O Líder da Luta Anti-Apartheid Nelson Mandela morre aos 95 anos

O primeiro Presidente negro da África do Sul morreu nesta quinta-feira, anunciou Jacob Zuma, Presidente sul-africano.

Nelson Mandela foi o ultimo negro de sua geração no panorama internacional, ele foi precedido por Mahatma Gandhi, o libertador da Índia, e pelo reverendo norte-americano Martin Luther King, seu contemporâneo, que liderou o movimento pelos Direitos Humanos a favor dos negros americanos (1956-1968).políticas mais simbólicas ainda vivas. O seu papel na transição da África do Sul, no início dos anos 90, é inegável. Durante as duas décadas que passaram desde que o regime do Apartheid caíu de podre, o papel de Mandela no apaziguamento das tensões raciais foi decisivo. Ainda hoje não tenho dúvidas que é ele a fronteira entre o actual Estado de paz frágil e uma situação previsível que se pode vir a comparar a de alguns países vizinhos – se algum dia a ala radical do ANC chegar ao poder.

Nelson Mandela no final dos anos 50 defendia conduzir África ao socialismo via marxista. Mandela acreditava que a linha que separava brancos e negros fosse apagada como a linha que separa a pobreza e a fome dos luxos.

De Estado racista a país democrático
Nelson Rolihlahla Mandela era um homem simples, que gostava de assistir ao pôr-do-sol sul-africano enquanto escutava Handel e Tchaikovsky, seus compositores favoritos. Mas, durante 27 anos, ele viveu atrás das grades, privado da luz do sol e das músicas que tanto apreciava.

Advogado, líder rebelde e ativista pelos direitos da maioria negra, foi preso em novembro de 1962. Permaneceu na cadeia até fevereiro de 1990. Nesse período, recusou ofertas de revisão de sua pena e de liberdade condicional em troca de concessões ao governo que combatia.

Foi na prisão que Mandela tornou-se o principal ícone da luta contra a discriminação racial imposta pelo apartheid na África do Sul. Transformou a cadeia em um centro de aprendizado político para os colegas detentos, conquistou a simpatia de guardas e carcereiros e conseguiu, ao longo dos anos, angariar apoio internacional para sua causa.

Libertado em 1990, Mandela conduziu as negociações para transformar o país em uma democracia multirracial — trabalho pelo qual recebeu o Prêmio Nobel da Paz, em 1993.

Já vitorioso e empossado presidente, em 1994, conduziu de forma pacífica as mudanças que transformaram o Estado racista da África do Sul em um país democrático.

Casou-se três vezes, a última delas aos 80 anos, com Graça Machel, viúva de Samora Machel, ex-presidente de Moçambique e aliado ao CNA (Congresso Nacional Africano, partido de Mandela). Também foi casado por 13 anos com Evelyn Ntoko Mase, e por 38 anos com Winnie Madikizela, ou Winnie Mandela.

O guarda noturno vira advogado
Nelson Mandela nasceu em 18 de julho de 1918, no vilarejo de Mvezu, na região de Transkei. Filho único de Nosekeni Fanny e Henry Gadla Mandela — conselheiro do chefe supremo do povo thembu, Jongintaba Dalindyebo —, Mandela foi o primeiro de sua família a frequentar a escola.

Matriculou-se em 1939 na Universidade Fort Hare College, onde conheceu o futuro revolucionário Oliver Tambo (1917-1993), de quem se tornou um grande amigo.

Ambos foram expulsos da faculdade em 1940 por participar de uma greve. Mandela iria concluir o curso por correspondência.

Ao retornar à tribo, Mandela desentendeu-se com o chefe Dalindyebo, que já havia arranjado uma noiva para que ele se casasse.

Partiu para Johannesburgo, onde trabalhou como guarda noturno em uma mina de ouro e depois em uma imobiliária. Em 1942, filiou-se ao CNA (Congresso Nacional Africano), movimento que lutava contra o apartheid, e matriculou-se em direito na Universidade de Witwatersrand, em 1943.

No auge da Segunda Guerra Mundial, passou a integrar, junto com Tambo, um grupo de 60 jovens sul-africanos sob a liderança de Antom Lembebe (1914-1947). O grupo queria transformar o CNA em um movimento de massa e romper com a política legalista e pacífica da velha guarda da organização, que não vinha dando resultados.

Desse trabalho nasceu a Liga da Juventude do CNA, em 1944. A disciplina e a capacidade de liderança de Mandela logo impressionaram os colegas, e ele foi eleito secretário da Liga da Juventude, em 1947.

Sob sua liderança, o grupo conseguiu ganhar espaço na estrutura do CNA. Após a vitória dos africânderes, que apoiavam o sistema de segregação racial, na eleição de 1948, Mandela conseguiu fazer com que o Programa de Ação proposto pela liga — e que propunha boicotes, greves e desobediência civil — fosse adotado como uma política oficial da organização.

O massacre de Sharpeville e a luta armada
Em 1952, Nelson Mandela correu o país para liderar a Campanha em Desafio às Leis Injustas, que angariou o apoio de milhares de pessoas comuns para o CNA e culminou com uma desobediência civil em massa.

Como retaliação, o governo o proibiu de participar de atos públicos e de sair de Johannesburgo por seis meses. Neste mesmo ano, Mandela e Tambo abriram o primeiro escritório de advogados negros da África do Sul.

Nessa época, Mandela organizou os membros do CNA em uma rede nacional clandestina, prevendo que o grupo entraria na clandestinidade. Participou de protestos pacíficos até 1961, quando aderiu à luta armada.

O marco para a mudança foi o massacre de Sharpeville, em 1960, quando a polícia atirou em manifestantes negros que protestavam contra o regime do apartheid, matando 69 pessoas.

O CNA entrou logo depois na clandestinidade, como previra Mandela, que chegou a ser detido por alguns meses. Quando foi solto, ele fundou o Umkhonto we Sizwe (MK), braço armado do CNA. Em 1962, deixou o país para um treinamento militar na Argélia.

Caçado pelas autoridades, foi preso novamente em agosto daquele ano. Dessa vez, escapou da pena de morte por enforcamento e foi condenado à prisão perpétua em uma penitenciária perto da cidade do Cabo.

Da prisão à Presidência foram quase três décadas
Mandela só seria libertado 27 anos mais tarde a mando do então presidente sul-africano Frederik Willem de Klerk, após uma intensa campanha do CNA e de uma grande pressão internacional.

Em liberdade, voltou a ser protagonista na luta contra a segregação racial. Sua liderança foi fundamental na luta final contra o apartheid na África do Sul.

A vitória na luta contra as leis segregacionistas em seu país lhe garantiu, em 1993, o Prêmio Nobel da Paz, junto com De Klerk. Em 1994, Mandela foi eleito presidente da África do Sul nas primeiras eleições em que os negros puderam votar desde o fim do apartheid.

Em seu mandato, que durou até junho de 1999, conseguiu adquirir respeito da comunidade internacional pelo seu regime de conciliação. As práticas racistas foram proibidas de uma vez por todas em sua administração.

Depois de presidente, Mandela voltou a ser militante
Mesmo após o fim do mandato, Mandela continuou atuando como militante. Em 2003, chegou a fazer pronunciamentos contra a política externa do então presidente dos EUA, George W. Bush.

Ainda se engajou em campanha para arrecadar recursos para combater a Aids, que foi denominada "46664", seu número de identificação na prisão. Em 2005, revelaria ao mundo que a doença matara seu filho Makgatho, em 6 de janeiro daquele ano. No ano seguinte, aos 85 anos, anunciou que sairia da vida pública por problemas de saúde.

Continuou recebendo prêmios, como o concedido pela Anistia Internacional, de Embaixador de Consciência, em 2006.

Em 2010, com a saúde debilitada e após a morte de sua bisneta, ficou ausente durante quase todos os eventos relacionados à Copa do Mundo em seu país. Mas apareceu na festa de encerramento. Carregado em um carrinho de golfe, foi aplaudido de pé pelo público, que lotou o famoso estádio Soccer City.

Influência de Mandela no Brasil
De Nelson Mandela a Simón Bolivar, é indiscutível a importância de um herói nacional na construção e afirmação da identidade local. No Brasil, o arquétipo do que seria tal personagem tem mudado gradualmente, refletindo uma alteração nos discursos circulantes no país.

Esse contraste entre diferentes imagens do herói nacional nasce de uma mudança nos discursos circulantes na sociedade brasileira.

O discurso da malandragem surge como forma de justiça social, diante da desigualdade que sempre marcou o país. Assim, legitimando o desvio das regras para atingir o sucesso, surge o jeitinho brasileiro, imortalizado pelos sambistas da Lapa e atualmente associado negativamente aos políticos. É o discurso da malandragem que alça personagens como Leonardinho de Memórias de um Sargento de Milícias à posição de herói.

Porém, com a melhora nas condições econômicas e diante da imagem negativa que o discurso do malandro despertava, tal construção passou a dividir espaço com um novo discurso. Semelhante à ideia do “selfmade man”, esse discurso se baseia no esforço e no mérito como formas de atingir melhores condições de vida. Tal semelhança fica clara no depoimento de Denise Paraná, autora do livro em que se baseia o filme de Lula, ao apontar que este teria chances de ganhar o óscar de melhor filme estrangeiro por retratar "um drama pessoal pungente e uma história social dramática que tem como desfecho a superação da tragédia e a conquista de 'um novo lugar no mundo'", qualidades prezadas pela academia e pelos americanos em geral e que colocam o ex-presidente na posição de herói nacional.

Porém, a mudança não foi totalmente consolidada. Assim, os discursos da malandragem e do mérito dividem espaço no âmbito nacional, consolidando heróis tipicamente brasileiros, que embora se esforcem e sejam justos, conservam uma dimensão de malandragem.

Praça Nelson Mandela
Inaugurada em agosto de 1991, um ano e cinco meses após Nelson Mandela ter sido libertado dos 27 anos de prisão na África do Sul, a praça ganhou um visual respeitável com a construção de um busto de bronze em reconhecimento à luta de Mandela contra a discriminação racial e a favor da paz. Com um senso de humanidade extraordinário, o líder negro marcou a inauguração com a alegria de sua presença. A frase que deixou gravada na peça da artista plástica Márcia Magno é uma marca identificadora do bairro: "A luta é minha vida". Com o amplo espaço em frente ao Plano Inclinado, e uma imagem em bronze que vale ouro, a praça é lugar cativo para os eventos e manifestações culturais do bairro. Palco das micaretas da Liberdade, o local costuma ser ponto de parada na saída do Ilê, no carnaval. A praça é igualmente utilizada para a missa campal, após procissão em homenagem a Santa Bárbara, organizada pela Paróquia de mesmo nome. Em novembro, ao lado do busto de Nelson Mandela, uma das maiores referências da consciência negra, acontece a concentração da Caminhada da Liberdade, com saída da Rua do Curuzu. Promovido anualmente pelo Fórum de Entidades Negras, o evento marca o dia da Consciência Negra.

Mandela é um herói para negros e brancos de seu país e um símbolo da igualdade racial em todo o mundo.