caráter unitário para seu projeto de dominação”.

Aliança do Pacífico

Neste sentido, o Paraguai figura como peça chave na disputa de correlações de força entre o Mercosul — organismo para o qual poderá voltar 15 de julho, após suspensão de 14 meses por ter violado as cláusulas democráticas do bloco — e a Aliança do Pacífico, integrada por México, Chile, Colômbia e Peru, países alinhados à política estadunidense.

A estratégia de fortalecimento da aliança tem como objetivo enfraquecer as tentativas de integração regional baseadas em outra lógica que não a neoliberal, como são a União das Nações Sul-Americanas (Unasul) e a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac). Como observou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante do 19º Foro de São Paulo, os “EUA não dormem em serviço”. Para ele, a “Aliança do Pacífico é uma estratégia para enfraquecer a América do Sul e a Celac”.

Na mesma linha, o senador uruguaio, Roberto Conde, da Frente Ampla, ressaltou, no mesmo evento, que os Estados Unidos têm o controle total do México e pretendem construir esta aliança no coração da Unasul para quebrar com a lógica de superação do neoliberalismo. Assim, para a batalha que está em curso, “nossa única resposta possível é a integração, mas ela não pode ficar nas mãos da burguesia dominante e confederações multinacionais”.

Chanceler polêmico

Chama a atenção, neste novo governo, a proximidade com os Estados Unidos. De acordo com o articulista do site de esquerda E’A, Jose Antonio Vera, dos 11 ministros nomeados nesta terça-feira (13) por Cartes, metade foi formada em universidades estadunidenses e alguns deles sequer falam guaraní (língua falada pela maioria da população, sobretudo as de origem camponesa e indígena).

Para chanceler, Cartes designou Eladio Loizaga Caballero, que teria militado no setor radical do regime de Stroessner durante a Operação Condor, orquestrada a partir dos Estados Unidos. De acordo com a Comissão de Verdade e Justiça paraguaia, Caballero participava da Liga Mundial Anticomunista (LAM) e, em suas declarações, afirmou que vai priorizar as relações com a Aliança do Pacífico, em detrimento da volta do país ao Mercosul.

O suspeito passado de Cartes

Documentos secretos dos Estados Unidos vazados pelo Wikileaks em janeiro de 2010 revelam que a Administração de Cumprimento de Leis sobre as Drogas (DEA) se infiltrou em supostas redes de lavagem de dinhero de Cartes. Douglas W. Poole, chefe de Inteligência da agência antidrogas escreveu: “Através da utilização de uma fonte da DEA e de pessoal disfarçado, agentes se infiltraram na empresa de lavagem de dinheiro de Cartes, uma organização que se acredita lava grandes quantidades de moeda (dólares) obtidas por meios ilegais, incluindo a venda de narcóticos, da Tríplice Fronteira aos Estados Unidos.”

Outro documento, datado de 27 de agosto de 2007, menciona que o ex-diretor da Secretaria Nacional Antidroga (Senad) Hugo Ibarra, acusou Gabriel González, ex-presidente do Banco Central do Paraguai (BCP), de lavar dinhero para o banco Amambay, em nome de Cartes.

O jornal O Globo divulgou que o banco Amambay, propiedade de Cartes, é uma “grande lavanderia”. De acordo com o jornal, na Quarta Vara Empresarial do Rio de Janeiro, o império industrial de Cartes enfrenta acusações de pirataria. Sua Tabacalera del Este (Tabesa) foi incriminada por suposto contrabando de cigarro.

O braço financeiro de Cartes é o Banco Amambay, que financia a Tabesa. De acordo com o colunista de O Globo, José Casado, “80% da lavagem de dinheiro no Paraguai passam por essa instituição”, contou em 2007 o então diretor da Secretaria Antinarcóticos paraguaia, Hugo Ibarra, ao diplomata americano Michael J. Fitzpatrick. A conversa foi reportada por Fitzpatrick a Washington no dia 27 de agosto de 2007. O memorando está entre a correspondência do Departamento de Estado divulgada pelo WikiLeaks há dois anos.

Este é o presidente e o cenário do pequeno país mediterrâneo que ostenta um dos piores Índices de Desenvolvimento Humano do continente e cuja esquerda encara, a partir de agora, o desafio de construir uma alternativa viável nestes quatro anos vindouros e de afastar definitivamente o fantasma de Stoessner.