Pelo fim da Violência

O artigo demonstra, com dados atualizados e fatos noticiados na mídia, uma tese fundamental: a violência é resultado das desigualdades sociais. Chama atenção que as notícias vinculadas pela imprensa podem levar a uma falsa compreensão do fenômeno, sem problematizar as causas que provocam sua eclosão no cotidiano.

Pelo Fim da Violência

José Benjamim Pereira Filho(*)

Fato inusitado ocorreu durante o desfile comemorativo à independência do Brasil no último dia 7 de setembro aqui em Campina Grande. Vigilantes de empresas particulares, articulados por seu sindicato, exigiam das autoridades o fim da violência. Naquela ocasião exigiam justiça com a punição de um assassino, reclamavam da insegurança e, pasmem, denunciavam que mais de 40 armas haviam sido roubadas de vigilantes na cidade somente neste ano.

Violência epidêmica. Ao abrir um jornal, ligar o botão do rádio ou da televisão, somos assaltados pela onda de violência que se espraiou pelo Brasil a fora. A TV e o rádio não têm o menor escrúpulo. No almoço ou no jantar são ‘servidas’ as mais drásticas cenas de violência praticadas em assaltos, roubos e assassinatos. Há uma violência endêmica acompanhada de uma “indústria do horror” que causa medo, pavor e insegurança geral.

Arquitetura do medo. Resido na mesma rua há 40 anos. Nas primeiras décadas o muro baixo permitia a socialização da vizinhança. Fazíamos mutirão de limpeza e nas quatro festas do ano nos confraternizávamos. Banhos d’água no carnaval, fogueirinha no São João, visita às casas no Natal e Ano Novo. Com o progresso os muros foram alteando. Surgiram cercas elétricas e o antigo vigia do bairro, antes conhecido pelo nome, foi trocado por siglas e nomes cavernosos em nome da segurança.

As casas que até recentemente apresentavam detalhes exteriores de embelezamento, algumas parecendo um bolo confeitado, mudaram também sua estética e para mostrar exuberância só restaram três apelos: a altura do muro, a cerca elétrica e o risível telhado ‘tobogã’ mais apto para os climas gelados. Uma “revolução” na arquitetura. Antes os vizinhos se viam, se conheciam, se cumprimentavam, trocavam cortesias, mimos. Hoje as ruas viraram becos desertos e assustadores.

Ninguém sai de casa “de peito aberto”. Automaticamente, ao abrir o portão, as pessoas olham para um lado e para o outro. Conferem a rua. As pessoas estão amedrontadas. Alguns não chegam em casa “de vez”, acostumaram-se a dar uma volta no quarteirão, para checar, antes de parar em frente ao seu portão. Os tempos mudaram. A violência aumentou e câmeras passaram a compor o aparato da segurança doméstica.
A violência na Paraíba

Violência epidêmica. Nos últimos 8 meses 131 pessoas foram assassinadas em Campina Grande, leio no jornal. Entre tantos um vigilante foi morto dentro do estabelecimento em que trabalhava prestando serviço para uma empresa de segurança. Motivo do protesto dos vigilantes no dia da pátria. Dias depois a sede da própria empresa de vigilância foi assaltada de onde foram subtraídas armas de grosso calibre.

Violência de classe. Na Paraíba 98% das vítimas de homicídio tem baixa escolaridade. Estão aquém do ensino médio. Das 2.626 mortes catalogadas em estudo realizado pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) apenas 52 tinham mais de 12 anos de estudo. Morrem jovens pobres e na maioria negros. Jovens sem acesso a educação. Uma violência de classe.

Nos últimos oito meses 3 ocorrências de assaltos foram notificadas "nas imediações" Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).

Há poucos dias uma manifestação de estudantes da UEPB, acompanhada por alguns professores, reivindicava mais segurança no campus. Recebi os manifestantes usando a saudação do Padre Reginaldo Veloso em recente passeata no Recife: “O Brasil que nunca dormiu saúda o Brasil que acordou”.

Lembro que há alguns anos participei de reunião no campus I, localizado em Campina Grande, sobre segurança. A preocupação era com as crianças do entorno do campus que perambulavam por ali à toa. Não haviam incidentes, mas cautelosos, os acadêmicos lembravam que aqueles meninos poderiam “desembocar para práticas de depredação do patrimônio e de pequenos furtos”. Indaguei o que fazer. Sugeriram chamar a polícia. Ponderei: “e o papel da universidade é este, não seria mais pertinente acolher e envolver a população do entorno com atividades de educação, saúde para os pais, as mães e as crianças?”

A reunião não foi concluída com amenidades. Os participantes ficaram desapontados. Dias depois soube que ali se instalara uma escolinha de educação física. Hoje esta escolinha, contando crianças, pais e mães, tem algo em torno de 700 pessoas da vizinhança envolvidas. Praticam esportes (futebol, futsal, natação, artes marciais) e têm acesso a outros bens oferecidos pela UEPB na saúde e na educação. Estas, invisíveis, são muito agradecidas à universidade e não tem sido motivo de incompreensões.

As reivindicações por segurança

Aos alunos que chegaram em passeata, informei que desde o início da gestão atual, a preocupação com segurança tem sido constante na agenda do Reitor. Elenquei algumas medidas, como por exemplo: no início da gestão, durante as audiências mantidas com as autoridades da Paraíba, o tema segurança esteve presente. Entre uma e outra audiência, ressaltei as solicitações que o Reitor fizera ao comando estadual da Polícia Militar. Mencionei o encontro com o comando local para tratar do problema e da contratação de consultores especializados na questão para elevar o padrão da ‘segurança inteligente’. Além disso, houve o aumento da iluminação, considerando que essas ações são permanentes na UEPB e se coadunam com um aparato sistemático de vigilância, dividido em dois segmentos, o quadro efetivo, concursado e o da vigilância armada, oriunda da prestação de serviço de uma empresa particular.

Com essa última, a universidade arca com cerca de R$ 5 milhões por ano. Após a contratação dos consultores a universidade passou a ter um maior número de câmeras, cerca de duzentas, instaladas no campus. Portanto, tem sido de muita responsabilidade a atuação do reitor e de sua equipe administrativa quanto a esse quesito.

Cada medida não é única. Um conjunto delas é efetuado de modo sincronizado para ter efeito. São várias. Alguns defendem a universidade tal como cidades medievais, muradas, isoladas dessa forma, dos perigos do mundo, dos bárbaros, dos miseráveis. Defendem uma universidade encastelada.

Se for utopia a idéia de que “quando a comunidade se apropriar da universidade ela não precisará de cercas e muros” então que se construam as cercas lembrando que é uma medida que pode não resolver, mas convenhamos, ajuda. Bom lembrar que nesta semana um assaltante entrou na bem protegida PUC-RS em Porto Alegre e, em plena sala de aula, subtraiu os pertences da professora e dos alunos.

No Brasil e na Paraíba, conforme a mídia, a violência atinge grande número de pessoas. A UEPB não é um paraíso isolado da realidade brasileira. A universidade deve cumprir este papel dinamizador. Talvez compreendendo assim é que o antigo bispo de Campina Grande e o atual; o presidente do Tribunal de Justiça da Paraíba, junto com vários desembargadores; o presidente do Tribunal Regional Eleitoral e outras autoridades, assim como a população do entorno e do estado, têm reconhecido na UEPB – inclusive através de reivindicações no orçamento democrático – uma possibilidade concreta de ser instrumento de construção de uma sociedade melhor, justa e igualitária.

(*) José Benjamim Pereira Filho é presidente do Diretório Municipal do PCdoB em Campina Grande – PB, professor da Universidade Estadual da Paraíba, onde exerce a função de Chefe de Gabinete.