Secretário de Defesa dos EUA discursa contra a China na Ásia

Sob a batuta do secretário norte-americano da Defesa, Chuck Hagel, o chamado “Diálogo de Shangri-La”, em Singapura, transformou-se este ano numa “barragem de fogo verbal” contra a China que “faz subir a instabilidade no Sudeste Asiático para níveis pouco usuais”, segundo um diplomata britânico em Hong-Kong.

Por Alexandre Park, de Singapura para o Jornalistas sem Fronteiras

EUA e Japão - Reuters/Alex Wong

O tom dos discursos pronunciados contra a China nesta reunião anual “surpreendeu círculos diplomáticos” no Sudeste Asiático, porque “a sua agressividade superou, em muito, aquilo que seria de esperar depois das recentes visitas de Obama à região, cujo tom já foi considerado ‘demasiado provocatório’ em Pequim”, de acordo com o mesmo diplomata.

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Na sua intervenção, o secretário de Estado norte-americano acusou a China “de desestabilizar o Mar da China Meridional desenvolvendo ações unilaterais através das quais pretende fazer valer reivindicações territoriais” e advertiu que os Estados Unidos “não olharão para o outro lado quando os princípios fundamentais da ordem internacional forem desafiados”.

Para dar um tom mais ameaçador à sua mensagem, o chefe do Pentágono enumerou os recentes passos dados pelo governo Obama no âmbito da sua estratégia de “pivô para a Ásia”: novas parcerias estratégicas com o Vietnã e a Malásia, um renovado acordo militar com as Filipinas, a renovação em termos tecnológicos, armamento e espionagem da presença militar no Japão, a expansão dos sistemas antimísseis na Ásia e um reforço da cooperação militar com aliados como a Austrália, a Coreia do Sul e o Japão. Esta reorganização, orientada para instaurar um cerco militar à China “não é um objetivo, nem uma promessa, nem uma visão – é a realidade”, ameaçou Chuck Hagel.

Para fazer frente àquilo a que chamou “intimidação e coação” da China, Hagel recordou que em 2020 os Estados Unidos terão 60% da sua força naval na região Ásia-Pacífico e que o Pentágono irá reforçar o seu “apoio aos aliados aumentando o financiamento militar em 35% e o investimento em treino e formação em 40% até 2016”.

“É um programa de guerra a curto e médio prazo que mostra, mais do que preocupação, até um certo pânico em Washington com os recentes acordos entre Pequim e Moscou”, afirma um membro da delegação da Malásia, “incomodado e desagradavelmente surpreendido” com o tom da reunião em Singapura.

O mesmo representante, um militar, não quis ser mais específico quanto ao seu estado de espírito. Taslim Jamalon, um analista político de uma rádio de Kuala Lumpur, afirmou no entanto, a propósito, que “as boas relações econômicas regionais com a China não podem nem devem ficar reféns das ligações e interesses militares com os Estados Unidos”.

“Os diferendos territoriais com a China sempre existiram e não foi por causa deles que deixamos de desenvolver boas relações econômicas com Pequim”, disse Taslim Jamalon.

“Uma China cercada e acossada não nos é favorável, por muito que seja essa a vontade dos nossos aliados americanos. O tom dos discursos do secretário da Defesa e de outros militares que vieram de Washington incomodam-nos, o estado de guerra, fria ou quente, não nos interessa. Para nós é importante que a Ásia seja um continente estável e por isso até vemos com bons olhos os avanços nas relações entre a China e a Rússia”, sublinhou o analista malaio, “porque, à partida, não vemos neles qualquer ameaça militar – daí serem dispensáveis todas as provocações”.

Yamada, uma jornalista japonesa bem informada sobre os meandros da delegação do seu país presente em Singapura, defendeu que, ao contrário das interpretações de alguns enviados ocidentais, o discurso oficial japonês do ministro da Defesa Onodera pronunciado na reunião “só aparentemente pode ser sintonizado com o do secretário norte-americano da Defesa”. A jornalista sublinhou que uma análise cuidadosa não retira à comunicação nipônica a componente muito dura em relação à China, mas também não fecha portas a uma cooperação econômica tanto com Pequim como com Moscou”.

Yamada acrescentou que o sentimento em meios governamentais nipônicos a propósito da reunião de Singapura é o de que “parece não existir completa sintonia entre o clima das visitas de Obama à Ásia, apesar do seu caráter anti-Pequim, e o ‘discurso cowboy’ de Hagel”.

Fonte: Jornalistas sem Fronteiras