Oriente Médio: O papel dos EUA no aumento das tensões

Um balanço dos principais temas no Oriente Médio inclui, inevitavelmente, o papel dos Estados Unidos. Na retomada das negociações entre Israel e os palestinos – tratada separadamente pelo Vermelho –, no acordo nuclear com o Irã, no conflito na Síria e no uso de drones para ataques na Ásia Central, os EUA estão ativamente envolvidos nas questões de maior relevância na região, mas a análise sobre a sua decadência geopolítica também é abundante.

Por Moara Crivelente, da Redação do Vermelho

Hamid Karzai e Barack Obama - Associated Press

A política e a geoestratégia dos Estados Unidos para o Oriente Médio é tema de inúmeras análises e obras de extensões abrangentes. A instabilidade que domina a região é comprovadamente determinada pelas articulações estadunidenses, através da sua aliança inabalável ao sionismo – ideologia colonialista europeia que usa o judaísmo como bandeira religiosa para fins políticos, estratégicos e financeiros – e às monarquias autocráticas da região, como a Arábia Saudita, entre outras situações de dependência e relações de vantagem. Entretanto, os cidadãos estadunidenses vêm demonstrando cada vez maior aversão à política de ingerência e intervenções do seu país.

No Afeganistão – que fica, mais especificamente, na Ásia Central, e costuma ser incluído na definição de Oriente Médio –, mais de uma década se passou desde a invasão criminosa liderada pelo governo de George W. Bush, em sua doentia "guerra ao terror" desnorteada, a insegurança atinge picos históricos, já que o país está imerso na violência constante.

A desmilitarização e a independência afegã são postas como bases fundamentais para o seu desenvolvimento, e a situação atual tem sido apontada como uma de extrema pobreza e vulnerabilidade. Ainda assim, os EUA pressionam o presidente afegão, Hamid Karzai, para manterem as suas tropas no país além de 2014, prazo estipulado para a retirada total. Mas não têm apoio expressivo, nesta proposta, e o presidente Karzai chegou a dizer que os EUA têm postura colonialista.

Em meio aos protestos cada vez mais intensos dos afegãos contra a presença norte-americana, principalmente com o emprego de drones que causaram a morte de incontáveis civis em zonas rurais, Karzai tem postergado a assinatura de um acordo neste sentido até as eleições presidenciais, neste ano, mas não o faz sem resposta: as ameaças dos EUA contra o governo incluem o plano econômico. Ainda 2009, um adicional de 30.000 soldados completou a presença norte-americana no país: passaram ser, então, 100.000 "botas no terreno", como dizem em "estadunidês".

No Egito, ainda fica por verificar o papel das Forças Armadas que, depois de mais de meio século no poder, foram derrubadas – na figura do ex-presidente Hosni Mubarak – e logo reinstituídas, usando o grito dos milhões de manifestantes insatisfeitos com o breve governo do presidente Mohammed Mursi, afiliado à Irmandade Muçulmana, como alavanca para retomar o poder.

Sua relação próxima com os EUA é pública, plasmada institucionalmente nos acordos de Camp David, da década de 1970, com Israel,  que garantiram ao Egito o financiamento militar anual bilionário norte-americano. Nas próximas semanas, a realização de um referendo para aprovar a Constituição – elaborada por uma comissão do governo interino, respaldado pelo Exército – ainda tem muitos obstáculos a saltar, com as manifestações de rua ainda resultando em diversas mortes, pela repressão policial.

O domínio e a divisão colonialista de toda a região deixaram marcas profundas e determinaram o prevalecimento das divisões sectárias, politicamente manipuladas e instrumentalizadas pelas potências europeias, inicialmente. O governo do presidente Barack Obama segue a tradição, num rastro longo de ingerência política, "sutil" ou agressiva, intensificado antes pelo governo de George W. Bush em sua criminosa e cada vez menos obscura “guerra contra o terrorismo”. Neste ano, inclusive, os 10 anos da invasão do Iraque retomaram debates abrangentes sobre a falência da política estadunidense na região.

Obama esteve ativamente engajado nas sanções contra o Irã – política iniciada ainda em 1979, quando a Revolução Islâmica derrubou uma monarquia autocrática apoiada pelos EUA – e na promoção da intervenção militar contra a Síria, ambas as empreitadas extremamente malsucedidas, mas que maracaram um período importante deste ano que passa. Obama ficou isolado enquanto bradava pela ofensiva, já que seus apoiantes, o Reino Unido e a França, foram impedidos por seus Legislativos e por protestos civis de tomarem parte ativa no processo.

Não é surpresa, é preciso ressaltar, que o governo Obama nem sequer tenha levado a discussão aos representantes do seu povo no Congresso; pesquisas divulgadas pela mídia nacional mostraram, por exemplo, que a maioria dos estadunidenses não apoiava uma intervenção militar na Síria.

Nas duas questões, restou à máquina de guerra estadunidense conformar-se com a inciativa persa, por um lado, após a eleição do presidente Hassan Rouhani – considerado “moderado” – e, por outro, com a russa, no caso da Síria, para a promoção da diplomacia em detrimento da ameaça. Sentar-se à mesa de negociações tornou-se a única opção dos EUA, embora as vozes mais belicosas daquele país afirmem que foi justamente a ameaça que levou os seus “inimigos” a se “renderem” ao diálogo.

No caso persa, o marco de um acordo fundamental foi assentado, com o compromisso do Irã sobre a abertura das suas instalações nucleares para a inspeção internacional e a diminuição do seu enriquecimento de urânio, por exemplo, em troca do alívio das sanções ocidentais contra o seu setor financeiro, automobilístico e petrolífero, entre outros. Entretanto, até o fim do ano, a ameaça de novos pacotes de sanções era iminente e chegou a ser consolidada.

Extensão de um conflito alimentado

Na Síria, assim como no Líbano, as tensões sectárias têm se intensificado. O conflito armado no primeiro fica cada vez mais evidenciado como uma construção externa a muitas mãos: Estados Unidos, Reino Unido, Arábia Saudita, Catar, Turquia e Israel são atores recorrentes nas denúncias feitas pelas mídias menos comprometidas com o poder. A ingerência externa na Síria é evidente em diversas frentes: política, militar, financeira e midiática.

A manipulação da informação, o envio de mercenários, de armas e de extremistas religiosos são estratégias já comprovadas, mas ficam esclarecidas com a agressividade dos discursos de Obama, dos chefes de Estado do Reino Unido, da França, e de representantes da realeza saudita, para não falar, mais uma vez, do sionismo. Além disso, o evento ainda não esclarecido do ataque químico à região de Ghutta, próxima a Damasco, que matou inúmeros civis, parecia a desculpa perfeita para as potências intervirem, com discursos inflamados e encenados sobre uma "linha vermelha" cruzada, com o uso de armas químicas, num ataque cuja autoria ainda hoje não foi estabelecida oficialmente, nem mesmo pelos inspetores internacionais, que investigam no país a convite do governo.

Entretanto, foram todos obrigados a dar passo à diplomacia. Sem apoio suficiente, inclusive de diversos membros da própria Organização para o Tratado do Atlântico Norte (Otan), e com o empurrão da Organização das Nações Unidas (ONU), os EUA voltaram atrás e cessaram os tambores da guerra, ao passo em que a Arábia Saudita, que liderou a exclusão controversa da Síria da Liga Árabe – num movimento também de ingerência, com a transferência do assento sírio à representação da oposição ao governo –, quase chamou Obama de covarde.

Ficou difícil para os belicosos forjarem justificativas para a intervenção, entretanto. Num compasso relativamente acelerado, a Síria ratificou a Convenção para a proibição das Armas Químicas (CWC), convidou inspetores internacionais para investigarem e para conduzirem a destruição do seu arsenal e da capacidade de produção de armas químicas e continuou instando a oposição a sentar-se à mesa de negociações, definindo, com a participação crucial da Rússia, uma data para a Conferência Internacional de Genebra 2. Além disso, como na foto, centenas de rebeldes têm deixado os grupos paramilitares e entregado as armas ao governo sírio, para também juntarem-se ao Exército.

Enquanto isso, Israel mantém um estoque de ogivas nucleares não declarado, recusa-se a adotar a CWC e o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) e segue impedindo a visita dos inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) – da qual é membro apenas nas horas mais descontraídas – às instalações nucleares denunciadas por ex-técnicos israelenses como abrigos do seu programa bélico. Sem condenação efetiva, ainda assim, continua acusando a Síria e o Irã de intencionar destruí-lo e de representarem as verdadeiras ameaças na região.

Está aí mais um exemplo do que praticamente só a aliança estadunidense pode garantir ao país: empreender ativamente ações e discursos agressivos, possuir armas nucleares e químicas – e no caso destas, empregá-las sem consequências, como foi no Líbano e na Faixa de Gaza, em guerras recentes – e continuar incólume.

Disputas políticas e conflito regional no cenário libanês

O transbordamento do conflito na Síria também se evidencia no Líbano. O país tenta renovar um governo de contornos complexos, distribuído pela Constituição entre as diferentes linhas religiosas, mas as tensões internas e a instabilidade regional tornam este um objetivo desafiador. As investidas desestabilizadoras, segundo a esquerda libanesa, têm empenhado esforços decisivos para fragmentar o país, aprofundando disputas políticas internas fundamentais.

Novamente, as interferências da Arábia Saudita e de atores extrarregionais se evidenciam, sobretudo com relação à definição do cargo de primeiro-ministro, interinamente ocupado por Najib Mikati, mas que deve ser repassado, através da sanção do presidente Michel Suleiman, a Tammam Salam. O premiê designado é independente, sunita – como manda a Constituição – e diz ter "boas relações" tanto com a aliança 14 de Março quanto com a 8 de Março – à qual pertence o Hezbollah –, ambas opostas, com disputas centradas também no papel da Síria na política libanesa.

Salam tem o apoio da aliança 14 de Março, que ganhou a maioria dos assentos parlamentares na última eleição, em 2009, liderada pelo ex-premiê Saad Hariri – do partido Movimento do Futuro, de centro-direita –, filho do premiê Rafik Hariri, assassinado em 2005. Saad Hariri foi primeiro-ministro apenas até 2011, quando seu gabinete colapsou pela renúncia de 11 ministros da coalizão. Najib Mikati foi então nomeado para o cargo pela aliança 8 de Março.

O ano terminou, e um governo interino se mantém, desde o pedido de demissão de Mikati, em março de 2013, com eleições gerais programadas para o ano que se inicia. O aumento da violência desestabiliza qualquer estrutura política remanescente e intensifica oposições entre, por exemplo, a direita, a esquerda e setores do Islã, onde se poderia incluir a resistência libanesa, representada pelo partido islâmico xiita Hezbollah que, por sua vez, tem apoiado as tropas do Exército sírio no combate aos paramilitares e às ofensivas israelenses.

No mesmo sentido, ataques de Israel contra o território libanês e o sírio se mantêm. Entretanto, são vastas as análises do cenário político no Líbano focadas exclusivamente nas divisões sectárias que há muito definem institucionalmente os governos e os conflitos no país. Por outro lado, a presença de mercenários estrangeiros e islamitas em território líbanês vai sendo revelada, sobretudo de grupos envolvidos no conflito da Síria.

Nos últimos meses, além dos confrontos entre as Forças Armadas e grupos islamitas, também tensões com Israel e explosões no meio urbano abalaram o país, especialmente a capital, Beirute. Em um dos últimos episódios, a detonação de um carro-bomba matou oito pessoas, inclusive o ex-ministro das Finanças, Mohammed Shattah, o que levou forças da direita e do universo cristão e sunita a retomarem acusações infundadas de "assassinato político" contra o Hezbollah e contra forças sírias, historicamente envolvidas no cenário político libanês. A hipótese de envolvimento israelense não é descartada, entretanto.

De volta à situação regional, assim como o Iraque, as autoridades libanesas afirmaram-se contrárias à suspensão da Síria na Liga Árabe, mas envolver-se no conflito não estava, de forma alguma, na agenda oficial. Recentemente, porém, o país vê-se cada vez mais sem esta opção.

Neste sentido, a atuação do movimento de resistência islâmica e partido político Hezbollah no apoio às tropas sírias contra os paramilitares tem sido profuso. O Exército árabe-sírio retoma o controle de diversas regiões estratégicas antes tomadas para o contrabando de armas pelos chamados “rebeldes”, embora a população ainda se encontre numa situação de extrema violência, com milhares de refugiados sendo expulsos aos países vizinhos e para outros continentes, em uma crise humanitária aguda, com poucos precedentes.

Decadência geoestratégica dos EUA

A responsabilização das potências estrangeiras e dos vizinhos que apoiam os paramilitares é urgente, pois estende no tempo e no espaço o sofrimento civil, enquanto atenta contra a soberania nacional, novamente, não por questões humanitárias, obviamente, mas por uma agenda geoestratégica decadente.

Felizmente, não são poucos os que predizem – ou receitam – um retraimento da projeção hegemonista dos Estados Unidos, analisando a possível volta ao isolacionismo que outrora definiu a sua política externa. Seu papel imperialista definiu um século inteiro, se considerado o período desde o fim da 1ª Guerra Mundial até o ano que se inicia.

Além disso, enquanto alguns cientistas políticos discutem as chamadas "novas guerras" e a "obsolescência das grandes guerras", é possível ver, no terreno, os altos custos trazidos pela empreitada belicosa, que esparrama pelo mundo, como se tratasse de um tabuleiro, milhares de soldados, recursos financeiros e materiais e esforços políticos, inclusive no período da maior crise mundial desde a década de 1930, com a surpresa do aumento da fome entre os norte-americanos. Também a morte de incontáveis soldados e as consequências psicológicas têm sido trazidas à atenção com números e situações extraordinárias, levando a população estadunidense a questionar mais veementemente o sentido da guerra, principalmente as que sustentam no Iraque e no Afeganistão.

Embora ainda seja o maior Exército do mundo, ressalva que alguns analistas têm feito para contrapor a ideia da sua redução de poder, diplomaticamente, os Estados Unidos têm sido frequentemente encurralados, e isso tem, sim, grande peso no cenário internacional. Resta esperar que a tendência se mantenha, mesmo que, além do poderio militar, também é posta como argumento contrário à decadência relativa a sua recuperação econômica – às custas, entre outros, de um aumento questionável do limite da sua dívida, negociação que levou à "suspensão" temporária do governo, em outubro.

A política de ingerência generalizada revelada pelas denúncias do WikiLeaks – sobre documentos controversos da política internacional – e do ex-técnico da Agência Nacional de Segurança dos EUA (NSA, na sigla em inglês), Edward Snowden, puseram em foco as suspeitas que o mundo já tinha sobre a espionagem disseminada e a interferência secreta nas sociedades e na condução da política por parte dos serviços de inteligência norte-americanos.

Felizmente, o avanço progressista no cenário internacional tem projetado novamente, e com mais intensidade, um debate que precisa ser efetivado: o da reforma, reestruturação e implementação real do sistema das Nações Unidas. Na sua Assembleia Geral, em setembro, os discursos de inúmeros líderes que ganham cada vez mais notoriedade – como a própria presidenta Dilma Roussef, que ressaltou: "o abandono do multilateralismo é prelúdio de guerras" –, basearam-se nesta prioridade, ao mesmo tempo em que condenaram veementemente a arrogância estadunidense – plasmada inclusive no discurso de Obama, na mesma ocasião – e a violação não apenas das boas relações e da privacidade dos líderes espionados, mas também os direitos civis de praticamente toda a população mundial.

Assim, a reforma é avançada para que uma organização internacional de tamanha dimensão tenha um papel verdadeiramente representativo de uma nova era, que promova a paz e a cooperação com maior eficiência e que institucionalize, de uma vez por todas, o direito internacional e a igualdade entre as nações, contra um sistema de dominação, novamente, de uns sobre os outros.