Valton de Miranda Leitão: O sol da cearensidade

Por *Valton de Miranda Leitão

Os maiores problemas do povo brasileiro na atualidade são o analfabetismo político e a ausência de uma mentalidade ética em relação ao poder público. Isso dificulta a condução governamental: nossa consciência coletiva não incorporou o respeito ao bem público como fundamento da vida comunitária. Prevalece a concepção de que o privado é superior ao público, tanto no nível popular quanto acadêmico. As regionalidades recortam o país com diferentes mentalidades coletivas e até prevalecem preconceitos regionalistas, extremamente nocivos à unidade nacional.

O Ceará tem certas peculiaridades que afora o bairrismo, pode-se dizer que abriga uma população que tem marca unificadora na sua mentalidade: a cearensidade. Capistrano de Abreu, considerado o fundador da historiografia brasileira, nasceu em Maranguape, e coloca a origem do povo cearense na figura simbólica de Martins Soares Moreno, mistura de branco e índio, aventureiro e fundador que seria a origem da vocação para a rebeldia e a resistência a intempéries climáticas. A mestiçagem crestada pelo sol, junta Moacir e Iracema na pena de Alencar, enquanto Gustavo Barroso exalta o grande astro iluminador, benfazejo e malfazejo.

A história do Ceará se encontra com a nordestina nas revoltas que transformaram Cícero e Conselheiro em mitos, cujo simbolismo está no cerne da sua antropologia cultural. O Instituto Histórico Geográfico e Antropológico do Ceará guarda esta notação memorialista que todo governante deveria conhecer para incorporar na função gestora: o homem, a terra e o clima.

À mestiçagem portuguesa com tabajaras e cariris, juntaram-se holandeses e libaneses para compor a identidade cearense andeja, mercadora e de telúrica inteligência. O revolucionarismo político de Bárbara e Tristão, o rompimento com a escravatura na Redenção, a antropologia de Tomás Pompeu, o romance de Rachel e o humorismo de Chico Anísio tecem a cultura que permanece ainda semifeudal e pré-capitalista. O embate político tornou Vigílio um símbolo do avanço, que agora, após trânsito pelos Ferreira Gomes, alcança um novo patamar com o jovem governador Camilo.

Cabe ao líder de qualquer nível estatal incorporar as aspirações do único soberano, o povo. Creio que Camilo junta ao seu pensamento a cearensidade que os pais, Eudoro e Ermengarda lhe transmitiram. Eudoro Santana foi buscar em Israel o saber sobre a água que consolidou em muitos anos de vida pública num verdadeiro cinturão de experiência e dedicação política.

O embate político no Ceará coloca em confronto democrático, esquerda e direita: Alcântara, Jereissati, Fontenele, Lins e Frota Bezerra são sobrenomes que sempre auscultaram o pensamento conselheiro de Eudoro Santana. Minha convivência com o amigo e personalidade política no DCE, PSB e até hoje, me permite afirmar que, embora identificado com o pai, Camilo não o mimetiza.

O governo atual enfrentará democraticamente a crise econômico-política, também brasileira. É sabido que a elite deste país apela sistematicamente para a quebra da ordem democrática sempre que sente seus mesquinhos interesses minimamente arranhados.

*Valton de Miranda Leitão é Psicanalista

Fonte: O Povo

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