Albano Nunes: A luta contra a agressão à Síria tem de continuar

A correlação de forças no plano internacional é ainda desfavorável às forças da paz e do progresso social, mas nem por isso deixa de ser possível impor ao imperialismo importantes recuos e derrotas. É o que acaba de acontecer na Síria, apesar das interrogações que subsistem.

Por Albano Nunes*

Protestos nos EUA contra intervenção na Síria - AFP

Mas os EUA não abandonaram o propósito de abater a resistência do regime e do povo sírios, e a ameaça de agressão militar direta não está de modo algum afastada. Para atar as mãos do imperialismo e impedir entendimentos perversos é fundamental que a opinião pública continue mobilizada.

É certo que a par da opinião pública, outros fatores importantíssimos concorreram para dificultar e desfeitear os planos de Barack Obama: a coerência do governo de Bashar al-Assad e os êxitos do exército sírio no terreno; o apoio da Rússia ao povo sírio (nada de confusões com o internacionalismo da URSS) e da China; o isolamento dos EUA junto dos próprios aliados, onde grassam contradições que a crise capitalista tende a exacerbar, sem esquecer a posição do Vaticano; e a falta de credibilidade e apoio dos chamados “rebeldes”, amontoado de mercenários e terroristas organizados e armados pelos EUA, UE e monarquias feudais do Golfo.

Mas a força da opinião pública e da ação de massas é determinante. E como na guerra a verdade é a primeira a morrer, soterrada por poderosas campanhas mediáticas, é preciso não esquecer algumas verdades elementares, sejam quais forem as voltas e reviravoltas do processo visando desarmar.

1) O objetivo do imperialismo é o controle da região, das suas riquezas em petróleo e gás natural e respectivas vias de transporte.

2) Para isso é necessário desestabilizar e recolonizar os países que façam frente ao imperialismo. A Turquia, que dominou a Síria durante séculos, alimenta projetos expansionistas e está na primeira linha da agressão . E a vergonhosa aliança do governo do [presidente francês, Fraçois] Hollande com os EUA não é separável do fato de a França, que tomou o lugar do Império Otomano depois da Primeira Guerra Mundial, ter acabado derrotada por poderosos levantamentos populares que, em 1946, fizeram da Síria o primeiro país árabe independente.

3) De Israel e da sua criminosa política sionista pouco se tem falado. Trata-se, porém, da ponta de lança do imperialismo no Médio Oriente. Israel é um país armado até aos dentes, o único da região que detém a arma atômica e ameaça utilizá-la, não ratificou a Convenção sobre armas químicas, ameaça permanentemente o Líbano, a Síria e o Irã, ocupa ilegalmente a terra da Palestina e inferniza diariamente a vida do povo palestino.

4) Quem ameaça quem? A principal ameaça vem de Israel e dos lacaios do imperialismo como a Arábia Saudita (cujos massacres no Bahrein e no Iêmen continuam silenciados) e o Catar. No que diz respeito à Síria, não se deve esquecer que uma parte do seu território, as colinas de Golã, está há longos anos sob a ocupação de Israel, e que bombas israelenses foram lançadas várias vezes sobre alvos em território sírio, como ainda há pouco sucedeu ao aeroporto de Damasco.

5) O “combate ao terrorismo” é cortina de fumaça cada vez mais esfarrapada. Na Síria, o imperialismo está trabalhando abertamente com “jihadistas” e bandos ligados à rede Al-Qaeda, o que só pode surpreender quem tenha esquecido que este foi um monstro criado pela CIA para as operações anticomunistas dos EUA.

6) A estratégia de tensão e de guerra é indispensável ao complexo militar-industrial e ao comércio de armamento, esse terrível tumor maligno gerado pelo próprio desenvolvimento do capitalismo.

Obrigação constitucional e histórica

A agressão militar dos EUA à Síria parece, de momento, afastada, mas trata-se é de eliminá-la. O que se impõe não é o desarmamento unilateral da Síria, como o imperialismo pretende, ou ambíguas resoluções do Conselho de Segurança que desrespeitem a própria Carta da ONU, mas medidas globais de desarmamento, transformando a região em zona livre de armas nucleares, desmantelando as bases militares com que os EUA e a Otan [Organização para o Tratado do Atlântico Norte] encheram todo o Mediterrâneo Oriental, Médio Oriente e Ásia Central.

Sobretudo (porque é essa a causa central do movimento de libertação dos povos árabes), reconhecer na prática o direito do povo palestino ao seu próprio Estado independente e soberano no território da Palestina, com a retirada de Israel dos territórios que ilegalmente ocupa desde 1967.

Portugal está obrigado a demarcar-se claramente das ameaças do imperialismo e a dar uma contribuição positiva à solução política do conflito e ao desarmamento.

A isso o obriga a Constituição. A isso o obriga a vontade do povo português, cujos interesses e aspirações coincidem com os do povo sírio, a que nos ligam laços históricos muito fortes.

*Albano Nunes é membro do Secretariado do Partido Comunista Português (PCP).

Fonte: Avante!