Antonio Santos: Sexta-feira Negra, Sexta-feira Vermelha

Um pouco por todo o território dos EUA cresce a luta pelo aumento do salário mínimo. O movimento Fight for 15 (Luta por 15, em referência ao salário mínimo federal exigido) o tema voltou a ser destaque no cenário nacional ao organizar centenas de espetaculares ações surpresas, durante a famigerada Sexta-feira Negra.

Por Antonio Santos, no Jornal Avante!

Para os estadunidenses, este dia (feriado em vários estados) não significa apenas formidáveis descontos de até 90%, é também uma cerimônia de massas anual em que se consagra a submissão de um povo às grandes corporações. Cada ano, e este não foi exceção, milhares de pessoas formam filas nos parques de estacionamento dos centros comerciais, suportando uma gélida noite ao relento, pela oportunidade de se atropelarem por um televisor ou um frigorífico novo.

Como todos os anos e muito à semelhança do clássico de Romero “O renascer dos mortos”, o voraz apetite dos consumidores traduziu-se em incontáveis episódios de violência, desde tiroteios na Flórida a facadas na Carolina do Norte. Entretanto, os trabalhadores destas superfícies são obrigados a trabalhar horas extraordinárias sob as mais duras condições por salários que não garantem a sua sobrevivência. O Walmart, o segundo maior empregador do país, paga uma média de US$886 hora ao milhão e duzentos mil trabalhadores que emprega, tão pouco que mais de metade só sobrevive com apoios do Estado e um terço não tem acesso à saúde ou direito a baixa médica.

É essa a fórmula secreta dos fabulosos descontos da Sexta-feira Negra: socializa-se a despesa (em média, cada trabalhador do Walmart recebe em subsídios do Estado mais de US$5000 anuais) e privatiza-se o lucro (que no caso do Walmart ascende aos milhares de milhões de dólares). Mas ao menos nesta altura o espírito natalino contagia de generosidade até os mais empedernidos corações capitalistas e a época é fértil em demonstrações de “solidariedade” com os próprios trabalhadores que exploram: o Walmart, por exemplo, instalou à porta de todos os supermercados centros de recolha de alimentos para os seus trabalhadores e a McDonald’s criou uma página de Internet com conselhos para ajudar os seus “colaboradores” em dificuldades, onde se sugere, por exemplo, a venda de bens “que já não façam falta”, que não se sofra com o stress ou que se corte a comida em bocadinhos pequeninos, para que o estômago se sinta mais cheio.
Sexta-Feira vermelha

O salário mínimo federal está quarenta anos desatualizado em relação à inflação, ao passo que os lucros das maiores empresas atingem os valores mais altos desde os anos cinquenta. Segundo a Ocde, considerando valor do salário mínimo em relação ao salário médio, verificamos que os EUA têm, proporcionalmente, um salário mínimo mais baixo que o de Portugal, da Espanha ou da Polônia e que entre os países ditos “desenvolvidos” é o mais desigual.

Mas esta Sexta-Feira Negra foi diferente de todas as outras. O movimento Fight for 15 promoveu greves, vigílias e manifestações em mais de 1500 supermercados Walmart e centenas de outras empresas, da Macy’s à Burger King. Os protestos pacíficos pela implementação do salário mínimo de 15 dólares e em defesa do direito a constituir sindicatos foram recebidos com represálias e repressão. Durante a Sexta-feira Negra, foram detidos 110 trabalhadores em piquetes por todo o país e a polícia recorreu a gás pimenta e pistolas eléctricas para desmobilizar grevistas e manifestantes. Numa manifestação em Boston, Carla explicava que trabalha o tempo inteiro para a Walmart há quase uma década, mas que não tem dinheiro para comprar sapatos para a filha e que depende das senhas de alimentação do Governo. “Quem trabalha oito horas por dia devia ganhar o suficiente para sobreviver” declarava ao megafone. “A Walmart e o Governo só compreendem uma linguagem: a luta”.

A causa do Fight for 15 tem encontrado tal eco na sociedade americana que o próprio Obama, numa tentativa de apaziguar a base eleitoral do Partido Democrata e preparar terreno para o sufrágio de 2014, veio agora declarar que “o fosso entre pobres e ricos é o maior desafio da nossa era” ao mesmo tempo que apelava a um aumento do salário mínimo. Porém, o discurso de Obama ficou-se pela retórica e não concretizou que aumento defende nem como o pretende implementar. Ao Fight for 15 coloca-se agora o mesmo desafio que há dois anos se colocou ao Occupy: aceitar a cooptação do Partido Democrata e reduzir-se à insignificância do lóbi ou assumir as consequências políticas dos matizes de classe que são o seu código genético, seguindo pelo duro caminho da luta.