Comitê popular palestino faz campanha contra anexação israelense

A campanha popular palestina Melh al-Ard (“Sal da Terra”) trabalha para ressucitar a vila Ein Hijleh, no Vale do Jordão, atualmente em foco devido aos planos de grupos políticos israelenses de anexar o território palestino. Nesta segunda-feira (3), quando a ação entra em seu quarto dia, dois jornalistas catalães que vivem na Palestina enviaram ao Vermelho a entrevista que fizeram com Mahmmoud Zhaware, da direção do Comitê de Coordenação de Luta Popular (CCLP).

Palestina - P.F. e L.S.

L. S. e P.F. – que pediram para não ser identificados devido às dificuldades impostas aos jornalistas que escrevem críticas a Israel – são colaboradores de jornais como o Diagonal e La Directa, da Catalunha (comunidade autônoma da Espanha), e vivem na Cisjordânia desde o ano passado, atuando com os comitês de resistência popular.

Nas últimas semanas, a crescente reivindicação de grupos políticos da direita ortodoxa em Israel sobre a anexação ou a permanência dos colonos israelenses no Vale do Jordão palestino, caso um acordo seja alcançado durante as atuais negociações, tem levantado mais alarme sobre a situação de uma região há tempos ameaçada.

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Diversas questões cercam a ocupação israelense e o processo de “judaização” do Vale do Jordão, não apenas relacionadas com a história religiosa da região, mas também com a sua importância geoestratégica e seus recursos aquíferos, literalmente confiscados pelas autoridades israelenses.

Neste sentido, em 31 de janeiro o Comitê de Coordenação de Luta Popular (CCLP) da Palestina lançou o protesto simbólico de reconstrução da vila, direcionado à conscientização do povo palestino sobre a resistência popular contra a ocupação isralense e para expressar frustração com as negociações entre a Autoridade Palestina (AP) e Israel, retomadas em julho do ano passado, mas fundalmente estagnadas.

“Recusamos o plano do [secretário de Estado dos EUA] John Kerry, que vai estabelecer um Estado palestino desfigurado e reconhecer a entidade israelense como um Estado judeu,” diz o comunicado de lançamento da campanha. “Afirmamos a unidade do nosso povo e a sua luta, onde quer que esteja, por nossos direitos inalienáveis.” Como outras iniciativas de protesto popular, a campanha é um chamado à resistência e à mobilização.

A vila Ein Hijleh fica em terras do monastério cristão-ortodoxo, na Área C da Cisjordânia, a região definida pelas negociações de Oslo, do início da década de 1990, para ficar sob o controle militar e administrativo de Israel por um período de cinco anos, mas que ainda é vigente. A Área C, que corresponde a cerca de 60% do território definido para o Estado da Palestina pelo consenso internacional, está sob a ameaça constante de anexação. Leia a seguir a entrevista dos jornalistas com Mahmmoud Zhaware.

P.F. e L.S. – Antes de mais, por que vocês escolheram este local?

Mahmmoud Zhaware – Aqui estamos no Vale do Jordão, que é parte do que está acontecendo dentro das negociações, é parte do plano de Kerry, segundo o qual o objetivo é dividir a responsabilidade, como se isso tratasse de uma questão de segurança. Na verdade, porém, trata das riquezas do Vale Jordão, dos seus recursos aquíferos e da sua localização geográfica, para dividir os territórios palestinos.

Em segundo lugar, escolhemos este local, em específico, porque é uma terra privada, conectada à igreja. E para dar uma dimensão da importância religiosa na Palestina, um lugar de religiões múltiplas, queremos mostrar que não se trata de uma seita ou de outra: todos os palestinos são afetados, quer sejam muçulmanos, cristãos, não importa. Escolhemos o local para mostrar que isso é a terra palestina.

Quais são os objetivos primordiais desta ação?

O objetivo principal é a continuidade da resistência, dos comitês populares de resistência. O objetivo a curto-prazo é mostrar a identidade da terra sob ocupação, ressaltar o que está acontecendo e a importância do Vale do Jordão. Outra motivação é unir os ativistas palestinos neste lugar, onde eles podem se conhecer, construir relações e fortalecer suas redes entre os palestinos, em primeiro lugar, e fortalecer a sua resistência popular, no futuro.

O que acontece aqui é parte de uma série de ações que os comitês populares começaram a organizar há um ano.

  Foto: P.F. e L.S.


Como você avalia o interesse do povo palestino nestas ações? As pessoas se interessam?

Seja qual for a reação palestina, é algo bom. Em geral, há uma reação positiva das pessoas. Algumas estão encorajadas para agir e tomar parte nisso, outras querem observar o que está acontecendo e, ainda outras, questionam o porquê de escolhermos este local e não outros.

A verdade é que todas as áreas são iguais, para nós. Mesmo que uma esteja mais ameaçada do que a outra, mas este é o começo. Não se alcança a maioria das pessoas e o seu apoio desde o início, e sim diariamente. Este é o objetivo, aumentar a consciência dos palestinos sobre o que está acontecendo e sobre a resistência popular.

Como anda reagindo o Exército israelense?

De duas formas: a primeira, eles nos ignoram até que nos cansemos, para ver se isso é apenas um show, o que não vai acontecer. A segunda, eles veem para nos expulsar. Neste caso, eles dependem de uma legislação israelense, que pode ser criada a qualquer momento.

E vocês planejam ficar aqui por quantos dias?

O plano é que fiquemos aqui por uma semana, para os que são de fora. Depois, continuamos com as atividades de fato, no local, procurando formas sustentáveis para que esta área continue.

Por que vocês escolheram este nome para a campanha, o Sal da Terra?

Por diferentes razões. Uma é o local, o Vale do Jordão é uma área salgada. O sal é algo bom, na cultura árabe. Outra é a história religiosa por trás disso. Jesus, quando estava dizendo para os seus discípulos que eram o sal da terra, estava aqui, no Vale do Jordão.

Uma última pergunta: Por que opõem-se às conversações de paz?

Porque não podemos estar negociando constantemente. Eu acredito nos princípios das negociações, para solucionar o conflito, mas não sem poder. O poder vem do povo, através da resistência popular. Eu, agora, me oponho ao que está acontecendo porque há uma situação assimétrica no terreno.

Desde as negociações anteriores com Israel, desde Oslo [negociações do início da década de 1990, que resultaram em dois acordos interinos], Israel tem evadido o direito internacional.
Acho que as pessoas estarão mais cientes do que estavam durante [o processo de paz de] Oslo e vão reagir contra o atual. Por isso é que estamos trabalhando, para adverti-las.

Edição de Moara Crivelente, da redação do Vermelho