Kerry viaja à Palestina e Israel para apresentar quadro de acordo

O secretário de Estado dos EUA John Kerry deve apresentar linhas gerais para um acordo entre palestinos e israelenses quando voltar à região, nesta quinta-feira (2), de acordo com o Departamento de Estado norte-americano, citado pelo jornal israelenses Ha’aretz. Kerry planeja discutir com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahy, de Israel, e com o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, um quadro para a solução das questões centrais, conforme reivindicado há décadas pelos palestinos.

Colônia israelense - Reuters

Enquanto as negociações retomadas em julho estão num impasse, a denúncia da ocupação israelense sobre os territórios da Palestina são reiteradas, assim como do aumento da violência. As questões centrais a serem abordadas, de acordo com o Departamento de Estado dos EUA, são as fronteiras do Estado da Palestina, “questões securitárias”, o destino dos refugiados palestinos e as disputas pela cidade de Jerusalém.

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Em abril termina o período determinado para as negociações, que deveriam durar nove meses, mas a falta de avanços significativos leva os palestinos a formularem ações no âmbito internacional, uma estratégia que já vinham empregando, e que foi suspensa em prol dos diálogos.

Elas incluem o reconhecimento da Palestina como Estado, na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, por mais de 130 países, em 2012; a integração a agências importantes, como a Unesco, e a denúncia de Israel ao Tribunal Penal Internacional pela ocupação. Esta é a próxima medida na agenda, de acordo com os diplomatas palestinos, caso um acordo não seja alcançado.

Recentes propostas avançadas por Kerry foram rechaçadas pela Autoridade Palestina (AP), como a que colocava no papel a principal preocupação estadunidense já plasmada em seus discursos: a “segurança” de Israel, o que incluiria a manutenção de tropas israelenses no território palestino, principalmente na fronteira com a Jordânia, a desmilitarização do Estado da Palestina e a presença de uma força internacional. Destes tópicos, apenas o último foi considerado aceitável pela AP.

A viagem de Kerry coincide com a libertação do terceiro grupo de 26 prisioneiros palestinos das cárceres israelenses, na segunda (30/12) à noite. Todos eles tinham servido entre 19 e 28 anos de sentença, e compõem uma lista de 104 palestinos a serem libertados durante o processo de negociações, acordada para a retomada dos diálogos.

Entretanto, a continuidade das atividades de colonização e propostas como a avançada no fim de semana, de anexação do Vale do Jordão palestino por Israel, colocam sérias dúvidas sobre a viabilidade de um Estado da Palestina com as fronteiras estabelecidas pelo consenso internacional, anteriores à Guerra dos Seis Dias, de 1967, quando as tropas e o governo israelense ocuparam diversos territórios árabes, inclusive Jerusalém Leste, região palestina (a anexação foi definida por lei, em Israel, em 1980).

Por outro lado, o jornal Ha’aretz informou que o primeiro-ministro Netanyahu finalmente anunciou uma breve suspensão da construção nas colônias em territórios palestinos, “até o fim da visita de Kerry”. O descaso israelense com as negociações e as retóricas negligentes dos EUA contra as construções vinham sendo ressaltados com revolta por observadores e pelos palestinos, sem qualquer reação incisiva. As gestões de Netanyahu possibilitaram um dos maiores avanços da ocupação em toda a história do conflito.

Falta de compromisso

Kerry havia instado os israelenses a “conter” as construções e, em suas declarações mais firmes a respeito, disse apenas que os novos assentamentos “levantavam questões sobre o comprometimento de Israel com a paz”. A União Europeia também tem pedido que o governo israelense não anuncie novas construções, dizendo que responsabilizaria o país por qualquer interrupção das conversações.

Mohammad Shtayyeh, um dos negociadores palestinos, que pediu demissão do seu posto em novembro, em protesto pela conduta israelense, disse que a AP não reconhecerá Israel como um Estado judeu, como tem sido exigido pelos israelenses. Milhares de palestinos que vivem em Israel poderiam ter seus direitos civis ainda mais limitados e sofrer ainda maior perseguição, temem as autoridades palestinas, uma vez que a segregação e a marginalização dos não-judeus tem sido ressaltada inclusive por israelenses.

Além disso, a preocupação também está na já difícil implementação do direito dos refugiados palestinos ao retorno, reconhecido através de diversas resoluções da ONU, mas negado incisivamente por Israel. Para Shtayyeh, assim como para outras forças políticas palestinas, inclusive no governo, as atuais negociações servem apenas para a manutenção da relação assimétrica de poder entre Israel e a AP, já que o primeiro continua ditando os termos do processo.

Enquanto isso, Netanyahu mantém-se ocupado na tentativa de acalmar seus parceiros de coalizão no governo, um dos mais direitistas e sionistas da história israelense. Com grande representação de colonos, o governo usa a libertação dos prisioneiros, por exemplo, como vantagem para a continuação das construções, como se tratassem de contrapartidas.

Quatro ministros do Parlamento israelense (Knesset) disseram ao Ha’aretz que Netanyahu havia diminuído a importância de um acordo-quadro a ser discutido com Kerry, durante uma conversa informal. Segundo eles, o premiê havia dado perspectivas diferentes a cada um deles sobre o que o acordo conteria, mas que o que importava é que seria um documento sem implicações práticas, com declarações gerais, para impedir que as negociações sejam suspensas.

Entretanto, de acordo com fontes próximas a Kerry, a proposta feita exigirá uma resposta direta sobre a aceitação ou não aceitação das linhas gerais de um acordo que continuará sendo debatido durante o período restante, ou seja, até abril.

Moara Crivelente, da redação do Vermelho
Com informações do Ha'aretz