Marinha e organizações se manifestam sobre Rio dos Macacos

Nesta sexta-feira (10/01), a Marinha do Brasil enviou nota à imprensa com esclarecimentos sobre a detenção de dois moradores do Quilombo Rio dos Macacos, em Simões Filho, na última segunda-feira (06), após desentendimentos com oficiais. O assunto tem repercutido de forma significativa em todo o país. Ontem (09), organizações sociais lançaram um manifesto contra a situação. O texto disponível na internet já possui adesões de dezenas de organizações políticas do Brasil.

De acordo com a nota da Marinha, intermediada pelo Comando do 2º Distrito Naval, foi instaurado um Inquérito Policial Militar para apurar os fatos, as circunstâncias e as responsabilidades pelo ocorrido. A investigação contará com a assistência do Ministério Público Militar e, como medida preventiva, os militares envolvidos no fato foram afastados dos postos de serviço. Ainda segundo a Marinha, as demandas do Ministério Público Federal (MPF) sobre o tema serão atendidas tempestivamente.

Abaixo, o manifesto divulgado em apoio à comunidade do Rio dos Macacos, que conta com a adesão de diversas organizações sociais brasileiras como Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra da Bahia, Instituto Palmares, Associações de Remanescentes de Quilombo, Associação Nacional das Baianas de Acarajé e Mingau, Movimento dos Sem Teto da Bahia, Movimento Negro unificado – PE, Centro de Referência em Direitos Humanos da UFPB, CRIOLA – RJ, Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará.

“Prisão de lideranças da Comunidade Quilombola de Rio dos Macacos pela Marinha de Guerra do Brasil foram ilegais, violentas e arbitrárias

Na tarde da última segunda-feira, dia 06 de Janeiro de 2014, no Quilombo do Rio dos Macacos, oficiais da Marinha de Guerra do Brasil mais uma vez violaram as leis da República e colocaram em risco o estado democrático de direito, praticando toda ordem de violação aos direitos humanos, com a prisão arbitrária e violenta de Rosemeire dos Santos e Ednei Messias dos Santos.

Os irmãos, protagonistas da luta pelos direitos da Comunidade, membros de uma das famílias que enfrentam com coragem a Marinha de Guerra do Brasil dentro do Território quilombola de Rio dos Macacos, foram agredidos por oficiais com espancamentos, tendo Rosemeire sido arrastada pelos cabelos, na frente de duas das suas filhas, de 06 e 17 anos respectivamente, quando retornava com seu irmão Ednei, após terem saído da área do Quilombo para matricular as meninas na escola.

Na Entrada da Vila Naval, Ednei foi retirado do carro a força pela janela, e os dois foram presos e espancados, tendo Rosemeire sofrido diversos abusos – relatados na Delegacia Especial de Atendimento a Mulher – no trajeto entre a Vila Naval, onde fica o Território Quilombola de Rio dos Macacos, até a Base Naval de Aratu, distante 9 Km do território quilombola.

Lá os irmãos foram submetidos a todas as formas de humilhações, abusos e torturas, sendo que fotos das filhas de Rosemeire foram subtraídas pelos oficiais e os celulares de Rosemeire e de Ednei foram esmagados, tendo todos os chips sido tomados pelos militares que os conduziram ilegalmente a Base Naval de Aratu e até então não devolvidos.

No dia seguinte, 07/01/2014, logo no inicio da manhã familiares chamaram o SAMU, que levou Rosemeire, para uma unidade da Assistência Básica no município de Simões Filho, que não tinha os meios para atende-la diante da situação em que se encontrava, seguindo para o Hospital do Subúrbio em Salvador, onde realizou exames e ficou em observação durante todo o dia.

Além de muita humilhação e abusos impronunciáveis, as agressões geraram uma situação de muito medo e choque para toda a Comunidade de Rio dos Macacos. Tudo isso é fruto da guerra mental imposta a Comunidade pela Marinha de Guerra do Brasil, que ignora deliberadamente as leis Brasileiras e impõe à Comunidade e a toda sociedade brasileira regras correlatas àquelas que imprimiram durante a DITADURA MILITAR.

O governo brasileiro vem, desde 2007, tratando este caso com leniência, aliado às forças militares para garantir a execução de grandes empreendimentos, em prol de um projeto de desenvolvimento que exclui, humilha, pilha territórios tradicionais quilombolas, indígenas, pesqueiros e outros Brasil afora, desafiando a sociedade brasileira e instituições nacionais e internacionais.

De forma que a sanha dos militares no último dia 06 de janeiro não é caso isolado, tem ligação direta com a retomada da Comunidade pelo direito de reformar suas casas, refazer suas roças, garantir um espaço coletivo para as reuniões e ter uma entrada livre de humilhações diárias, questões que um conjunto de instituições pactuaram em audiência pública dia 23/10/2013, no Ministério Público Federal em Salvador.

Desde que o Quilombo foi ocupado pela Marinha de Guerra do Brasil em 1960, tem sido negados aos quilombolas o acesso a direitos básicos como educação, água, saneamento e energia elétrica. E para a construção da Vila Naval, em 1972, foram derrubadas 101 casas, inclusive templos sagrados de diversas nações do Candomblé, como consta no RTID – Relatório Técnico de Identificação e Delimitação, elaborado pelo INCRA, que informa o tamanho do território com 301 hectares.

A Marinha, contudo, quer impor a Comunidade uma área de 23 hectares, a 500 metros de distancia do território tradicional, porém a Comunidade entende que direitos humanos são inegociáveis e o seu território não é moeda em troca de migalhas sociais, seguindo na luta sem ceder às chantagens governamentais. Somos 52% da população brasileira e as migalhas que caem da mesa farta do capital, articulado com o racismo institucional não aplaca a nossa fome por justiça, liberdade e afirmação da nossa memória.

Enquanto um juiz federal sentencia processos eivados de nulidades sem nunca ter ouvido a Comunidade, os quilombolas seguem sob a ameaça e vigilância constantes de fuzileiros, comandados por oficiais frios e calculistas, que impunemente não reconhecem as mulheres, homens, crianças e idosos de Rio dos Macacos como seres humanos. Por isso, mesmo com toda violência do Estado e o silêncio de uma presidenta, que no passado foi vítima dos militares, Rio dos Macacos não desiste de seus direitos, inscritos pela justa luta dos que vivem hoje e pelo sangue dos ancestrais.

Para fazer valer o disposto pela Convenção 169, artigos 215 e 216 e 68 do ADCT da CF de 1988, e pelo Decreto 4.887/2003, seguiremos na luta, pois o que o Estado Brasileiro está fazendo nesta e outras Comunidades quilombolas, através da Marinha do Brasil e de outras forças militares, é Racismo Institucional. Os direitos humanos da Comunidade quilombola Rio dos Macacos não estão em negociação.

– Pela imediata titulação dos 301 hectares do território quilombola de Rio dos Macacos

– Pela imediata construção da estrada e entrada independente que ponham fim na humilhação e desgastes entre militares e comunidades

– Pela investigação isenta e punição dos crimes de violação dos direitos humanos da Marinha de Guerra do Brasil contra os/as quilombolas de Rio dos Macacos.

Salvador – Bahia – Brasil, 08 de Janeiro de 2014.

Comunidade Quilombola Rio dos Macacos”

De Salvador,
Ana Emília Ribeiro