Lugo alerta para as ameaças dos Estados Unidos na América Latina

O ex-presidente do Paraguai e atual senador pela Frente Guasu, Fernando Lugo, considera o país um “satélite dos Estados Unidos” na América Latina. Em entrevista exclusiva ao Portal Vermelho, Lugo fala sobre a presença das forças armadas estadunidenses no Paraguai e o posicionamento do governo de Horácio Cartes que está na contramão da integração do continente.

Por Mariana Serafini, da Redação Vermelho

Lugo

Lugo conta que, enquanto presidente, ele procurou ampliar as relações comerciais do Paraguai com outros países para enfraquecer os laços com os Estados Unidos. Foi, sem dúvida, o período em que o país esteve mais próximo do Mercosul e do projeto de integração da América Latina.

O deputado da Frente Guasu, Ricardo Canese, em uma conversa com o Vermelho em Assunção (PY), em dezembro de 2013, chegou a afirmar que o Governo Fernando Lugo deu ao povo paraguaio o direito de sonhar com um país diferente. “As pessoas passaram a ter acesso a serviços que não conheciam e começaram a conhecer direitos que até então não existiam no país”. Ele fala sobre os sistemas de saúde e educação públicos que, apesar da precariedade, melhoraram muito em relação aos governos anteriores.

Impedido de cumprir os cinco anos de governo devido ao Golpe Parlamentar, obviamente Lugo não conseguiu consolidar mudanças estruturais, mas teve a ousadia de mexer nas bases que sustentam os privilégios da classe média paraguaia. Acredita até que este seja um dos motivos pelo qual foi deposto.

Apesar de muito distante da reforma agrária, tão necessária para o Paraguai, na semana do golpe – 21 de junho de 2012 – Lugo tinha assinado um decreto presidencial para interferir no processo de implantação das agroindústrias multinacionais que trabalham com sementes transgênicas e agrotóxicos nocivos à população.

Atualmente o Paraguai é um dos maiores exportadores de grãos do mundo. Em 2010 foi o terceiro país com o maior crescimento econômico, ficou atrás apenas do Catar e do Senegal. No entanto, mais de 30% dos paraguaios passam fome, vivem em miséria absoluta. A migração do campo para a cidade cresce a passos largos ano a ano. Isso porque a agroindústria sufoca o desenvolvimento da agricultura familiar voltada para a produção orgânica e sustentável.

Ao ampliar as negociações comerciais do Paraguai com os outros países da América Latina e Ásia, Lugo se distanciou dos Estados Unidos e tentou reduzir a presença das forças armadas estadunidenses no país. Ele conta que negou imunidade diplomática a mais de 500 membros das formas armadas norte-americanas presentes no Paraguai que reivindicaram esta condição. “Eu creio que este seja um dos motivos que possivelmente acelerou as forças conservadoras do Paraguai para a realização do golpe de estado”.

O ex-presidente é incisivo ao afirmar que o impeachment foi uma estratégia elaborada por meio de intervenção estadunidense. “Sem dúvida o golpe de 2012 foi fruto do fortalecimento da ingerência dos Estados Unidos no Paraguai”.

Com a volta do partido Colorado à presidência da República – que antes do Governo Lugo permaneceu por 62 anos no poder – o Paraguai começa novamente a estreitar laços com os Estados Unidos. Em menos de um ano da administração de Horácio Cartes, a presença norte-americana tem um crescimento notável no país. “Hoje em dia não se tem cifras exatas de quanto é a presença [das forças armadas norte-americanas] em nome da cooperação de programas que os Estados Unidos desenvolvem de assistência média e outros tipos de assistências”.

A imprensa local constantemente noticia que o Norte do país é a região onde as forças armadas estadunidenses predominam. Recentemente o ministro da Defesa, Bernardino Soto Estigarribia, anunciou a inauguração da primeira obra de cooperação com Washington desta gestão: um Centro de Respostas para Situações de Emergência, no departamento de San Pedro. Este é apenas um dos departamentos onde o presidente Horácio Cartes já decretou Estado de Exceção e boa parte da estrutura é financiada pelos Estados Unidos.


Almirante Goerge W. Ballance e ministro da Defesa do Paraguay, Bernardino Soto Estigarribia, em reunião sobre o Centro de Respostas para Situações de Emergências


“Hoje em dia há uma presença muito forte dos Estados Unidos no Paraguai, este governo é totalmente pró norte-americano. Também facilitou muito a presença das multinacionais que hoje em dia têm caminho livre para estar presentes em todos os estados”. Lugo acredita que este crescimento das forças armadas estadunidenses no Paraguai interferem diretamente na liberdade e na soberania do país que não se impõe e não consegue se desenvolver de acordo com todo seu potencial. 
 

Paraguai pós-golpe

Depois do golpe de estado que depôs o presidente Fernando Lugo, as forças progressistas ficaram fragilizadas, mas apesar disso disputaram as eleições em 2013. A coalizão dos partidos de esquerda, Frente Guasu, elegeu cinco senadores, entre eles, Lugo. Desde então as forças progressistas vêm se fortalecendo, principalmente no interior do país, junto aos camponeses.

Este ano os trabalhadores do Paraguai realizaram a maior greve dos últimos 20 anos, teve mais de 80% de adesão no campo e na cidade. A Frente Guasu esteve presente neste processo por meio das Coordenadorias Democráticas, grupos de debate que percorrem o país para esclarecer a conjuntura política à população mais humilde.

Lugo explica que a Frente Guasu conta, atualmente, com oito partidos. Todos de esquerda, ou bastante progressistas, mas além disso, a coalizão também agrega uma boa fatia da população que não se identifica com nenhuma sigla. Para ele, isso estabelece dois grandes desafios: “é uma enorme responsabilidade acolher todos os militantes de outros partidos e não podemos decepcionar a confiança que a cidadania tem pela Frente [Guasu]”.

Questionado se a coalizão já estará fortalecida até as próximas eleições presidenciais, em 2018, Lugo diz que ainda é uma análise muito prematura. “A Frente Guasu é muito plural, precisamos discutir com os líderes e com as bases dos partidos quem será a melhor pessoa”. Ele esclarece ainda que é muito cedo para afirmar “Lugo 2018”, esta é uma decisão que será tomada respeitando toda a pluralidade dos partidos.