O impeachment geopolítico no Brasil
Se consumou o primeiro passo para desbancar o do poder o PT no Brasil. Depois de 13 anos no poder de ter vencido em 2014 pela quarta vez consecutiva as eleições presidenciais brasileiras (duas com Lula e duas com Dilma), a direita brasileira, muito bem acompanhada pela direita internacional, iniciou uma ofensiva para acabar com o governo da petista Dilma Rousseff.
Por Sérgio Martín-Carrillo*, no Celag
Publicado 25/04/2016 11:47

O que não conseguiram pelo voto popular, conseguiram com o voto de uns congressistas, boa parte manchados pela suspeita de corrupção. Assim foi como 367 deputados conseguiram impor sua vontade sobre a de 54 milhões de brasileiros.
Porém, mais além da ofensiva dos setores conservadores brasileiros em busca de incrementar suas cotas de poder, há que se levar em conta o posicionamento geopolítico e geoeconômico do gigante sul-americano. Isso nos ajudará a entender o apoio direto, ou a omissão de condenações ao golpe, dos meios e dos líderes conservadores internacionais. O Brasil sempre foi um vizinho incômodo para os Estados unidos. O vizinho que por seu peso econômico, geográfico e populacional se nega a formar parte do pátio dos fundos dos EUA. Mas nos últimos anos, o vizinho incômodo se tornou ainda mais ruidoso e começou a construir amizades com os que fazem sombra no poder estadunidense no continente e também fora dele.
Estes amigos incômodos apareceram denominados sobre o guarda-chuva do Brics. Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul são os principais países que estão disputando e rompendo a hegemonia estadunidense pós Guerra-Fria no século 21. Fukuyama, muito equivocado, previu o fim da história, mas a história continua e as disputas pelos espaços de poder e contra-poder seguem presentes neste sistema internacional.
Voltando ao Brasil, mas retrocedendo alguns anos, vemos que desde o momento da posse de Lula, lá pelo ano de 2004, já começou a apresentar certas dores de cabeça para a hegemonia estadunidense. O Brasil de Lula, junto à Argentina de Néstor Kirchner e a Venezuela de Hugo Chávez (outros vizinhos incômodos, aos quais muitos outros países se somaram) fechavam a porta pela última vez ao pan-americanismo estadunidense. O pan-americanismo é aquela visão geopolítica de Washington que nasceu com a Doutrina Monroe, se fortaleceu com Roosevelt , se institucionalizou com a OEA, ficou mais robusta com as intervenções militares estadunidenses na América Latina e queria ter como conclusão a consolidação da maior área de livre comércio do mundo, a Alca.
O Brasil incomodou muito, mas durante alguns anos houveram outros vizinhos que incomodaram mais. Porém, a direita internacional não se esqueceu do gigante sul-americano, tampouco o fez os EUA. A descoberta das grandes reservas de petróleo e do pré-sal brasileiro em águas ultra-profundas reativou a 4ª Frota estadunidense em 2008. Neste momento Lula já manifestou sua preocupação pela ativação da marinha estadunidense no oceano Atlântico sul e temeu os interesses estadunidenses sobre o pré-sal. Entretanto, neste momento a debilidade econômica estadunidense e a fortaleza dos governos progressistas na região sul-americana faziam imprescindível a disputa de poder com Lula.
Outro dos recursos mais cobiçados – e que o Brasil tem em abundância – é a água. A água doce, convertida em recurso geoestratégico no século 21 e suscetível à mercantilização, é encontrada em enormes quantidades no Brasil. As enormes quantidades disponíveis na bacia amazônica se somam à Bacia Platina, assim como as reservas subterrâneas do maior aquífero do mundo, o Aquífero Guarani, que o Brasil compartilha com a Argentina, o Paraguai e o Urguai. No futuro, junto às disputas que temos na atualidade sobre os recursos energéticos, aumentarão os conflitos pela acumulação dos recursos hídricos.
Voltando ao Brics, é necessário manifestar que este bloco de países pela primeira vez questionou a ordem estabelecida em Bretton Woods. A criação do Banco de Desenvolvimento dos Brics supõe a criação de uma alternativa de financiamento distante das instituições dominadas pelos Estados Unidos. Ou seja, uma alternativa de financiamento fora das políticas neoliberais ligadas condicionalmente ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional.
O golpe institucional no Brasil tem sido executado pelo Congresso brasileiro, mas os apoios vão muito mais além da política nacional. A vinculação da direita internacional e os interesses de capital estadunidenses se manifestam com alguns nomes que vão surgindo para o possível governo de Michel Temer. Assim é o caso de Paulo Leme, atualmente presidente do Diretório Goldman Sachs no Brasil, cujo nome começa a soar com força para ocupar o Ministério da Fazenda ou a Presidência do Banco Central brasileiro no futuro governo. Governo que, cabe reiterar, tomará o poder com o apoio de 367 deputados, frente ao governo de Dilma, que foi eleito com o apoio de 54 milhões de brasileiros.
Diante do novo papel do Brasil, resta ver até onde vão as instituições pós-Bretton Woods, criadas pelo Brics, o novo rumo do Mercosul, e o futuro da Unasul, a acolhida do governo aos 367 deputados e o panorama internacional, principalmente a relação com os Estados Unidos. Está claro que o apoio não será a fundo perdido e a gananciosa direita brasileira terá que repartir parte da torta com os interesses alheios ao continente.