Palestina busca aderir ao Tribunal Penal e divulga violações de Israel

Nesta terça-feira (5), Saeb Erekat, o chefe palestino nas negociações, urgiu os partidos e movimentos na Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e fora dela a endossarem a candidatura do Estado da Palestina ao Tribunal Penal Internacional, onde poderá acusar as autoridades israelenses pelos crimes de guerra. No mesmo dia, a OLP divulgou um documento com dados importantes para a compreensão do quadro mais amplo da ofensiva israelense.

Por Moara Crivelente, da Redação do Vermelho

Faixa de Gaza - Mohammed Abed/AFP/Getty Images

O ministro palestino das Relações Exteriores Riyad al-Maliki visitou a sede do Tribunal Penal Internacional (TPI) em Haia, na Holanda, ainda nesta terça-feira, para exigir a investigação das denúncias de crimes de guerra perpetrados pelas forças israelenses, de acordo com as agências palestinas de notícias. A adesão do Estado da Palestina ao TPI é uma das estratégias políticas mais importantes no quadro de ação contra a ocupação israelense, em geral, e as reiteradas ofensivas militares, como a atual contra a Faixa de Gaza e também contra a Cisjordânia.

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O Tribunal, fundado pelo Estatuto de Roma em 2002, pode julgar indivíduos responsáveis por violações do direito internacional, ainda que eles não sejam de Estados membros (o caso de Israel), mas tenham perpetrado crimes no território de um signatário do Estatuto. Além disso, o Conselho de Segurança das Nações Unidas também poderia referir casos ao TPI, mas o poder de veto dos Estados Unidos, aliado incondicional de Israel, seria uma das barreiras.

O presidente palestino Mahmoud Abbas já se opusera, no passado, à adesão ao TPI, porque acreditava que a medida prejudicaria as tentativas de diálogos com Israel – e acarretaria pressões dos Estados Unidos e da União Europeia – e devido às advertências de juristas de que a iniciativa poderia se aplicar também aos grupos armados palestinos da resistência. Aliás, os EUA já retaliaram um passo anterior da Palestina na adesão a agências da ONU e outras convenções, como quando suspenderam contribuições à Unesco após a adesão palestina.

Diversos grupos de defesa dos direitos humanos têm insistido a Abbas pela adesão ao TPI, principalmente desde que a Palestina foi reconhecida como Estado não membro (um status de observador) da ONU em novembro de 2012 por mais de 130 países, número que aumentou desde então. A principal força motriz desta medida é a impunidade das autoridades israelenses responsáveis por inúmeras violações do direito internacional humanitário, principalmente através da expansão da ocupação sobre os territórios palestinos (com ações proibidas pela quarta Convenção de Genebra Relativa à Proteção das Pessoas Civis em Tempos de Guerra, de 1949) e, em casos intensificados, os crimes de guerra perpetrados sobretudo durante as grandes ofensivas.

Em 2009, um relatório do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas já havia concluído que inúmeros crimes de guerra e “possíveis crimes contra a humanidade” tinham sido cometidos durante a “operação Chumbo Fundido”, que resultou em cerca de 1.400 mortes em 22 dias de ofensiva e em grande devastação da infraestrutura civil e humanitária na Faixa de Gaza. Não houve seguimento às conclusões no sentido da responsabilização das forças israelenses. No final de julho deste ano, entretanto, o Conselho decidiu enviar uma nova missão de investigação das novas denúncias de crimes de guerra.

Violações documentadas

Uma “conferência de doadores” – geralmente usada como espaço para pressões políticas de bastidores – já está marcada para 1º de setembro para a reconstrução de Gaza, afirma a jornalista israelense Amira Hass, em artigo para o Haaretz, mas suas fontes no governo palestino disseram não ver contradições entre esse esforço e a adesão ao TPI.

Entre os “doadores” para questões humanitárias estão países europeus e até os EUA, que, por outro lado, financiam Israel com armamentos e outros equipamentos militares com mais de US$ 3 bilhões anuais desde a década de 1970. A devastação e a reconstrução são eventos cíclicos em Gaza, assim como o massacre dos palestinos.

No documento divulgado pela OLP, “Palestina ocupada e atacada”, estão expostas as violações cometidas no espaço de um ano, de 30 de julho de 2013 (quando foi lançado mais um infrutífero período de negociações com Israel) até 30 de julho de 2014.

Durante os nove meses de diálogos, em que os EUA apresentaram-se como "mediadores", as forças israelenses que sustentam a ocupação sobre os territórios palestinos mataram 61 pessoas e prenderam 3.674, demoliram 508 casas e fizeram 2.341 ataques, além de ignorarem (ou apoiarem) 675 casos de violência dos colonos israelenses contra residentes palestinos. Ainda, as autoridades israelenses anunciaram a construção de mais 14.000 casas nas colônias ilegais na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental.

Desde o fim das negociações até 30 de julho, mais 50 palestinos foram mortos na Cisjordânia, 1.502 foram detidos (inclusive crianças) e mais dezenas de casas foram demolidas, quando o governo israelense anunciou formalmente a volta desta prática enquanto “medida punitiva”, no contexto da sua operação militar "Guardião Fraterno" lançada contra a Cisjordânia em 12 de junho, sob o pretexto de procurar três colonos desaparecidos.

Já em Gaza especificamente, além do número de mortes em aumento acelerado  no massacre lançado em 8 de julho, quase 400 vítimas fatais eram crianças, mais de 130 eram mulheres e 57 eram idosos. Além disso, 55 famílias foram completamente dizimadas. Centenas de escolas, hospitais, igrejas, mesquitas, a única central de energia elétrica, redes de abastecimento de água e de saneamento foram destruídas ou substancialmente danificadas, enquanto assistentes estimam que mais de 270 mil crianças precisam de tratamento psicológico.

O território de 365 quilômetros quadrados está sitiado há oito anos, tem quase 1,8 milhão de habitantes e oito campos de refugiados. Dos habitantes, 913 mil são refugiados de outros massacres e ações de expulsão conduzidas pelas autoridades israelenses. Na atual ofensiva, entretanto, mais 240 mil palestinos foram forçados a se deslocar dentro do território sitiado para abrigarem-se dos bombardeios e porque suas casas foram destruídas.

Atualizada às 10h00 de quarta-feira (6) para incluir a notícia sobre a visita do chanceler Al-Maliki ao TPI.