Ilka Bichara fala sobre presença na Comissão da Verdade da UFBA

A Universidade Federal da Bahia (UFBA) empossou, na última quarta-feira (4/12), os nove integrantes da Comissão Milton Santos de Memória e Verdade, que vai investigar a relação da instituição de ensino com as violações de direitos humanos cometidas durante a ditadura militar (1964-1985). Entre os empossados, está a professora Ilka Bichara, do Instituto de Psicologia da Universidade.

Quando estudante, Ilka participou dos movimentos que lutavam pelo fim do regime, a exemplo do Cuca e do Trabalho Conjunto Salvador, e acompanhou de perto as arbitrariedades cometidas pelos militares contra estudantes, professores e servidores – muitas vezes com o consentimento da UFBA. Em uma conversa rápida, feita durante a posse, em Salvador, Ilka falou com o Vermelho sobre a comissão. Confira.

– Como recebeu o convite para integrar a Comissão de Memória e Verdade da UFBA?

Recebi com muita honra. Fiquei emocionada quando o professor Fernando Rego ligou para saber se eu aceitava porque acho essa comissão da maior importância. Eu que vivi, nessa universidade, um período da luta contra a ditadura, no movimento estudantil, no movimento cultural e, depois, em outros locais, como na Universidade Federal de Sergipe (UFS), isso significa muito pra mim. Estar ao lado de colegas como Emiliano [José], como Othon Jambeiro, João Augusto [Rocha], Olival [Freire], que foi o primeiro presidente do DCE (Diretório Central dos Estudantes) depois da reconstrução, isso também me honra muito. Ter pares que também vivenciaram vários períodos da História do Brasil, são militantes históricos, que dedicaram, praticamente, a sua vida à democracia, e hoje continuam lutando, com o alargamento dessa democracia.

– Como foi a sua participação na luta contra a ditadura?

Eu entrei na Universidade em 1973, na primeira gestão do DCE. Em 68 o DCE tinha sido fechado pela ditadura e, em 71, os estudantes reorganizaram o movimento estudantil, através do trabalho cultural, criando uma entidade chamada CUCA (Centro Universitário de Cultura e Arte), e com isso, conseguiram reabrir o DCE em 72. Entrei nesse clima e, em 74, me engajo no CUCA e fui uma das coordenadoras do Centro durante todo o período que estive na Universidade, depois fui presidente do DA (Diretório Acadêmico) de Psicologia. Atuei em muitas comissões e participava ativamente do movimento estudantil naquela época. Já no final do meu período de estudante, fui eleita pelo DA para representá-lo em um trabalho importante que estava começando que era o Trabalho Conjunto Salvador, uma frente criada para lutar contra a ditadura na cidade, entre 77 e 78. Depois, estive no Sindicato dos Psicólogos quando, em 79, fui trabalhar na Universidade de Sergipe e a militância já foi lá.

– Um dos questionamentos que se faz sobre a participação de pessoas que lutaram contra a ditadura na comissão é a possibilidade de se comprometer a neutralidade do trabalho. Como encara isso?

Pode ser uma desvantagem, mas também uma vantagem. Neutralidade não existe. A comissão estuda a responsabilidade do Estado na violação dos direitos humanos e liberdades individuais. A da UFBA vai investigar o que aconteceu na Universidade nesse momento para resgatar algumas coisas. É um trabalho político, um posicionamento político da UFBA. A gente está na academia [acostumada a lidar com a objetividade na produção acadêmica] e a sociedade está aí e vai julgar o trabalho, que vai ser divulgado. Esse problema não existe. Vamos discutir critérios para a realização do trabalho.

– Qual expectativa que faz da sua participação na Comissão?

Eu pretendo me dedicar muito. Eu acho que um trabalho desse você não pega por vaidade ou coisa assim. Você pega, para trabalhar porque é de uma responsabilidade muito grande. A comunidade espera que essa comissão produza relatórios, informes. A cidade de Salvador espera, a Comissão Estadual da Verdade aguarda isso. Então, acho que nós teremos muito trabalho. Estou me desvencilhando de outras responsabilidades na UFBA para ter mais tempo para me dedicar a essa Comissão.

– Já tem alguma pauta que pensa em sugerir?

São muitas questões, muitas pessoas. Ontem mesmo, o colega Marcus Vinícius me mandou um e-mail falando de um psiquiatra, professor da UFBA, que foi demitido. Então, são muitas histórias e eu acho que a gente vai ter que fazer uma pauta e começar a trabalhar nela, a partir do que o presidente Othon Jambeiro pensa em organizar.

De Salvador,
Erikson Walla