Israel e Palestina: Debate sobre um ou dois Estados é um desvio

Possivelmente, o debate politico mais popular sobre Israel/Palestina é o que se dá entre apoiantes da solução de dois Estados e aqueles que defendem a ideia de um Estado. Um artigo do professor Ian Lustick, no jornal New York Times, ganhou bastante atenção recentemente.

Por Noam Sheizaf*, na +972 Magazine

Colônia israelense - Associated Press

Isso não é surpreendente: da nossa modesta experiência, na +972 Magazine, posso dizer que notamos há muito que os textos baseados na ideia de que “a solução de dois Estados está morta/não está morta” ou “a solução de dois Estados é impossível/possível” ganhou muita atenção e muitos comentários.

Entretanto, minha própria percepção nesses dias (que também se baseia em minhas próprias contribuições a este debate) é que esta é uma falsa questão, uma perda de tempo e de energia política, que serve atualmente para impedir qualquer forma de solução justa e pacífica.

A linha completa de pensamento sobre “a morte” da solução de dois Estados é uma abstração bizarra. Como se pode determinar quando uma ideia tornou-se impossível de ser implementada? O que conforma um determinado limiar (digamos, um número de colonos) um cume absoluto, além do qual é impossível dividir-se uma terra em duas?

Na vida real, a probabilidade de uma ideia ser implementada é uma questão de circunstâncias políticas e de poder político. Sob certas circunstâncias políticas, é impossível evacuar um punhado de colonos, sob outras, podemos imaginar não 100.000 (que se tornou o novo limiar “possível” nos últimos anos), mas um milhão deixando as suas casas (como quando os colonos franceses deixaram a Argélia depois de um século e meio lá).

Por tanto, não é surpresa que o argumento da “morte da solução de dois Estados” apareça como uma forma de Fata Morgana [expressão relativa a uma miragem complexa] política; está sempre um passo à frente de nós, mas nós parecemos chegar até ela.

Entretanto, se ainda não chegamos no momento “morte da solução de dois Estados”, quando 500.000 judeus israelenses mudaram-se para além da Linha Verde [fronteira reconhecida internacionalmente], ou quando a Autoridade Palestina dividiu-se em duas entidades, eu suponho que podemos continuar falando sobre este momento por muitos anos.

Mais importante, a conversa sobre as duas soluções não tem sentido, já que os dois rótulos (“um Estado”, e “dois Estados”) apenas parecem finais e coerentes em natureza. Na realidade, porém, as pessoas que os usam empregam interpretações extremamente variadas.

A solução de dois Estados proposta pelo [primeiro-ministro] Benjamin Netanyahu é bastante diferente (em todos os aspectos) dos dois Estados descritos pela Iniciativa de Genebra, ou da solução de dois Estados que alguns palestinos consideram. Novamente, a solução de dois Estados nunca morrerá porque podemos sempre reinventar a noção sobre o que é o Estado Palestino.

A conversa inteira sobre “a morte da solução de dois Estados à vista”, fraseada em termos futuros, serve a um único propósito: impedir uma discussão baseada em fatos sobre o que temos já há muito tempo: um único e unido regime em todo o território entre o Mar Mediterrâneo e o Rio Jordão, onde quase metade da população (judeus) têm direitos completos, enquanto aos não judeus são alocados direitos legais mais limitados, de acordo com um complexo mecanismo de cidadania e residência (alguns têm quase tantos direitos quanto os judeus, enquanto outros têm quase nenhum).

Esta não é uma abstração e nem um juízo, é a realidade política. Porém, descrever a realidade desta forma traz sérios problemas. Por isso, eles preferem lidar com abstrações imaginárias, falando sobre o que poderia ou não poderia ser, ao invés do que é.

As coisas não são menos abstratas quando as pessoas discutem uma solução de um Estado (embora apoiantes desta ideia estejam menos inclinados a se iludir sobre o atual estado das coisas). Minha impressão geral é a de que quando a direita israelense fala da solução de um Estado, refere-se ao Estado judeu, não diferente do Israel de hoje, com uma minoria palestina maior.

Além disso, quando grande parte dos palestinos fala de uma solução de um Estado, imagina um Estado palestino com muitos judeus. Como qualquer visitante no país de hoje pode ter notado, ambas as sociedades são extremamente nacionalistas; só se encontra um pós-nacionalismo consistente em círculos intelectuais e de elite, o que é mais ou menos esperado.

Minha impressão é que as pessoas discutem sobre soluções porque se trata de ser: A) fácil; B) divertido, especialmente para os intelectuais; e C) para ajudá-las a evitar escolhas políticas difíceis. Por exemplo, apoiantes israelenses da solução de dois Estados tendem a ver o seu país como uma democracia que deixará de ser no momento (que nunca chega) em que a solução de dois Estados não for mais possível.

Nunca será vista uma declaração da J Street [organização nos EUA que se identifica como “pró-israelense e pró-paz”] ou da Peace Now [organização nos EUA que defende a solução de dois Estados] dizendo que “Israel não é uma democracia, mas poderia tornar-se uma se evacuar os territórios palestinos”, mesmo que tal declaração fosse tão correta (e, em minha opinião, ainda mais) do que a que afirma que Israel é uma democracia, mas um dia poderia deixar de ser.

Para começar, o debate é uma distração útil da necessidade de lidar com tendências reais no terreno, nas duas sociedades, que parecem cada vez mais consumidas com o projeto de assegurar seus próprios modelos nacionalistas.
 
Então, por favor, chega de “um Estado versus dois Estados”. Uma abordagem honesta à política, acredito, precisa começar com uma avaliação real da atual situação no terreno (um Estado de facto, embora um que não é tão democrático assim), e a criação da força política para a mudança. Já que todas as pessoas e partes falam de uma solução diferente (mesmo quando usam os mesmos rótulos), deveríamos avaliar os planos atuais elaborados pelos partidos políticos. Em outras palavras, ambas as comunidades no território terá de avaliar e aprovar acordos reais quando eles forem alcançados.

*Noam Sheizaf é um jornalista independente e editor da revista eletrônica independente israelense +972 Magazine.

**Título original: Debate sobre um Estado versus dois Estados é perda de tempo e de energia política

Fonte: +972 Magazine
Tradução: Moara Crivelente, da redação do Vermelho