Williams Gonçalves: Brics e o papel do Brasil

Por *Williams Gonçalves

Estadistas, diplomatas, acadêmicos e jornalistas denominam “agenda da política internacional” aquele conjunto de questões e de problemas que suscitam a atenção dos líderes das grandes potências e mobiliza a opinião pública em todos os países, provocando discussões, controvérsias e tomadas de posição.

Invariavelmente, esses pontos da agenda envolvem duas dimensões da vida em sociedade: poder e valores. Dois exemplos ilustram bem as duas dimensões: arsenais nucleares e direitos humanos. Discute-se muito se tais ou quais países devem possuir armas nucleares, assim como se discute se tais ou quais países são respeitadores dos direitos humanos.

Em alguns momentos, essas discussões atingem grande intensidade e a solução para os problemas aos quais se referem apresentam-se como inadiáveis. A questão nuclear no Irã e democratização da Síria são dois bons exemplos da urgência que pontos da agenda da política internacional podem provocar.

Essas são, evidentemente, coisas bastante conhecidas. Mas, por trás delas, há uma determinada questão que só muito raramente é levantada, que é a seguinte: quem elabora a agenda da política internacional? Quem é que determina por que um país pode ter arsenais nucleares e outro não pode ter usinas nucleares para gerar energia elétrica? Quem é que decide qual determinado governo deve ser derrubado para dar lugar a outro, em nome da democracia? Enfim, quem impõe a ordem internacional? O uso desse poder é autorizado por quem?

A pergunta quando é feita assim, torna a resposta óbvia. São os Estados Unidos e seus aliados da Otan quem impõem a ordem. São eles que determinam o que pode e o que não pode. A palavra final na agenda da política internacional é sempre a deles. Melhor dizendo, era sempre assim. Atualmente as coisas estão mudando um pouco. E tendem a mudar mais. Por alguma razão, Estados Unidos e aliados da Otan não conseguiram invadir a Síria, como queriam. Para esclarecer isso é necessário falar do Brics, pois é a sua ascensão que tem multipolarizado o sistema internacional e é a sua ação incisiva que tem fortalecido os foros multilaterais.

Brics, como é sabido, é o acrônimo de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Jim O’Neill, economista inglês de um influente grupo financeiro, criou esse acrônimo em 2001. Seu mérito foi chamar a atenção para uma realidade ainda submersa, mas que, inevitavelmente, viria aflorar, como acabou por acontecer em 2008, quando os chefes de Estado desses países decidiram formalizar o grupo. A realidade intuída por O’Neill é a ação política concertada desses cinco grandes países da periferia, que reúnem a maioria da humanidade e toda a diversidade étnico-cultural do planeta.

Enganam-se aqueles que ficam a discutir a respeito de compatibilidades políticas e ideológicas e a respeito de complementaridades econômico-comerciais entre esses países. Não é essa a questão que importa. Quando falamos em Brics, não estamos nos referindo ao plano da diplomacia bilateral entre eles. Estamos nos reportando ao plano da diplomacia multilateral. Estamos dizendo que as autoridades desses países se reúnem para conciliar seus pontos de vista sobre a agenda da política internacional e procuram agir em uníssono, sempre que possível, para fazer valer suas posições.

Tal ação política levada a cabo no interior das instituições internacionais (CS da ONU, OMC, FMI, OMS por exemplo) tem se realizado, apesar de todas as diferenças que os distinguem entre si, porque esses cinco grandes Estados vinham a muito lutando, cada qual a seu modo, por um mesmo objetivo: democratizar as relações internacionais. Vale lembrar, que essas potências ainda dominantes sempre afirmaram defender a democracia dentro dos Estados, mas, nas relações entre os Estados, sempre impuseram uma ordem hierárquica.

Duas questões sobre o Brics suscitam muito interesse. Uma: até onde o Brics pode avançar? Outra: qual a importância do Brasil no grupo? Em relação à primeira, ainda é cedo para dizer. Não se pode esquecer que as potências que defendem o status quo são ainda suficientemente fortes para se defenderem. Mas a correlação de forças tem se alterado. Em contrapartida à ascensão do Brics, assiste-se o contínuo descenso da Europa. A idéia do Brics de criar um banco internacional para fomentar o desenvolvimento da periferia revela o dinamismo e a perspectiva do grupo. Quanto à segunda, embora não seja uma potência militar-nuclear e não tenha assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, a diplomacia brasileira se legitima e se faz respeitar pela intensa luta que tem travado em favor dos países em desenvolvimento.


*Williams Gonçalves é Doutor em Sociologia, Professor de Pós-Graduação da Uerj e colaborador do Observatório das Nacionalidades

Fonte: O Povo

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