Joan Edesson: As vozes das ruas e os donos das vozes

Por *Joan Edesson

O juiz Sérgio Moro recomendou recentemente que se ouvisse “a voz das ruas”. É de se perguntar, entretanto, de qual voz fala o juiz. Porque as ruas são polifônicas e multicoloridas; porque das ruas clamam vozes diferentes; porque as vozes que soam nas ruas têm diferentes donos.

A voz que ecoou no dia 13 de março é uma voz branca, bem vestida, que vai às ruas acompanhada da babá devidamente uniformizada, para marcar a diferença entre ela e seus patrões verdeamarelados.

A voz de 13 de março se veste de verde e amarelo mas sonha com Miami; atropela o hino nacional, mas estuda inglês com afinco, para não fazer feio nos “isteites”.

A voz de 18 de março é mestiça, cabocla, é a voz do Brasil profundo, dos rincões, é a voz do povo uno de Darcy Ribeiro, é a voz do “Brasi de baixo” de Patativa do Assaré.

A voz do dia 18 de março se veste de verde, vermelho, amarelo, branco, e sonha com um Brasil justo, solidário e feliz; canta o hino nacional por amor à pátria, a pátria descalça e pobrezinha, e sabe que dos “isteites” só pode esperar mesmo o saque das nossas riquezas.

A voz de 13 de março é a voz do ódio, da intolerância, da violência, que ataca pessoas porque estão vestidas de vermelho, que ataca jovens porque têm “cara de petistas”, que não dialoga, que não conversa, que grita e quer ganhar no grito, porque acostumados, desde sempre, desde seus ancestrais, a mandar e ser obedecidos.

A voz de 13 de março defende a sonegação de impostos como arma política, como o fez Beto Studart, presidente da Federação das Indústrias do Estado do Ceará, esquecendo-se que a sonegação entre seus pares já é corrente, como arma da ganância.

A voz de 18 de março é a voz da democracia, do respeito à vontade da maioria, é a voz da paz e da esperança, é a voz de quem escuta pacientemente os que perderam, aquela minoria que quer manter e aumentar privilégios.

A voz de 18 de março quer “festa, trabalho e pão”, quer escola, casa, comida, quer ter ao menos o pão com mortadela para comer, já que o filé mignon parece destinado apenas aos patos da FIESP.

A voz de 13 de março tem um imenso amplificador, a fazer crer que ela é muito mais forte do que parece; conta com apoio da mídia, especialmente da Rede Globo; faz selfie com a polícia, que sorri amistosa e lhe protege.

A voz de 18 de março precisa ecoar alto para que não lhe abafem, e só conta com as redes sociais e com os pequenos veículos de comunicação comprometidos com a democracia; a voz de 18 de março apanha da polícia e sabe que, para os pobres, negros, marginalizados, a polícia não faz selfie, ela espanca e mata.

Uma parte da voz que ecoou no dia 13 de março é um verdadeiro “diabo no meio da procissão”; é a voz do fascismo, que despreza as instituições e os partidos; é a voz do fascismo que se volta, intolerante e violenta, contra seus próprios pares, se for por eles contrariada; é a voz do fascismo que grita, desde décadas, “abaixo a inteligência e viva a morte”.

A voz de 18 de março é a voz que recebe os seus de braços abertos, que luta pelo presente e pelo futuro, que se esforça para que o passado recente da ditadura não seja esquecido e não se repita, é a voz que grita em todos os cantos do país por mais democracia, por mais direitos sociais, por mais justiça; é a voz que se eleva contra o golpe tramado pelo consórcio judicial-midiático-oposicionista; é a voz que dá vivas à vida e à alegria.

A voz de 13 de março tem dono.

A voz de 18 de março tem dono.

O dono da voz de 13 de março não aparece, esconde-se e manipula de longe, trama nos tribunais e nos canais de televisão, em conciliábulos que reúnem ministros do supremo e líderes da oposição de direita em torno de banquetes nos quais o prato principal, estraçalhado com talheres finos, é a justiça e a democracia.

O dono da voz de 18 de março foi para as ruas, com rostos multicoloridos; o dono da voz de 18 de março é o operário, a professora, a trabalhadora rural, o índio, o casal de estudantes chorando abraçados no meio da passeata; o dono da voz de 18 de março é o povo brasileiro.


*Joan Edesson é doutorando em Educação Brasileira na Faculdade de Educação da UFC e membro do Comitê Estadual do PCdoB-CE.

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