Derfner: Em Israel, Netanyahu dá sermões sobre a morte de Rabin

Eu estava ouvindo o discurso do primeiro-ministro [Benjamin Netanyahu] pelo rádio, nesta quarta (16), no Knesset [Parlamento], pela ocasião do 18º aniversário (no calendário hebraico) do assassinato do [ex-premiê Yitzak] Rabin, e me surpreendeu o quão longe podemos ir nesse país. Bibi Netanyahu está agora dando sermões sobre as lições da morte de Rabin. E ninguém diz nada.

Por Larry Derfner*, na +972 Magazine

Membros da família Rabin, no Knesset, não disseram nada, seja o que for que estavam pensando. Também os parlamentares do Partido Trabalhista, do Meretz, ou o parlamentar Ahmed Tibi, e qualquer outra pessoa que viveu aquele período e entende o que estava errado sobre a cena que se desenrolava.

       
          Em 1993, o então premiê Yitzak Rabin assinou os Acordos de Oslo com o líder palestino Yasser Arafat,
          com a mediação do ex-presidente dos EUA, Bill Clinton. Por isso, Rabin foi assassinado em 1994 por
          um judeu extremista.

Ninguém, no país inteiro, viu algo que valesse a pena comentar. É assim que as coisas são, agora – Netanyahu dá sermões a Israel sobre as lições tiradas do assassinato de Rabin, com toda a falsa compaixão que ele consegue expor, e qualquer um que tenha um problema com isso se cala, e todo o resto, a grande maioria, aceita isso como natural e correto.

“Muitos em Israel, inclusive eu próprio – mesmo aqueles que discordaram com ele de vez em quando – sempre admiraram sua profunda lealdade ao Estado de Israel, e viram o quanto ele queria e trabalhou pelo seu bem. Rabin sabia como se posicionar determinadamente pelos interesses de Israel, como ele os entendia, e ele representou o país com orgulho”.

Eu estava em pé, de frente para uma grande multidão em um comício anti-Oslo [o processo de paz que levou aos Acordos de Oslo, assinados por Rabin e o líder palestino Yasser Arafat, em 1993], em Jerusalém, em 1994, e os gritos “Rabin é um traidor!” eram tão altos que Netanyahu, falando no microfone, no palanque, teve que pausar algumas vezes até que os berros diminuíssem, para que ele pudesse se ouvir.

Depois que Netanyahu venceu a eleição de 1996 e tornou-se o primeiro-ministro, a então parlamentar do Partido Trabalhista, Dalia Itzik, disse que não podia aguentar pensar que ele passou a dormir na cama de Rabin. Isso foi o que fez a sua vitória eleitoral contra [Shimon] Peres naquele ano, oito meses depois do assassinato, tão desprezível – Netanyahu tinha metaforicamente “matado e também herdado”, de acordo com a frase bíblica que foi tão frequentemente aplicada a ele.

Isso foi assim entendido por anos após o assassinato; o papel de Netanyahu como líder de uma oposição tóxica aos Acordos de Oslo, como apresentador daquele circo satânico, acabou por segui-lo onde quer que ele fosse. Mas então, em 2000, os Acordos de Oslo implodiram na Segunda Intifada [levante popular palestino] e, de repente, o assassinato de Rabin perdeu seu significado político, seu poder de mobilizar as pessoas.

Ainda era triste, trágico e criminoso o fato de ele ter sido morto, claro, mas a causa pela qual ele foi morto não mais faria falta. Rabin estava errado e a oposição, mesmo que tenha ido muito longe, às vezes, estava certa.

Então, vamos esquecer sobre a razão política do seu assassinato, mantenhamos a política e o assassinato separados, falemos de coisas unificadoras, como a tolerância e o vigor da lei, e vamos lamentar a morte do Rabin que todos podem admirar.

“Ele era um combatente e um comandante na Palmach [força de elite da organização paramilitar judia Haganah, durante o Mandato Britânico na Palestina]; Chefe de Estado Maior das [Forças de Defesa de Israel] FDI e um dos libertadores de Jerusalém; embaixador nos Estados Unidos; primeiro-ministro; homem de Defesa e homem de paz”. (Nós todos queremos paz, nada controverso sobre isso.)

“Rabin trabalhou muito duro como Chefe de Estado Maior, ministro da Defesa e primeiro-ministro para assegurar a força das FDI como um instrumento essencial para proteger nosso futuro e alcançar a paz com nossos vizinhos”.

Foi o velho Rabin que Netanyahu homenageou – Rabin, o militarista. O Rabin dos Acordos de Oslo, que aguentou dois anos de golpes agudos da direita e disse a ela onde ela deveria desistir até que, para o choque geral, mas para a surpresa de ninguém, ele foi morto – aquele Rabin foi apagado da apresentação. Se alguém que não soubesse do assassinato ouvisse o discurso de Netanyahu, pensaria que Rabin foi morto por alguém do Peace Now [organização israelense que luta pela paz com os palestinos].

Mas esse é Israel hoje, e ninguém se opõe, ninguém sequer nota. Bibi passou de vilão do assassinato de Rabin para o portador oficial da chama. O problema não é que os israelenses tenham se esquecido do assassinato, mas que o “assassino também é herdeiro”, uma vez atrás da outra. E não há sinal de que ele vá desistir da sua herança; quando ele finalmente o fizer, provavelmente terá passado a herança para alguém da sua escolha.

Talvez, um dia, um primeiro-ministro israelense nomeie uma colônia na Cisjordânia com o nome de Rabin. Por que não? A história, como ficou ilustrado tão rotundamente no Knesset, nessa semana, é escrita pelos vencedores.

*Larry Derfner é um jornalista independente e antigo colunista do Jerusalem Post.

Fonte: +972 Magazine
Tradução de Moara Crivelente, da redação do Vermelho